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3.2 Breve contexto histórico dos bandolinistas

3.2.2 Luperce Miranda

Luperce Miranda, recifense nascido em 1904, contemporâneo de Jacob, teve também enorme representatividade no cenário musical brasileiro. Seu estilo divergia muito do de Jacob. Eles tiravam sons diferentes de seus instrumentos e o interpretavam de maneiras bem distintas e peculiares, o que os tornava músicos muito autênticos. Luperce, um dos precursores da utilização do bandolim como instrumento solista, foi um dos que criou e desenvolveu a linguagem e a técnica brasileiras do instrumento. Ele tem composições e interpretações que carregam uma extrema dificuldade de execução e é até hoje reconhecido por seu virtuosismo. Tirava um som com muita projeção do seu bandolim, devido a algumas questões: primeiro, sua vivência nos teatros, saraus e rodas de música nas ruas de Recife, onde tinha que tocar fortíssimo para que escutassem o som deu seu instrumento; segundo, por sua vivência nos programas ao vivo de rádio, onde existia apenas um microfone para captar todo o grupo, já na época em que morou no Rio de Janeiro. “Foi um dos mais originais instrumentistas da MPB, um dos maiores talentos musicais da nossa rica raça mestiça brasileiro. Bandolinista, apenas. Do tempo em que a música era acústica e bandolim era bandolim, igual para todo mundo, sem amplificação, sem madeira especial, sem medidas diferentes para obter sonoridade maior. A técnica vinha da sincronia perfeita entro dedos e cérebro. A capacidade de emocionar a plateia vinha do talento e do coração. Semi-alfabetizado, umbandista, sem jamais ter conhecido teoria musical, conseguia ser, na opinião unânime dos entendidos, o maior virtuose do instrumento a que se dedicara, para o qual compusera peças de dificuldade técnica insuperada e do mais alto valor estético” (BARBOZA, 2004, p. 15).

Segundo Sá (1999, p. 142), o bandolinista foi para o “Rio de Janeiro com 24 anos de idade e juntou-se a um grupo de chorões onde figuravam também Pixinguinha e João Pernambuco. Luperce aos 15 anos de idade já havia conhecido Pixinguinha em Recife, quando o músico por lá passava. Impressionado com a desenvoltura de Luperce no bandolim e no cavaquinho, Pixinguinha quis levá-lo com o grupo Os oito Batutas para a Europa, mas seu pai não deixou porque o achava ainda muito jovem”.

Depois de Jacob, Luperce era o bandolinista com composições mais expressivas para o choro da época. Os dois gênios não se entendiam muito bem, devido a algumas histórias que aconteceram entre elas, resultando na existência de certa rivalidade, mas a admiração musical entre os dois era recíproca. Barboza (2004, p. 158), fala que “a par dos passíveis desentendimentos apontados no plano pessoal, os dois depoentes emitiram reciprocamente os maiores elogios um ao outro”, depois de relatar depoimentos dos dois ao Museu da Imagem do Som, em que existe tom de desentendimento entre eles.

A primeira composição de Luperce foi um frevo, composto em 19198. Essa proximidade como esse gênero musical pernambucano riquíssimo com certeza o ajudou a desenvolver seus lados técnico e criativo.

Hamilton de Holanda, na abertura do livro Luperce Miranda, o Paganini do Bandolim (BARBOZA, 2004, pp. 10 e 11), diz: “o bandolim, como alguns outros instrumentos, chegou ao Brasil pelas mãos dos europeus. E aqui se transformou em um dos mais importantes e originais de nossa tão rica música. Original porque aqui se criou um jeito de tocar único e admirado em todo o mundo. Nossa escola é completa, seja pelo repertório, seja pela técnica, seja pela obra. E é aí que entra o mágico Luperce Miranda. Foi dos primeiros a colocar o bandolim em uma posição de solista de destaque no regional brasileiro. Deixou uma bela obra,

entre discos, interpretações e composições. E o principal: contribuiu de forma definitiva para a

formação de uma técnica sólida e virtuosística”.

Instrumentista que buscou novas técnicas e elementos para o bandolim, Luperce trouxe para o bandolim brasileiro a técnica de sustentação de uma melodia que acontece na região aguda, com a utilização do trêmolo, enquanto se toca outra voz na parte grave do instrumento; técnica apresentada no clássico de sua autoria Quando me Lembro. Luperce valorizava a velocidade, característica muitas vezes encontradas na música popular de Recife e na escola do bandolim italiano, e a dificuldade de execução no instrumento. Apesar de ser conhecido principalmente pelo seu virtuosismo, ele tinha belas composições, como a própria Quando me

Lembro (que apesar de muito difícil, é uma das músicas para bandolim mais bonitas) e Alma e Coração, música também citada por Hamilton na introdução do livro Luperce, o Paganini do Bandolim (BARBOZA, 2004, p. 11), junto com outras composições e interpretações, que

enaltecem seu lado sensível ao tocar o instrumento.

8 Dado disponível no dicionário da música popular brasileira http://dicionariompb.com.br/luperce- miranda/biografia).

Com a união desses fatores, o pernambucano tornou-se referência de estudo para diversos bandolinistas brasileiros, do século passado e deste. Grandes instrumentistas, como Pedro Amorim e Dudu Maia, gravaram álbuns com músicas só de Luperce Miranda, que faleceu no Rio de Janeiro em 1977. Moura (2011) afirma:

“As composições de Luperce focam gêneros musicais nordestinos em uma forma “cabocla” de tocar emboladas, frevos, marcha pernambucana e o Choro com um sotaque musical nordestino. Seu trabalho musical teve início no período das primeiras gravações no Brasil, destacando-se em habilidades técnicas e sendo um fixador da presença do bandolim como acompanhante e solista na música popular brasileira” (p. 16).

Moura (2011) fala também sobre a importância de Jacob e Luperce para as gravações em geral e para o rádio no Brasil, que difundiu a música brasileira para o país e para o mundo:

“Dentre os bandolinistas que mais gravaram e participaram de programas de rádio, dois se destacaram: o pernambucano Luperce Miranda (1904–1977) e o carioca Jacob do Bandolim (1918–1969). Os dois bandolinistas possuíam características diversas na forma de tocar e ambas foram consideradas relevantes por suas particularidades e influências musicais” (p. 18).

Na biografia de Luperce, Barboza (2004) explica que o bandolinista viveu dezenove anos no Rio de Janeiro e fala sobre suas participações na rádio e em gravações. Moura (2011, p. 89), diz que ele “deixou mais de 500 composições e participou como acompanhador de cerca de 700 gravações. Suas composições, na maioria foram escritas para bandolim e constituíram- se estudos, sendo alguns de dificuldade técnica em sua execução”.

Em uma comparação com o bandolinista Jacob do Bandolim, Côrtes (2006, p. 30) diz que o fator que caracterizou Luperce foi “a técnica – Luperce se aperfeiçoou nesse sentido, enfatizando em suas execuções aspectos que pusessem em evidência sua desenvoltura, como a velocidade, por exemplo, no entanto, sua sonoridade nas gravações não era tão bem acabada”. Um excelente registro do próprio artista discorrendo sobre improviso pode ser visto em entrevista cedida à TV Bandeirantes9, em 1977, quando Luperce Miranda comentou sobre os grandes artistas que acompanhou, como Carmem Miranda, Francisco Alves, Orlando Silva e Noel Rosa, e sobre o conjunto que teve com Pixinguinha. Ele disse à entrevistadora, sobre sua relação com Pixinguinha e outros músicos da época (Copinha, Benedito Lacerda): “não havia rivalidade (...) absolutamente, nós combinávamos muito.” A repórter então pergunta: “tinha

uma hora que vocês se encontravam e improvisavam, tocavam juntos?”. Luperce responde: “ah, tinha. Festinha de amigos, uma coisa ou outra. O improviso saía assim, de repente.” Essa vivência com Pixinguinha e os grandes da época com certeza ajudaram a construir a identidade musical de Luperce Miranda.

Sá (1999), fala sobre Luperce e Jacob como os maiores bandolinistas da história naquela época e cita suas particularidades: “Luperce e Jacob constituem, portanto, as duas maiores colunas onde se apoiam os bandolinistas atuais no Brasil. (...) Luperce recebeu influências em Recife muito diferentes daquelas recebidas por Jacob no Rio de Janeiro” (p. 148). Concordo com o autor e acredito que hoje, 20 anos depois, com influências recebidas em Brasília diferentes das recebidas por Luperce e Jacob, Hamilton de Holanda já se estabelece com o terceiro pilar mais importante para a história do bandolim brasileiro, ao lado dos dois.

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