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Mário Ruivo: um homem nas graças do mar

Ricardo Serrão Santos

antes de mais quero saudar a universidade do algarve, na pessoa do seu Magnífico reitor Prof. antónio Branco.

saúdo também todos os participantes nesta sessão.

Queria ainda deixar um cumprimento especial à Prof. Maria eduarda Gonçalves.

Por estar a decorrer sessão plenária do Parlamento europeu em es- trasburgo, é me impossível estar aí presente nesta sessão.

agradeço, à Prof. Maria João Bebianno ter, desde o primeiro mo- mento, mantido comunicação comigo sobre a realização desta sessão de homenagem ao grande amigo e mentor, Prof. Mário ruivo, e de ter mostrado disponibilidade para receber o meu depoimento, ainda que gravado.

T

enho muita pena de não estar aí convosco e de em virtude disso não poder partilhar ao vivo, e entre amigos, a alegria da memória e do legado deste homem que marcou de forma ir- refutável e única as ciências e as políticas dos oceanos. não só em Portugal mas no mundo.

Mário ruivo é uma daquelas personalidades que aparecem na história de forma escassa.

uma dessas raras personalidades que aliam um intenso, profundo e informado interesse pelas questões do mundo, a uma militância po- lítica corajosa e desassombrada. um optimista que não vergava e mantinha sempre a esperança a flutuar mesmo quando as coisas não corriam de feição.

[Como ele dizia: “manter as jangadas a flutuar em porto seguro e esperar para nos fazermos ao largo”], atitude demonstrativa de uma capacidade de motivação e comunicação únicas e de uma paixão pelo

oceano e pelo conhecimento científico, juntas num homem de gran- des compromissos e amizades enraizadas e complexas.

Conheci o Mário ruivo no final dos anos 80, início dos anos 90. a partir daí acompanhei o homem que tinha atrás de si uma longa e rica história. fora um pioneiro em muitos aspectos. Mergulhou no célebre Batíscafo na campanha luso-francesa de investigação em mar profundo – em que participou em parceria com a Marinha portu- guesa - com imersões ao largo do Cabo da roca e de sesimbra e tam- bém nas zonas centro e sul da costa portuguesa.

foi pioneiro na reflexão relativa à sustentabilidade dos recursos pes- queiros, tendo estado dedicado como biólogo, ao estudo do bacalhau na zona a que actualmente chamamos nafo e, de forma mais holística nos estudos sobre recursos halieuticos ao serviço da fao em roma.

aí conheceu e privou com os melhores entre os melhores, como sejam sir sidney Holt e Brian rothschild. refiro apenas estes dois para partilhar dois episódios ilustrativos da personalidade do Prof. Mário ruivo.

Quando Mário ruivo recebeu o Grau de doutor Honoris Causa pela universidade dos açores, Brian rothschild fez questão de estar presente e veio aos açores para o acompanhar, como amigo, nessa consagração.

em 2015 sir sidney Holt esteve no Parlamento europeu no âm- bito de uma audição sobre gestão de pescas. nessa ocasião, ao saber que eu conhecia e era amigo de Mário ruivo quis aproveitar a ocasião para rever, através de conversa telefónica o seu bom e velho amigo, como disse. os dois estiveram em “amena cavaqueira” recordando tempos idos e actualizando-se sobre os caminhos que entretanto cada um percorria.

Mário ruivo, um homem do interior que abraçou as graças do mar, diz que escolheu dedicar a vida aos mares e oceanos pela “cu- riosidade face a este meio simultaneamente misterioso e algo inatin- gível” - mas também pela percepção de que a pesca era na altura, uma das mais importantes componentes da economia nacional e que o seu desenvolvimento depende de um melhor conhecimento científico.

não deixou o assunto por mãos alheias e meteu mãos à obra. são conhecidas as suas viagens, como biólogo, nos velhos baca-

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lhoeiros, nos mares da Terra nova e da Gronelândia, no estudo do nosso “fiel amigo”, o bacalhau.

Talvez menos falado, porque Mário ruivo não era homem de gabar-se de prémios e reconhecimentos. no ido ano de 1951 foi-lhe atribuído o prémio d. Carlos I, pela fundação da Casa de Bragança – imagine-se! – pelos estudos que fez sobre biologia da sardinha, depois de ter trabalhado dois anos, apesar de ser persona non grata ao regime, na estação de Biologia Marítima. a sardinha! esse outro fiel amigo em estranhas dificuldades de sustentabilidade nos tempos que correm.

Já no pós 25 de abril teve grande influência na criação e instala- ção do “Instituto nacional de Investigação das Pescas” e da entrega a Portugal, por parte da noruega, do navio de investigação “noruega”, que ainda por aí navega…

este navio resulta das grandes relações de reconhecimento e ami- zade, do persistente diálogo e da eterna procura de soluções de con- vergência, interesse mútuo e cooperação internacional que antes e após o 25 de abril cultivou em nome da agenda do conhecimento e da governação internacional dos oceanos.

diga-se que logo no I Governo da república, Mário ruivo foi en- carregado pelo Ministério da Coordenação económica, da reestrutu- ração do sistema nacional de investigação de Mar.

foi representante de Portugal na Comissão oceanográfica Inter- governamental (CoI) - e seu vice-secretário.

ainda hoje, todos ali se recordam, do seu enorme contributo. lembro-me de, já nos anos 2000, ter participado numa reunião da as- sembleia Geral da CoI em Paris e ver delegados de países “maiores”, por assim dizer, entre os quais eua, frança e reino unido, virem à sua mesa para negociarem emendas. facto revelador da influência que exercia e do respeito que outras delegações tinham pela sua opinião.

Mário ruivo teve um papel fundamental na criação e consolida- ção do sistema de investigação em Ciências do Mar em Portugal, tendo sido durante vários anos coordenador das avaliações dos cen- tros, contribuindo para a sua revitalização e modernização.

no final dos anos 90, e após um “debate” no seio de um alargado grupo trabalho de cientistas portugueses e estrangeiros, que coorde- nou ao longo de vários meses, criou oPrograma Dinamizador das

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Ciências e Tecnologias do Mar, o qual, quanto a mim, constitui hoje, ainda, um marco maior do financiamento em ciências e tecnologias do mar em Portugal.

Corria então o ano de 1998, um ano marco na reflexão sobre os oceanos em que se celebrou o ano Internacional dos oceanos e a cor- respondente eXPo’ 98, ambos impulsionados por Mário ruivo. assim como foi a Comissão Mundial Independente dos oceanos, pre- sidida pelo seu grande amigo e parceiro de luta Mário soares e por si coordenada.

Por detrás da PdCTM esteve a criação Comissão oceanográfica Intersectorial, a que Mário ruivo presidiu na dependência da funda- ção para a Ciência e Tecnologia.

o PdCTM estabeleceu cerca de 4 prioridades para uma primeira fase de implementação, que todos conhecem pelo que seria fastidioso aqui enunciar.

Infelizmente, e a despeito da vontade de Mário ruivo, ficou por fazer a segunda fase que seria dedicada ao “desenvolvimento de ser- viços operacionais de gestão e difusão de informação em Ciências do Mar e dados oceanográficos”.

Mas se esta competência não chegou então a ser implementada, Mário ruivo, que mantinha sempre jangadas em flutuação e prontas a partir, aca- bou por trilhar um caminho alternativo, envolvendo-se na criação do eu- ropean Marine Board (cuja sede, contrafeito, não conseguiu trazer para Portugal) e o euroCean: “o Centro europeu para a Informação em Ciências e Tecnologias Marinhas” cuja sede é em Portugal.

na minha perspectiva a componente científica, mas também grande parte da componente de governação da “estratégia nacional para os oceanos” [presidida no início dos anos 2000 pelo jovem e di- nâmico jurista Tiago Pitta e Cunha, que aliás conheci através do Mário ruivo] assenta e inspira-se fortemente na dinâmica introduzida nos anos 90 pelo Mário ruivo, que foi, aliás, membro do conselho consultivo da estratégia, como não podia deixar de ser.

outra matéria que não posso deixar de focar é a criação do Forum Permanente para os assuntos do Mar a cuja direção ambos pertence- mos e à qual chegou a presidir.

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este forum teve uma importância muito relevante no contexto da intervenção da sociedade civil na afirmação do mar como desígnio de Portugal. Mas, infelizmente, no segundo mandato deste fórum houve um secretário de estado que utilizou todos os meios possíveis para estrangular a voz deste forum presidido por Mário ruivo, que no entanto nunca vergou no seu optimismo inabalável. reconheceu que aquele era um momento para manter as jangadas em porto de abrigo, sem afundar, flutuando até reiniciar a navegação.

Quando se prolonga uma grande crise de sustentabilidade no mundo é pois imperativo exaltar o esforço e a combatividade daqueles que se destacaram na defesa e na promoção dos valores humanistas. Mário ruivo tem um lugar de destaque. ao longo da vida contri- buiu para o reforço dos valores ecológicos, lutando por uma sociedade cientificamente informada e pela conservação dos recursos naturais. Promovendo e liderando múltiplas iniciativas e projectos no âmbito do ambiente e do mar.

num tempo em que a economia azul, a sustentabilidade dos ecos- sistemas e o combate às alterações climáticas são paradigmas de de- senvolvimento, as ideias de Mário ruivo e o seu legado não só mantêm uma perfeita clarividência, como são inspiradoras.

dos inúmeros reconhecimentos que Mário ruivo recebeu, que ele aceitava com humildade, porque achava que de alguma forma re- forçam a couraça de resiliência dos ideais de agenda sobre o ambiente sustentável e os oceanos, quero destacar apenas que dois me estão mais próximos: a “Insígnia autonómica de reconhecimento”, atribuída pelo Governo dos açores e pela assembleia legislativa regional dos açores, demonstrativa da elevada consideração que a raa tinha por Mário ruivo, que sempre apoiou e reconheceu a relevância do mar dos açores no contexto do atlântico.

e o grau de doutor Honoris Causa em Ciências do Mar, atribuído pela universidade dos açores em 2010 cujo elogio esteve a cargo do seu grande amigo Mário soares, e onde estiveram presentes quase todos os reitores das universidades portuguesas.

em 2016, Mário ruivo, recebeu a mesma distinção nesta univer- sidade do algarve. na altura confessou-me o grande valor que dava a este grau, por ser desta universidade, pela qual tinha um especial carinho também.

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a universidade do algarve, onde estive mais do que uma vez com Mário ruivo, não esquece os grandes valores e os grandes amigos e em boa hora organizou esta grande e muito justa homenagem.

não posso deixar de fazer referência ao Prémio de Cidadão eu- ropeu que lhe foi atribuído pelo Parlamento europeu em 2016.

Por fim, reitero o meu agradecimento pelo convite para juntar- me a esta homenagem e faço votos de que tudo corra pelo melhor. o Programa é excelente. Parabéns e obrigado.

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