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Loteamento popular infra-estruturado do “Solo Sagrado”

Com relação à segunda metade da década de oitenta, Bueno (2002, p.72), admite que ocorreu um aprimoramento dos instrumentos legais para o controle da expansão urbana e a intensificação do programa de loteamentos infra-estruturados, como foram os casos do “Cristo Rei” e do “João Paulo II” (precursores do programa e parte do conjunto de projetos do

Programa Cidades de Porte Médio-Nível Nacional). Entretanto, o autor não deixa de apontar o que ele considera como sendo duas contradições ocorridas naquele período. Uma delas seria a eliminação do Conselho de Planejamento, através da Lei 4662/90, “quando todas as evidências [...] indicavam a conivência entre Executivo e Legislativo nessa ação”. Convém citar que a finalidade primordial deste Conselho era a de opinar sobre: as diretrizes do Plano Diretor; as alterações na Lei de Zoneamento; as mudanças no perímetro urbano; a implantação dos grandes equipamentos da iniciativa privada. Este Conselho também tinha como atribuição acompanhar as ações do Executivo referentes à organização e ao controle da expansão do tecido urbano. A outra contradição seria a “ausência de uma lei fundamental para o Programa Habitacional Popular”, já que não houve a regulamentação da política habitacional municipal, buscando o cumprimento de seus objetivos e garantindo a sua continuidade.

Para a SEMPLAN (1992), foram muitas as críticas que “diversos segmentos da sociedade rio-pretense”, envolvidos com a problemática urbana, fizeram a essa intervenção do Poder Público municipal no mercado imobiliário, “com vistas ao atendimento dos interesses da população mais carente”. Admite a Secretaria que foram tomados certos cuidados para que o programa não estimulasse um forte movimento migratório para São José do Rio Preto e, até mesmo, o incremento da especulação imobiliária. Dentre as medidas adotadas, estariam a exigência dos inscritos comprovarem residência na cidade a mais de cinco anos; não possuírem nenhum imóvel; constituírem família; e possuírem renda familiar abaixo de três salários mínimos. Apesar de todas essas exigências, não pode ser evitada uma reação em cadeia em atrair moradores de outros municípios e até mesmo de outros Estados, na expectativa de obterem, nessa cidade, um terreno para construir sua moradia. Dentre outras críticas feitas à política de intervenção do Poder Público na produção de loteamentos, estariam referências sobre a qualidade duvidosa dos projetos urbanísticos em si; a

incapacidade do próprio Poder Público em propiciar a infra-estrutura necessária aos serviços públicos essenciais; e o fato de que o crescimento populacional não fora acompanhado do imprescindível desenvolvimento econômico.

Por todas essas razões que acabamos de expor, as administrações municipais do início dos anos 90 tiveram que efetuar restrições ao programa de lotes, sem deixar de contemplar, com seus respectivos terrenos, os pretendentes já inscritos, mas procurando não abrir novas inscrições. A saída encontrada pelo Poder Público (nos níveis municipal e estadual), em conjunto com a iniciativa privada, tem sido o investimento voltado para a implantação de “Conjuntos Habitacionais”.

Ainda na segunda metade da década de oitenta, de acordo com Bueno (2002, p.82), a área loteada pela iniciativa privada é inferior à da primeira metade da década, sendo vinte os loteamentos privados legalizados. Nesse período 78% dos loteamentos privados concentraram-se nos setores Sul, Sudoeste e Sudeste da cidade. Para o autor, as irregularidades constatadas na primeira metade da década repetiram-se na segunda metade. A quantidade de loteamentos públicos implantados, nesse período, pela Prefeitura Municipal (BUENO, 2002, p.85), foi de sete, perfazendo um total de 10.057 lotes, dos quais 85% localizaram-se na Zona Norte da cidade. Isso significa que o Poder Público municipal urbanizou 66% da área legalmente acrescida nesse período, ficando os restantes 34% por conta da iniciativa privada. Destes, um era distrito industrial e os outros seis eram predominantemente destinados à habitação popular. Na Figura 10, é possível verificar o mapa da expansão do tecido urbano, inclusive com os loteamentos ilegais, ocorrida ao longo da década de oitenta.

Parte dos loteamentos habitacionais continuou com a proposta apresentada no programa de Cidades de Porte Médio, onde se integravam com os destinados às micro e pequenas empresas. O que se pode inferir, com base nesses dados, é que a diminuição da participação privada na expansão do tecido urbano da cidade, e principalmente na Zona Norte, deveu-se a essa expressiva área loteada pela Prefeitura Municipal. Como decorrência, essa zona da cidade vai ficar marcada, na planta urbana, como um setor predominantemente popular, ou seja, a “zona dos pobres”.

Os loteamentos privados ilegais, segundo Bueno (2002, p.87), “ganharam expressividade na expansão” do tecido urbano na segunda metade da década de oitenta. No total foram lançados trinta e um loteamentos, contendo 3.924 lotes. O autor constata que esses loteamentos - agora espalhados por quase todo o território municipal, com os lotes medindo, no geral, 1.000m2 - ocupam uma área superior à dos loteamentos legais de iniciativa privada.

4.3. A nova escalada dos empreendimentos imobiliários de iniciativa privada, coadjuvada pela inércia do Poder Público, nessa função, durante a década de noventa

Nos anos noventa a sociedade rio-pretense vai vivenciar a volta da proliferação de loteamentos e a conseqüente expansão descomedida do tecido urbano, devido à voracidade com que a iniciativa privada retomou os empreendimentos imobiliários. Essa retomada processou-se, em grande parte, devido ao recuo da Prefeitura Municipal quanto às ações diretas voltadas para a implantação dos loteamentos populares e ao desleixo para com as diretrizes e objetivos do Plano Diretor de Desenvolvimento.

Análises feitas pelo urbanista Bueno (2002, p.135), levam à constatação de que “Os dois investimentos públicos de maior vulto ocorridos nos anos noventa, na realidade, já estavam gestados no final da década de oitenta”. Mesmo assim, e por conta da maior participação do

setor privado, foi de 13.395.513m2o total de terras que se tornaram urbanizadas na década de noventa, contra 8.760.879m2, na década de oitenta.

Recorrendo-se aos arquivos da Câmara de Vereadores, é possível constatar que, do total de leis aprovadas na década de noventa, cinqüenta e uma delas têm alguma relevância ao escopo desta dissertação. Num conjunto de três leis aprovadas com o objetivo de promover a organização geral do tecido urbano encontra-se a lei que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento (PDD) de São José do Rio Preto. Trata-se da Lei Complementar Nº 19, que foi aprovada em 23 de dezembro de 1992, data em que ocorreu, conforme descrito, a última sessão da legislatura municipal do período 1989-92. Tanto a referida Lei quanto o Plano serão objetos, no próximo capítulo, de uma descrição mais aprofundada, já que estão diretamente ligados à hipótese deste nosso trabalho.

Além da lei que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento, outras duas foram aprovadas com o objetivo de, também, dar ordenamento ao tecido urbano: a Lei do Sistema Viário Básico do município de São José do Rio Preto, que estabelece as diretrizes básicas desse sistema, inclusive articulando-o com o direcionamento dos futuros loteamentos da cidade; e a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, fixando as áreas públicas mínimas, prevendo condomínios e loteamentos fechados e obrigando os loteadores a caucionar lotes para a garantia da execução das obras de infra-estrutura, com a ressalva de que o parcelamento somente seria permitido desde que fossem “obedecidas as exigências” da “lei e as diretrizes do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento (CPDD)”.

Parece-nos ficar claro que a aprovação do conjunto destas três leis instrumentalizaria, juridicamente, o Governo municipal na tarefa de organizar a mancha urbana da cidade e controlar o seu crescimento, possibilitando, inclusive, a participação de representantes da comunidade para o acompanhamento, sugestões e pareceres em relação à expansão do tecido urbano. Porém, conforme verificaremos no próximo capítulo, não foi desta vez que essas leis

urbanísticas tiveram eficácia. Reforçamos que identificar as razões dessa ineficácia é uma preocupação básica desta dissertação.

Na década de noventa, também foram aprovadas duas outras leis, desta vez, voltadas para o desenvolvimento urbano. Uma delas refere-se à parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada “para a construção de equipamentos sociais, urbanização de áreas verdes e implantação de parques ecológicos [...]”. No seu artigo 6º, a lei estabelece que “Nos loteamentos novos o Prefeito Municipal poderá alienar ou permutar terrenos que constituam bens dominiais do Município com o próprio empreendedor do loteamento, para a construção do(s) equipamentos(s) social(is) ou em troca de urbanização das áreas verdes do loteamento[...]”. Já, em seu artigo 8º, fica estabelecido que “naqueles loteamentos cujo aproveitamento da gleba para lotes for inferior a 55% da área total do sítio a ser loteado [...]” o percentual de 5% de áreas dominiais, contemplados no artigo 5º, da Lei 5.138/92, fica reduzido para 1,8% da área líquida de lotes. A combinação desses dois artigos aplicada a uma simples urbanização de uma praça dentro do loteamento, na análise de Bueno (2002, p.139), “transfere ao empreendedor privado, para transformação em lotes e posterior comercialização, 5% da área bruta da gleba original e que seriam de propriedade pública”. Convém lembrar que a urbanização da praça também vai reforçar as vendas de lotes agora mais valorizados. A outra lei, também voltada para o desenvolvimento urbano, em seu art. 1º, institui “[...] junto à Secretaria Municipal de Planejamento, nos termos dos artigos 71 e 74 da Lei Federal 4.320, de 17 de março de 1964, um Fundo Especial denominado Fundo do Plano Diretor de Desenvolvimento-FPDD [...]”. Segundo Bueno (2002, p.139), “Apesar do interesse que essa Lei poderia representar para a organização e controle da expansão urbana, porque viabilizaria recursos para a ampliação e reforço da infra-estrutura, ela não chegou a ser utilizada”.

Esta referência que acaba de ser feita sobre o FPDD, reforça a nossa hipótese de que o Poder Público constituído em nível municipal não tem maiores interesses pela implementação

dos objetivos e diretrizes do Plano Diretor de Desenvolvimento, ao ignorar os próprios instrumentos criados por Lei municipal, para a viabilizar as suas ações propostas, ficando esquecidos “no papel”.

As demais leis aprovadas na década de noventa, e que têm conotação com os interesses do nosso trabalho, são a leis de autoria do Legislativo, que permitiram a implantação de loteamentos privados, em forma de condomínios fechados, nos quais passou a ser permitida a diminuição no tamanho dos lotes. Já que, na visão do mercado imobiliário, facilita as vendas, valorizando o preço dos lotes; leis de autoria do Executivo, relacionadas a interesses de desapropriações, com a Prefeitura Municipal permitindo o loteamento e os proprietários fazendo as necessárias doações para abertura de vias, recuos especiais de córregos e outras áreas públicas; leis que regularizavam o desdobro dos lotes; leis relacionadas aos loteamentos públicos populares, tratando, principalmente, de questões burocráticas de fechamento administrativo dos loteamentos anteriores, o que, possivelmente, terá contribuído para a expansão irregular da cidade, já que havia uma demanda reprimida por moradia, da parte da população que aufere renda menor.

Uma verificação um pouco mais aprofundada desse conjunto de leis, que têm reflexos diretos na intervenção do Poder Público municipal no território rio-pretense, nos aponta que há desarmonia entre as próprias leis, o que denuncia a falta de um fio condutor para as ações do Poder Legislativo municipal; o poder de persuasão que os grupos empresariais, especialmente os que atuam de forma corporativa nos negócios imobiliários, exercem sobre o Legislativo e o Executivo, na aprovação e gestão das leis; a ausência de uma filosofia de trabalho que fundamente as ações do Poder Executivo, que, por sua vez recorre à improvisação, o que invariavelmente contribui para a existência de irregularidades no funcionamento e na estrutura do organismo urbano.

No transcurso desta descrição, sobre o crescimento e a organização do tecido urbano, foi possível verificar uma tendência à segregação urbana, que, em princípio apenas se esboçava, mas que, no decorrer das décadas, incrementou-se. Destarte essa segregação praticamente consolidou-se, na década de noventa, com o lançamento de grande quantidade de loteamentos de diversos padrões de qualidade. Assim é que, na Zona Norte, proliferaram-se os loteamentos populares e nas zonas Sudoeste e Leste concentraram-se os condomínios fechados e destinados às classes mais aquinhoadas. Também é possível verificar que, no final desta década, as famílias de classe média baixa, igualmente, passaram a ter acesso aos condomínios fechados. Estes, evidentemente, têm menor ostentação e estão situados em loteamentos com grande probabilidade de serem ilegais, portanto sem a infra-estrutura necessária.

No que se refere aos loteamentos ilegais, chegou-se à década de noventa com as zonas Oeste e Sudoeste da cidade mantendo-se praticamente imunes à sua proliferação dos mesmos. Essas duas zonas sempre foram naturalmente atrativas à locação dos condomínios fechados, portanto, de melhor padrão e destinados à elite. Outras razões para esse fato podem estar ligadas às presenças, nessas duas zonas: do Clube de Campo Palestra e da Fazenda do Estado; do Aeroporto Estadual “Prof. Eribelto Manoel Reino” (Foto 36), inaugurado oficialmente em 19/03/1959, com área de 21ha, distando do centro da cidade cerca de 4 km; do Instituto Penal Agrícola-IPA (Foto 37), de controle estadual, com uma área de 919,2ha, distante da Zona Central cerca de 5 km; e dos trilhos da atual Ferroban (Foto 38), que atravessam o centro da cidade. Essas denominadas “barreiras institucionais”, além de terem dificultado a proliferação dos loteamentos ilegais, também se constituíram em verdadeiros obstáculos ao pleno desenvolvimento urbano da cidade. Já na Figura 11 podemos verificar o mapa da expansão do tecido urbano ocorrida no período de 1980 a 2000, o qual nos permite constatar o progressivo agravamento do quadro da expansão periférica ilegal.