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“Em todo o mundo... minorias étnicas continuam a ser desproporcionalmente pobres, desproporcionalmente afetadas pelo desemprego e desproporcionalmente menos escolarizadas que os grupos dominantes. Estão sub-representadas nas estruturas políticas e super- representadas nas prisões. Têm menos acesso a serviços de saúde de qualidade e conseqüentemente, menor expectativa de vida. Estas, e outras formas de injustiça racial, são a cruel realidade do nosso tempo... mas não precisam ser inevitáveis no nosso futuro.” (Kofi Annan, março de 2001)

Falar em desigualdade sócio-racial no Brasil, já tendo em vista evitar a contra-argumentação conciliadora que ainda faz uso da ideologia da democracia racial17 — base “sólida” que permeia o imaginário social desde o início da formação de nossa sociedade —, faz necessário explicitar alguns dados que caracterizem esta desigualdade, quantificando-a e qualificando-a, de modo a possibilitar ao leitor um melhor entendimento quanto ao lugar social destinado ao negro na sociedade.

Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que dos brasileiros abaixo da linha de pobreza18, 22% da população, 70% são negros. Estes dados somam-se aos dados apresentados pela ONU, segundo os quais se considerarmos o IDH19 dos brancos o país alcançaria a 46º posição dentre os países com melhor desempenho, já se adotarmos o IDH dos negros o país cairia para 105º. Podemos falar de dois países distintos: um, branco, com qualidade de vida próxima aos dos países “desenvolvidos”; outro, negro, com qualidade de vida comparada aos países mais pobres do continente africano.

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A ideologia da democracia racial,como vimos no capitulo um, sinteticamente falando, fundamenta- se sobre a perspectiva da inexistência de preconceito racial no país. Em sua essência tenta estabelecer uma explicação para a situação de desigualdade entre negros e brancos devido ao passado recente de escravidão e conseqüente pobreza dos negros.

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A linha de pobreza estabelece como patamar de corte a renda per capita mensal de R$ 75,50, em valores do ano 2000 (Fonte IPEA).

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O Índice de Desenvolvimento Humano é um indicador sintético que varia de 0 a 1. Para fins analíticos, toma-se três parâmetros numéricos para análise: até 0,499, de 0,500 a 0,799 e acima de 0,800; respectivamente, classificados como de baixo desenvolvimento, médio e alto. O cálculo do IDH é composto pela análise dos indicadores de longevidade, educação e renda.

Assim, propomos para este capítulo a construção do quadro geral desse distanciamento social, para o qual adotaremos como parâmetro comparativo o desempenho ou grau de desenvolvimento social dos grupos populacionais negros e brancos.

Sob essa explicitação do universo passaremos a estruturação de dados estatísticos sobre educação, saúde, mortalidade infantil, taxa de fertilidade, expectativa de vida, trabalho, renda, violência, entre outros. Concomitantemente, trabalharemos com a construção estatística da população brasileira sobre os aspectos referentes a sua composição racial20 e distribuição no território, sem deixar de incluir a análise sobre as variantes de gênero e idade.

Para efeito das análises estatísticas adotaremos a tese onde o conceito do termo “negro” é utilizado como denominador comum das populações pretas e pardas21, como tem defendido os movimentos que lutam pela inclusão social da população negra e pela sua auto-afirmação. Reconstruindo, para isto, a forma de desagregação por cor adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esta opção de abordagem visa combater o senso comum no tocante à distinção entre pretos e pardos (diferenciação esta construída ainda no período colonial e cujo papel social foi desfragmentar qualquer possibilidade de união dentro do grupo afrodescendente). Como hipótese de pesquisa, entendemos que ambos os grupos (pretos e pardos) se encontram em uma mesma situação de desvantagem, de distanciamento social, em relação ao grupamento branco. Este hipótese será verificada com a análise dos indicadores a partir da adoção de cortes específicos que nos revelem esse universo mascarado pela adoção de “taxas brutas para a população como um todo” (BELTRÃO, 2000: 1).

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O termo raça esta sendo usado no sentido de sua significação social, longe de querer significar diferenciações biológicas em nível da capacidade intelectual das populações negras e brancas (o que justificaria a posição social inferior do negro, determinismo biológico já derrubado pelas ciências biológicas), quer estabelecer uma diferenciação em nível dos caracteres fenotípicos (cor, traços fisionômicos,etc), que, como vemos nos capítulos posteriores, é fruto de uma construção sócio- cultural. Esta diferenciação social baseada em termos da aparência desempenha importante papel nas disputas pelo campo econômico.

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Embora vários pesquisadores apresentem relutância em adotar os padrões estabelecidos pelo IBGE sob a argumentação de que a agregação adotada não corresponde à apreensão da cor pelo brasileiro, entendemos que o foco chave para a abordagem da questão racial não se encontra, per si, na reconstrução do indicador cor através da adoção dos termos “utilizados” pela população. É muito mais revelador esmiuçar as construções sociais que impossibilitam aos afrodescendentes se autoclassificarem pela cor ou características que os aproximem do grupo preto, revelando assim as atitudes conscientes e inconscientes de suas preterições na classificação da cor.

É notório que ao adotarmos o direcionamento defendido pelas entidades que lutam pelo direito do negro fazemos uma opção ideológica frentes às inúmeras possibilidades de abordagem da questão da identidade de cor do brasileiro. Assumir este posicionamento requer construir um entendimento a respeito da identidade de cor e das externalidades que possam vir a compor com esta. Mais que isto, requer o reconhecimento da construção ideológica que serve de pano de fundo para a multiplicidade de cores que permeia a noção de cor do brasileiro — um infinito degrade que tem como pólo oposto à cor branca, a preta —. Empreitada que passaremos a desenvolver agora.