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Luto e desafios do mundo adulto

4. Resultados e Discussão: O adolescente como autor

4.1. Alexandre Magno

4.2.6. Luto e desafios do mundo adulto

Rosa narra neste post a sua despedida da infância e as lembranças que pretende levar dessa época: “Andando pelo quarto”

“De início parece meio normal. Uma porta, quatro paredes, armário, cama, pc. Isso eu poderia chamar de quarto. Olhando das preteleiras, uma criança . Me olha com olhos curiosos, para saber o que vou fazer; com olhos de birra, ao ver que eu abri mão de coisas que ela não quer deixar partir; com olhos risonhos, ao descobrir o que eu lhe guardo para um dia, lá no futuro. Eu tenho a foto nas mãos, mas a conversa é dentro de mim, entre dois pulmões, numa salinha apertada chamada coração. Essa criança turrona exige. Ela viaja por caminhos incertos, sonhos, devaneios, aspirações e inspirações, numa vida de menina, brincando de casinha, brincando de viver. E eu, menina-moça? Mais moça do que menina, desengonçada do

alto dos meus 1,73m, dando passos suaves apesar dos pés grandes, das unhas pintadas e olhar assustado. Ainda assim uma menina-moça turrona. Estaria eu ainda brincando? No meio do quarto você surgiu, retirando qualquer dúvida que pudesse existir. Uma lanterna pifando, mas com a intensidade do sol. Quando me ilumina, eu fico feliz. Eu não exijo mais nada, sou a plantinha que só precisa do sol. Pensando bem, não há problema algum com a lanterna, mas é que às vezes a luz é tão forte que eu fecho os olhos sem perceber. Está tudo tão seco, mas eu me lembro que chovia (não chovia?). O espelho está molhado, prova concreta de que choveu, mas passou. Quando o sol iluminar tudo, ele há de secar. Em cima da mesa livros, cds, telefone, agenda, pedaços de uma concha vazia, que de abrigo um dia amanheceu prisão (Isso vc também quebrou). O lugar onde tudo isso acontece só pode ter um nome: refúgio. beijos, Rosinha (na verdade ela é a Rosa).”

Rosa vai se despedindo de sua morada da infância, aquela velha conhecida na qual habitou durante tanto tempo. Esta é a principal operação do adolescer: como nos contos de fada, é o sair para a floresta, o inventar o futuro, o criar um novo caminho. Rosa despede-se de um corpo e de uma identidade infantis, ainda temerosa se percebe mais moça do que menina. Sente-se ainda perdida, desajeitada com seu crescimento. Sua mente, em diversos momentos, parece ser invadida por uma quantidade de estímulos que não consegue processar. Percebe ter uma mente, semelhante a uma lanterna pifando que não consegue decifrar tudo que chega a ela, mas também percebe o excesso de estímulos que chega, sob uma luz que é intensa demais. Rosa conhece o perigo de uma luz forte e se defende, fecha os olhos e por um tempo se refugia.

Rosa habita um corpo que desconhece, um corpo estranho, que exige uma reapropriação da imagem de si mesma, diferente do idealizado e que será preciso

reaprender a amá-lo. O refúgio, relatado por ela, é vivido por muitos outros adolescentes e que, segundo Levy (1996), trata-se de um espaço mental protetor ao qual é possível recorrer sempre que necessitar.

Rosa conversa com a Rosa-criança, volta-se para o seu mundo interno, liga-se ao seu passado, sabe que alguns sonhos da Rosinha terão que ficar para trás, mas também sabe que a menina turrona sempre fará parte dela. É, hoje, uma menina-moça turrona. Conforme dito anteriormente, por Aberastury e Knobel (1981) “só quando o adolescente é capaz de aceitar simultaneamente os dois aspectos o de criança e o de adulto, pode começar a aceitar de maneira flutuante as mudanças do seu corpo, e começa a surgir sua nova identidade” (Aberastury e Knobel, 1981, p. 66).

Rosa, quando entra em seu quarto, olha ao seu redor, pega uma fotografia e inicia uma conversa consigo mesma nos lembra Urribarri (2004) que aborda a importância do adolescente fazer uma revisão crítica e uma reorganização de sua história pessoal, porque isso significa uma passagem de ator passivo de uma história contada, a partir da ótica dos pais, para de ator e autor de sua própria história. Agora, ele pode escrever baseado em suas lembranças, emoções, representações, ressignificando e reestruturando tanto suas vivências quanto as informações que lhe foram transmitidas.

Rosa escreve em uma de suas primeiras postagens “um dos meus devaneios era ir sozinha até uma dessas colinas e ficar ali com o vento e o mato – tenho certeza de que a sensação é melhor imaginando aqui no carro do que estando lá, cheia de carrapichos – Um dia eu tiro a aventura do papel e vou lá conferir.” Rosa olha o mundo de fora, acha-o atraente e demonstra o desejo de arriscar-se a ir até ele, saindo do conforto e proteção dos pais. Inicialmente, pensa ser uma aventura tranquila, mas descobre que o

mundo também tem seus perigos e recua, não parecendo, ainda, ter os recursos suficientes, e adia um pouco essa aventura.

A sensação de Rosa de um desafio para o mundo adulto pode ser vista em outro momento de sua escrita, mas aqui com outro final. De uma forma um tanto dramática, ela conta: “Gente estou de luto. Hoje, minha fiel escundeira, minha caneta-preta-mais- amada-do-mundo gastou sua última gota de tinta. Não menosprezem minha dor, muitas vezes pretinha era a minha única companheira, na hora da inspiração, da dor, ou quando eu queria rabiscar. E a caneta fez muitos rabiscos. Já imaginaram o que seria de Shakespeare sem a sua pena? E olha que aquele ali era um gênio, aquela pena era uma sortuda porque ele fazia o trabalho todo. Imaginem eu agora, que nem poeta sou, sem a minha ajudante, que sempre me dava um tapinha nas costas da mão passando confiança. (...) Calma, não pare de acompanhar o blog. Prometo escrever bons posts mesmo sem a minha preta guerreria. Mesmo que seja com uma bic- biscate.” Rosa vê-se desprovida de um objeto significativo para ela, que associo aqui com a figura idealizada de seus pais. Inicialmente sente-se sem recursos, mas aos poucos vai sentindo que pode encontrar um potencial dentro dela, com suas próprias capacidades. Valoriza o que pensa. Terá que buscar novas companhias, os pais não serão seus provedores eternos. Não se percebe tão potente, mas não recua. Anuncia seu luto, mas percebe em seu ego capacidades de continuar. Não é a caneta que fazia o trabalho e sim ela. A força que inicialmente estava no outro, aos poucos vai sendo apropriada por ela. Dessa forma, ela introjeta esta capacidade e acredita que pode escrever de outras maneiras.

Em várias narrações, Rosa nos conta sobre a dura passagem da infância para a adolescência. O adolescente se modifica lentamente, atravessando um processo de

elaboração de luto que demanda tempo afim de que as novas vivências sejam verdadeiramente ressignificadas. Para Aberastury e Knobel (1981), a elaboração do luto conduz à aceitação do papel que a puberdade lhe destina.

Com o título “Viver a vida” Rosa escreve (...) “Quantas vezes eu afirmava a mim mesma que pertencia a uma outra época, que eu era uma menina fugida de algum livro de Jane Austen ....Como eu estava sendo boba, ignorando a minha própria vida” Rosa reconhece e nos mostra o quanto relutou em deixar a infância. Ela continua: (...) “Na verdade a realidade se impõe. (...) é claro que eu não parei de ler, ver filmes ou apreciar uma boa história. Mas agora eu vejo tudo com outros olhos, com outro propósito. Agora eu sei que minha vida é bela.” Além de uma realidade que se impõe, Rosa pode pensar mais, nesse momento, nos ganhos da vida adulta. Demonstra ter encontrado um lugar psíquico onde pode continuar a realizar suas experiências e descobrir o novo.