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Um longo e conturbado processo: a ratificação da convenção sobre trabalho forçado (nº29)

Introdução

Esta parte, composta por três capítulos, segue a ordenação diacrónica utilizada até aqui mas não de modo estrito. Integra-se naturalmente nas duas partes prévias, dado que a relação do império português com a OIT, apesar de importantes mudanças, não deixou de apresentar uma dimensão cumulativa.

O capítulo V abordará a forma como o lastro deixado pelo trabalho dos comités especiais sobre trabalho forçado e escravatura se fez sentir mesmo após o termo formal dos seus mandatos. Não constituindo os únicos momentos de um processo mais global de crescente contestação interna e, acima de tudo, global às políticas e práticas laborais “indígenas” no império português, o trabalho dos comités assumiu particular relevância tanto no desenvolvimento de novas instâncias e momentos de escrutínio e repúdio das práticas imperiais como abriu um novo espaço para que outros actores, alguns através de actividades privadas e não institucionalizadas, fizessem aumentar a pressão sobre governantes e administradores imperiais para que revissem e corrigissem as políticas e realidades sociais nas colónias.

Igualmente significativa foi a multiplicação de denúncias internacionais, algumas delas com uma audiência significativa, e a sua articulação com desenvolvimentos institucionais que visavam não só aumentar a capacidade de escrutínio mas também rever os referenciais normativos que condicionaram os exercícios de auto-escrutínio imperial que se vinham intensificando. Não se tratou apenas de acusações ou debates particulares em torno do problema do trabalho forçado suscitarem novas investidas de investigação e avaliação local, com o duplo objectivo de sanear condições ou acções vistas como danosas e de refutar as críticas mobilizadas internacionalmente, mas também de as próprias autoridades invocarem acontecimentos internacionais, passados ou coevos, para reforçarem a urgência das

críticas às realidades locais e para justificarem a necessidade de serem empreendidas reformas.

Desta feita, o capítulo V, demonstra como a articulação deste conjunto de processos, num contexto marcado por importantes transformações internacionais e noutras formações imperiais acerca da legitimidade do colonialismo, acabaria por propiciar um passo até então inédito na história do império português: a ratificação de uma convenção da OIT que directamente visava os territórios coloniais, a convenção nº29 sobre trabalho forçado. As contingências históricas e políticas particulares do início da segunda metade da década de 1950 tornaram possível que a resposta escolhida pelas autoridades e governo imperiais tenha sido a de dar início à integração normativa internacional do império português em matéria de política laboral colonial, contrariando receios e desconfianças com um longo historial.

A adesão à Convenção nº29 foi, pois, resultado, acima de tudo, de considerações de política externa e diplomáticas. Ela não foi acompanhada por qualquer transformação legislativa coeva. Mas o seu “efeito político”, tropo comum na troca de correspondência oficial, foi devidamente apreciado. Como consequência, as autoridades imperiais entenderam que esta poderia ser uma estratégia donde resultariam dividendos políticos positivos caso fosse prosseguida. É desse aspecto que trata o capítulo VI.

A decisão de adoptar e ratificar novas convenções sobre liberdade no trabalho, durante os anos seguintes, e cujo impacto se direcionava quase exclusivamente para os territórios coloniais, respondia aos mesmos critérios de oportunidade política e tentativa de contenção e refutação de críticas, maioritariamente provenientes do exterior. Mas ela representou também um esforço de adaptação a uma nova vaga de debate que atravessou a OIT, fortemente condicionada pelos processos históricos da Guerra-Fria e da descolonização global, e que visava adequar e complementar o conjunto de convenções, especialmente direccionado para a questão da liberdade no trabalho nos mundos coloniais, que havia sido criado no período entre-guerras. O processo de redefinição de normas laborais internacionais levaria, mais uma vez, a um debate dentro das estruturas imperiais e enfrentaria constantes hesitações em torno dos perigos identificados como decorrentes da sua extensão aos territórios coloniais.

No entanto, a decisão de ratificar mais convenções que versavam sobre liberdade no trabalho foi substancialmente mais expedita que aquela que acompanhara durante mais de um quarto de século a ratificação da convenção nº29.

Em grande medida, a diferença residiu no contexto histórico global e do impacto deste não só nos conteúdos e sentidos dos debates em diferentes organizações internacionais como na sua composição e organização. O processo de ratificação de mais convenções, criadas nesses mesmos anos, sobre liberdade no trabalho não pode, pois, ser compreendida sem se atender às profundas mutações que caracterizaram a evolução dos debates sobre a legitimidade imperial. Essas transformações fizeram-se sentir na ONU, desde logo, mas também na OIT, que, durante a segunda metade da década de 50, encetou a democratização da sua intervenção em África, nomeadamente pela criação de um ramo regional próprio e pela extensão da natureza tripartida da organização aos debates e actividades no continente. É também esse processo, e a forma como a administração imperial o recebeu e com ele lidou, que será tratado no capítulo VI, em estreita articulação com os processos de ratificação das novas convenções sobre trabalho forçado e abolição de sanções penais. O impacto de eventos e processos relacionados com a extensão da actividade da OIT a África na dinâmica e nos sentidos dos mecanismos de tomada de decisão imperial foi evidente, e será devidamente identificado.

A saliência das questões sociais, em particular do trabalho indígena, como elemento fundamental do objectivo de política externa de legitimação imperial é facilmente assinalável nesta parte, à semelhança do que sucedeu nas partes anteriores. Mas o contexto de gradual autonomização de vários espaços coloniais e as crescentes críticas globais às várias expressões do colonialismo europeu tornaram mais urgente a necessidade de se conseguir, em espaços internacionais, refutar críticas a modos de governação entendidos então como não aceitáveis, e ainda fazer prova do ajustamento das modalidades de governação imperial ao conjunto de normas e declarações internacionais que visavam cristalizar as ideias de auto-determinação e respeito pelos direitos humanos enquanto princípios orientadores da ordem internacional. Face às crescentes críticas não só às práticas sociais mas também à sua intransigência em relação ao aprofundamento da autonomização das suas províncias ultramarinas, o governo imperial e a administração colonial viram-se forçados a procurar formas de legitimação que não questionassem o seu ordenamento jurídico e, em particular, a tese da unidade nacional e imperial. Assim, o capítulo VII tratará da forma como as autoridades portuguesas tentaram utilizar a OIT como forma de legitimar internacionalmente o império colonial português. O caminho escolhido foi o de ratificar uma série de convenções que visava principalmente afirmar a tese da unidade

nacional através da extensão da aplicação de normas internacionais de política social aos territórios coloniais. Como se verá, esta decisão foi feita sem sacrificar uma análise concreta dos efeitos políticos de cada possível ratificação, mas, dada a primazia atribuída ao efeito político, levou à ratificação de um conjunto de instrumentos que, se à época não colocou em causa formalmente a estrutura jurídica dual do império, acentuou a dissonância desta com mecanismos normativos que faziam da uniformização jurídica o seu eixo orientador. A necessidade de dar resposta a acontecimentos noutros palcos e a aparente apreciação positiva da OIT, senão dos seus princípios e programas, explica a torrente de ratificações de convenções que marcaram a história do império colonial português na transição da década de 50 para a de 60.

A adesão a convenções internacionais que visavam a uniformização de práticas e políticas sociais entre os mundos metropolitanos e colonial colocou em causa, de forma evidente, a persistência do indigenato bem como de um código laboral específico para os “trabalhadores indígenas”. Estas decisões coabitaram precariamente com a persistência de um regime jurídico dual que negava o princípio da unidade imperial, sendo este último um dos elementos centrais do discurso legitimador e justificativo da permanência imperial. Desta forma não é surpreendente que, associado a este processo mas também aos desenvolvimentos mais globais em torno da questão imperial, surgissem esforços de imaginar e desenhar reformas imperiais, que versavam as questões de política social, mas iam mais longe, questionando a própria ordem política e jurídica do império. Todavia, esses esforços tiveram um alcance limitado e caracterizaram-se por um desfasamento essencial em relação às normas e princípios que cada vez mais marcavam a ordem internacional neste período. Mais, e como se verá, eles ocorreram tendo por pano de fundo realidades sociais coloniais marcadas pela persistência de práticas discriminatórias, abusos e políticas sociais que, ao contrário do proclamado em vários fóruns internacionais, comprometiam a ideia de uma configuração imperial composta por iguais, moderna e outorgante de direitos e deveres iguais independentemente da cor da pele ou do “grau civilizacional” dos grupos que a constituíam.

Um mundo em transformação: o caminho para a deslegitimação internacional do colonialismo europeu

O período entre 1954 e 1960, grosso modo, constituiu uma fase crucial do chamado “colonialismo tardio”. A sua agregação implica, no entanto, algum cuidado e reserva. Por compreender um arco cronológico ainda relativamente vasto, acaba inevitavelmente por amalgamar acontecimentos, e a associada compreensão destes, exercício de que não estava ausente uma projecção particular e determinada do futuro em relação à questão colonial, que, na verdade, diferiu substancialmente em função dos seus vários contextos. Basta pensar que se 1954 marca o fim da presença francesa na Indochina, nomeadamente após os acontecimentos de Dien Bien Phu, é também incontornavelmente relacionado com a eclosão organizada da violência nos três departamentos franceses da Argélia, que arrastaria o governo e militares franceses para um prolongado conflito colonial com importantes repercussões metropolitanas até 1962.296 Mas não se tratava apenas da violência organizada: no mesmo império francês, os representantes eleitos africanos na Assembleia Nacional francesa batiam- se maioritariamente por uma maior integração no império, não obstante as exigências de maior autonomia regional ou colonial; o objectivo era a expansão, generalização e universalização de direitos civis, sociais e políticos dentro de uma mesma estrutura política.297 Mesmo em 1958, após a chegada de De Gaulle ao poder, aquando do pronunciamento popular sobre a constituição que viria a inaugurar a V república francesa, apenas a Guiné francesa votou resolutamente pela independência.298 Um ano depois, a sombra da independência, e da balcanização que Leopold Senghor temia, de cada um dos territórios e desmembramento das estruturas regionais nas áfricas ocidentais e equatoriais francesas afigurava-se particular e auspiciosamente próxima.299 O mesmo pode ser dito acerca das diferentes possessões no império britânico, a violência da repressão de protestos na Niassalândia (que entretanto havia sido integrada na Federação da África Central, em 1959) ou a violenta campanha contra os Kikuyu, no Quénia, que coexistia, não sem sobressaltos, com uma relativamente tranquila e progressiva autonomização do Gana que acabaria por eventualmente resultar na declaração da independência deste território em 1957.300                                                                                                                

296 Veja-se, entre outros, Martin Thomas, Bob Moore, L. J. Butler, Crises of Empire: Decolonization and Europe’s Imperial States (London: Bloomsbury, 2008).

297 Frederick Cooper, Citizenship between Empire and Nation: Remaking France and French Africa, 1945-1960 (Princeton: Princeton University Press, 2015).

298 Sobre este processo, veja-se Elizabeth Schmidt, Cold War and Decolonization in Guinea, 1946- 1958 (Athens: Ohio University Press, 2007).

299 Cooper, Citizenship between Empire and Nation, pp. 326-430.

300 Veja-se Philip Murphy “Acceptable levels? The Use and Threat of Violence in Central Africa, 1953-1964”, em Miguel Bandeira Jerónimo e António Costa Pinto, eds., The Ends of European

Serve isto para sublinhar que os anos finais do colonialismo tardio foram marcados por estratégias e decisões políticas divergentes, quando não contraditórias. Ao invés de se falar de um processo de descolonização gradual e imparável, antes importa salientar que as crescentes pressões locais, metropolitanas e internacionais no sentido de, pelo menos, uma transformação substancial da relação imperial encontraram respostas diferentes de local para local, e que os vários calendários de autonomização e descolonização dependeram de uma apreciação que respondia menos a um esquema organizado ou a uma qualquer essência nacional e imperial do que à conjugação de uma multiplicidade de factores.301 A natureza das reivindicações e a forma como eram colocadas pelas populações locais e seus representantes; a capacidade de mobilização destes últimos; o peso do extracto europeu das sociedades coloniais; a importância económica de cada um dos territórios; os custos da expansão de direitos sociais e políticos de cada território para as finanças das metrópoles; a sua relevância geoestratégica e as pressões internacionais: todos estes elementos pesaram, de forma variável, na forma como administradores e governantes locais e metropolitanos reagiram à torrente de exigências e reivindicações que marcaram estes anos (isto para não falar do perfil de cada um dos actores individuais envolvidos). Mais, essas reacções caracterizaram-se por serem rápida e docilmente moldáveis ao contexto histórico preciso em que tiveram lugar.302

É importante, pois, alertar para os riscos da linearidade na leitura destes anos como desaguando natural e ordeiramente na concretização da descolonização global. O mesmo sucede com os respeitantes a ler-se, por exemplo, o ano de 1955 com os olhos postos em 1960. No entanto, é relativamente incontestável que estes anos foram também marcados por um conjunto de processos e eventos que desafiaram gradual e sustentadamente a retórica e práticas da diferença nas configurações imperiais e que, mas não inevitavelmente, acabaram por colocar em xeque a própria solução imperial, mesmo que esta perdurasse ainda em lugares bastantes na década de 1960 para se                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

Colonial Empires: cases and comparisons (Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2015), pp 178-198. Caroline Elkins, Imperial Reckoning: The untold story of Britain’s Gulag in Kenya (New York: Henry Holt, 2005); David Anderson, Histories of the Hanged: Britain’s Dirty War in Kenya and the End of Empire (London: Weidenfeld & Nicholson, 2005). Veja-se ainda, para uma apreciação global do processo da descolonização do império britânico John Darwin, Britain and Decolonization: Retreat from the Empire in the Post-war world (London: MacMillan, 1988).

301 Frederick Cooper, Colonialism in Question: Theory, Knowledge, History (Berkeley: University of California Press, 2005), pp. 153-242; William Roger Louis e Posser Gifford, eds., The Transfer of Power in Africa: Decolonization, 1940-1960 (New Haven: Yale University Press, 1982).

302 Miguel Bandeira Jerónimo e António Costa Pinto, eds., The Ends of European Colonial Empires: cases and comparisons (Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2015).

tornar arriscado limitar o processo de descolonização global à transição da década de 1950 para 1960. Mas é inegável que os termos em que essa solução poderia ser defendida se tornaram cada vez menos acomodatícios para os seus apologistas.303

Em termos aproximados, a segunda metade década de 50 vivenciou, pois, uma transformação global que constrangeu substancialmente os debates e políticas do colonialismo tardio. A transferência de tropas francesas que abandonavam uma Indochina entretanto parcelada e se mudavam para uma nova frente de combate pela preservação de um império indivisível na Argélia é um poderoso elemento simbólico do que os governos coloniais europeus viam como a chegada de novos desafios ao continente africano. Afinal, a descolonização formal do continente asiático concretizou-se grosso modo nestes anos, da Indochina à Malásia, em 1957. O crescente número de países asiáticos independentes, bem como a intensificação de campanhas nacionalistas por todo o continente africano, criaram as condições para a primeira conferência Afro-Asiática, realizada em Bandung, na Indonésia, em 1955.304 Muito citada mas ainda escassamente estudada em detalhe, a conferência de Bandung é normalmente descrita como o início de uma nova era. De facto, nela se proclamou, por via de delegados soberanos do que haviam sido colónias, a condenação do colonialismo e o comprometimento das novas nações com a sua progressiva erradicação. Nehru, primeiro-ministro indiano e Chun En Lai, seu homólogo chinês, assumiram o principal destaque. No entanto, e apesar de múltiplas vezes confundida com o movimento dos não-alinhados ou o neutralismo, a conferência foi profundamente disputada segundo linhas da guerra-fria. Para muitos representantes pós-coloniais, os imperialismos chinês e soviético eram tão ou mais nocivos que o clássico imperialismo europeu. Não obstante, a conferência constituiu um momento marcante de afirmação dos novos poderes que resultaram da desintegração parcial dos impérios europeus.305

                                                                                                               

303 Para alguns exemplos da importância dos debates internacionais na gradual deslegitimação da solução colonial veja-se, entre outros, Ryan Irwin, Gordian Knot: Apartheid and the Unmaking of the Liberal World Order (New York: Oxford University Press, 2012); Matthew Connelly, A Diplomatic Revolution: Algeria’s Fight for Independence and the Origins of the Post-Cold War Era (New York: Oxford University Press, 2002). Para uma análise global a este processo veja-se Neta Crawford, Argument and Change in World Politics, pp. 291- 342. Sobre o impacto das dinâmicas internacionais na política doméstica das metrópoles veja-se Miles Kahler, Decolonization in Britain and France: The Domestic Consequences of International Relations (New Jersey: Princeton University Press, 1984). 304 Robert Vitalis “The Midnight ride of Kwame Nkrumah and Other Fables of Bandung”, Humanity, Vol. 4, n.º 2 (2013), pp. 261-288.

305 Para um estudo clássico e coevo dos acontecimentos, veja-se Richard Wright, The Color Curtain, A report of the Bandung Conference (Jackson: University Press of Mississipi, 1956).

O próprio conflito bipolar tinha sofrido mutações consideráveis. A morte de Estaline e consequente ascensão de Nikita Khrushchov epitomizou uma mudança substancial da postura e prioridades da União Soviética. Estabilizadas as fronteiras e respectivas esferas de influência na Europa, a teoria da “coexistência pacífica” ganhou cunhagem oficial. As atenções da URSS poderiam, e iriam, canalizar-se cada vez mais tanto para os novos estados independentes como para aqueles que viviam ainda sob dominação imperial, mesmo que esta nova orientação fosse permanentemente exagerada especialmente pelos poderes coloniais.306 A sedução provocada pela sua experiência de industrialização acelerada num país maioritariamente rural, o seu comprometimento precoce e radical com as ideias de auto-determinação (inscritas inclusivamente na sua constituição mas, para todos os efeitos, limitadas pela necessidade de unidade e subordinação dentro das suas fronteiras) e a sua práxis e orientação revolucionária constituíam um poderoso atractivo para o chamado Sul Global.307 No caso dos EUA, o temor soviético obrigou a administração norte-americana, nestes anos, a reequacionar o seu apoio às potências coloniais. Dificilmente se encontrará um momento mais prenhe de simbolismo que a fracassada invasão do Suez pelos exércitos britânicos, franceses e israelita, com o propósito de depor Nasser. A intervenção levou à reacção enérgica dos soviéticos, mas também a um ultimato norte-americano, essencialmente fundado em ameaças de natureza financeira, que fizeram o governo britânico recuar, no que foi secundado pelos seus aliados. Para muitos, a falhada invasão do Suez representa não só a consumação de uma reconfiguração global da distribuição do poder como o canto de finados do imperialismo europeu.308

Por um lado, o temor, real ou imaginado, de uma ocupação do vazio deixado pela saída dos poderes coloniais europeus por agentes subversivos do comunismo internacional constituía um dispositivo retórico com algum alcance dentro da                                                                                                                

306 Veja-se, entre outros, Jeffrey James Byrne, “Africa´s Cold War”, em Robert J. MacMahon, ed., The Cold War in the Third World (Oxford: Oxford University Press, 2013), pp. 101-123; e Ilya V. Gaiduk, Divided Together: the United States and Soviet Union in the United Nations, 1945-1965 (Standford: Standford University Press, 2012).

307 Odd Arne Westad, The Global Cold War: Third World Interventions and the Making of our times (Cambridge: Cambridge University Press, 2006); Roy Allison, The Soviet Union and the Strategy of non-alignment in the Third World (New York: Cambridge University Press, 1988). Para a circulação do modelo de desenvolvimento soviético veja-se, entre outros, Corinna Unger “A Descolonização do Desenvolvimento: Estratégias do Desenvolvimento Indiano a partir de 1947” em Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, orgs., Os Passados do Presente: Internacionalismo, Imperialismo e a Construção do Mundo Contemporâneo (Coimbra: Almedina, 2015), pp. 105-129.

308 William Roger Louis, Ends of British Imperialism: The Scramble for Empire, Suez and Decolonization (London: I. B. Tauris, 2006).

administração norte-americana. Por outro, as potências imperiais europeias continuaram, durante estes anos, a ter como possível a sua presença em África. Só assim se podem entender os esforços de reordenamento jurídico e político das suas possessões no continente, como é ilustrado, por exemplo, pela promulgação da Lei- Quadro de 1956, de Gaston Defferre, no caso francês.309 Da mesma forma pode ser pensado o aprofundamento da integração europeia, desde logo com a aprovação do

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