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CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 Luiz Antônio Marcuschi

O linguista e professor da Universidade Federal de Pernambuco Luiz Antônio Marcuschi desenvolve a ideia de que a língua é uma atividade sociointerativa, histórica e cognitiva e não apenas um sistema de regras ou simples instrumento de informação. A partir dessa ideia, o autor demonstra sua preocupação com o fato de, hoje, termos mais conhecimento sobre a oralidade e a escrita do que há algumas décadas, porém tal conhecimento não foi satisfatoriamente divulgado na educação como um todo. Por isso, Marcuschi (2001) tem como objetivo concretizar a divulgação dos conhecimentos sobre as relações entre fala e escrita e a aplicação dos mesmos, já que nem todos foram traduzidos para a prática. Dessa forma, busca- se contribuir para um melhor conhecimento sobre os usos da língua.

Marcuschi (2001) defende a posição de que não é possível tratar as relações entre oralidade e letramento ou entre fala e escrita de maneira dicotômica e estanque. Propõe, ainda, que essas relações sejam observadas dentro de um contexto mais amplo no que se refere às práticas comunicativas e aos gêneros textuais.

Uma vez concebidas dentro de um quadro de inter-relações, sobreposições, gradações e mesclas, as relações entre fala e escrita recebem um tratamento mais adequado, permitindo aos usuários da língua maior conforto em suas atividades discursivas (MARCUSCHI, 2001, p. 9).

O autor defende a impossibilidade de investigar oralidade e letramento sem referir-se ao papel dessas duas práticas na civilização contemporânea, da mesma forma que já não se pode observar as semelhanças entre fala e escrita sem considerar a distribuição de seus usos no cotidiano. O que não era tratado dessa forma há três décadas, quando a relação entre oralidade e letramento era considerada dicotômica. Atribuía-se à escrita valores cognitivos intrínsecos no uso

da língua e se excluía dela o valor das práticas sociais. Hoje, porém, se reconhece uma relação interativa entre oralidade e letramento, inserindo essas duas práticas complementares no universo sociocultural.

Sendo assim, centrar o tratamento das relações entre a fala e a escrita exclusivamente no código torna-se uma tarefa difícil, se não impossível, conforme afirma Marcuschi (2001, p. 15): “Mais do que uma simples mudança de perspectiva, isto representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais”.

Segundo esse autor, o letramento como forma de apropriação e uso da escrita pode ser entendido como alfabetização, ou letramento individual. Marcuschi (2001) defende que, pertencendo a uma sociedade em que a escrita assume o papel de manifestação formal dos diferentes tipos de letramento existentes, essa escrita passa a ter uma responsabilidade maior do que simples ferramenta tecnológica. A escrita é um bem social de extrema importância para o enfrentamento do dia a dia, tanto nas zonas urbanas quanto nas rurais. Por isso, pela forma como penetrou as sociedades modernas e passou a fazer parte da cultura de modo geral, destaca que a escrita tornou-se indispensável, chegando ao nível mais alto da civilização como símbolo de educação, desenvolvimento e poder. Ele considera, contudo, que, sob o ponto de vista da realidade humana, é mais apropriado definir o homem como ser que fala, não como ser que escreve. Essa constatação, no entanto, não torna a oralidade superior à escrita; tampouco significa que a escrita é derivação da fala. Oralidade e escrita são consideradas por ele práticas e usos da língua, não suficientemente opostas ou dicotômicas para serem consideradas dois sistemas linguísticos diferentes.

aprendizagem da fala e da escrita no contexto social brasileiro:

A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida naturalmente em contextos informais do dia a dia e nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde o momento em que a mãe dá seu primeiro sorriso ao bebê. Mais do que a decorrência de uma disposição biogenética, o aprendizado e o uso de uma língua natural é uma forma de inserção cultural e de socialização. Por outro lado, a escrita (enquanto manifestação formal do letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na escola. Daí também o fato de uma certa identificação entre alfabetização e escolarização, o que não passa de um equívoco (cf. Graff, 1995 e Fago, 1993), pois houve situações históricas, tal como o caso da Suécia, em que a alfabetização se deu desvinculada da escola (MARCUSCHI, 2001, p. 18 –19).

Marcuschi propõe, ainda, uma distinção entre dimensões de relações no tratamento da língua falada e da língua escrita: oralidade e letramento, tratados como práticas sociais, e fala e escrita, recebendo o conceito de modalidades de uso da língua.

A oralidade caracteriza-se como uma prática social interativa para fins comunicativos que pode aparecer sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma utilização informal à mais formal, em diferentes contextos de uso.

O letramento engloba diferentes práticas de escritas nas diversas formas em que aparece na sociedade. Pode receber uma apropriação mínima de um indivíduo caracterizado como analfabeto funcional, ou receber uma apropriação profunda, como de indivíduos acadêmicos.

A fala se apresenta como forma de produção textual-discursiva para se estabelecer comunicação na modalidade oral. Situa-se no plano da oralidade, sem necessidade de aparatos tecnológicos além da oferecida pela estrutura humana.

A escrita, por sua vez, seria uma forma de produção textual-discursiva, com objetivo de comunicação, porém com certas especificidades materiais, e tem como

característica fundamental sua constituição gráfica, embora envolva também recursos pictóricos e outros.

Para ampliar essa caracterização, o autor relaciona à fala todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade oral, assim como relaciona à escrita todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade escrita. Deste modo, fala e escrita são compreendidos e passam a ser usados para designar formas e atividades comunicativas, deixando de estar limitadas ao nível do código. São tratados como processos e eventos e não como produtos.

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