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1 – INTRODUÇÃO

O constante crescimento populacional humano contribui, de forma considerável, para aumentar a demanda por diferentes tipos de recursos em diversos países do mundo. Dentre esses recursos, a energia elétrica figura entre aqueles cuja demanda tem aumentado muitíssimo, desencadeando, por consequência, a expansão do setor elétrico. A geração de eletricidade envolve desde a queima de combustíveis fósseis até o aproveitamento hídrico para transformação em potencial elétrico. De acordo com Cada & Zadroga (1982) o decréscimo no suprimento e aumento nos custos de combustíveis fósseis para geração de eletricidade levou a uma ampla procura e desenvolvimento de técnicas para exploração dos recursos considerados como renováveis. Dessa forma, a energia hidrelétrica passou a ter papel importante como fonte para a geração de eletricidade em vários países (CADA & ZADROGA, 1982).

No Brasil, o potencial hídrico desencadeou a exploração e geração de energia hidrelétrica como principal fonte de eletricidade para o país. Segundo a ANEEL (2008), cerca de 85,6% da energia elétrica gerada no país no ano de 2006 resultaram da hidreletricidade. Nessa perspectiva, estimativas recentes apontam que no Brasil mais de 700 barragens foram construídas para produção de eletricidade (AGOSTINHO et al., 2007). Para o Estado de Minas Gerais, o seu potencial hidrelétrico levou-o a ser foco de grande expansão de usinas hidrelétricas a partir da década de 1950 (DRUMMOND et al., 2005). Figuram entre as principais bacias hidrográficas do estado, em termos de aproveitamento hidrelétrico, as dos rios Paranaíba, Grande, São Francisco e Doce (ANEEL, 2008).

Tendo em vista que o parque elétrico brasileiro concentra-se em usinas hidrelétricas, a ANEEL (2008) considera que o setor elétrico do país possui uma matriz energética “limpa”, já que não são gerados resíduos tóxicos através da operação das usinas, apesar de gases de efeito estufa serem liberados pela decomposição de material orgânico nos reservatórios. Além disso, a construção de barramentos em cursos d’água gera uma série de impactos sobre a biota aquática e constitui uma das principais ameaças à manutenção da biodiversidade de ecossistemas aquáticos (AGOSTINHO et al., 2005). Atualmente, os impactos causados por hidrelétricas relacionados ao meio ambiente têm sido amplamente discutidos e tornaram-se um dos maiores entraves à expansão desse setor no país, juntamente com problemas de natureza legal (ANEEL, 2008).

O Brasil apresenta uma biodiversidade de organismos de água doce considerável e,

para os peixes, o número é estimado em 2.122 espécies (BUCKUP & MENEZES, 2003). Para o Estado de Minas Gerais a estimativa é de cerca de 354 espécies e a instalação de usinas hidrelétricas tem sido um dos grandes fatores contribuintes para o empobrecimento da fauna aquática, especialmente a riqueza ictiofaunística (DRUMMOND et al., 2005).

Os impactos causados por barramentos sobre a ictiofauna podem ser notados tanto a jusante quanto a montante da barragem. Jackson & Marmulla (2001) apontam a substituição do ambiente lótico para lêntico como o impacto mais óbvio da construção de barramentos em rios. A montante do barramento a reestruturação das comunidades, inundação de planícies alagáveis, modificações das condições físico-químicas da água, eutrofização e deterioração da qualidade da água (AGOSTINHO et al., 1992) podem ser citados como impactos à ictiofauna. Já a jusante dos barramentos, o controle do regime de cheias (AGOSTINHO et al., 2005), o bloqueio do fluxo de nutrientes para trechos mais baixos da bacia, a concentração de peixes a jusante das barrages (JACKSON & MARMULLA, 2001) e a interrupção de rotas migratórias (PELICICE & AGOSTINHO, 2008; GODINHO & KYNARD, 2008) são alguns dos impactos notados, sendo o último aquele que mais afeta os peixes que necessitam realizar deslocamentos.

Como forma de minimizar os impactos causados pela interrupção de rotas migratórias, mecanismos de transposição de peixes começaram a ser projetados para instalação junto às barragens. Dentre esses mecanismos citam-se as escadas, elevadores, transposição com caminhão-tanque, eclusas e canais seminaturais (ROSCOE & HINCH, 2010). No Brasil, as experiências com passagens de peixes iniciaram-se na década de 30, baseadas nos modelos norte-americanos (GODINHO, 1998). O principal objetivo dos mecanismos projetados associa-se à manutenção da conectividade entre os trechos de rio a jusante da barragem com aqueles localizados a montante, permitindo a continuidade dos deslocamentos migratórios realizados rio acima pelos peixes.

A migração é um comportamento que pode ser entendido como o deslocamento entre dois ou mais sítios disjuntos, que ocorre com periodicidade regular e envolve a maior parte da população (NORTHCOTE, 1978). Os peixes apresentam vários padrões migratórios (LUCAS & BARAS, 2001), sendo o mais básico deles aquele que inclui o deslocamento entre os sítios de reprodução e de alimentação. Desse modo, existem dois tipos básicos de migração: migração reprodutiva (que ocorre em direção aos sítios reprodutivos) e migração trófica (que ocorre em direção aos sítios de alimentação). Considerando-

se as espécies de peixe de água doce das bacias brasileiras, Godinho & Kynard (2008) adaptaram um modelo conceitual geral para os deslocamentos migratórios, mostrando a sua complexidade, com deslocamentos ascendentes e descendentes ocorrendo em praticamente todas as fases de vida.

No Brasil, os peixes que realizam migrações reprodutivas são, genericamente, chamados “peixes de piracema” e incluem os curimbatás, dourados, piaus, surubins e jaús. Estão entre os mais conhecidos popularmente e possuem grande importância comercial em função do porte alcançado. Infelizmente, apesar de toda a importância incontestável, pouco se sabe a respeito do comportamento migratório dessas espécies.

Estudos sobre comportamento migratório dos peixes de piracema foram realizados para espécies da bacia do rio Amazonas (BARTHEM & GOULDING, 1997; ARAÚJO-LIMA & RUFFINO, 2003), bacia do rio Paraná-Paraguai (AGOSTINHO et al., 2002; AGOSTINHO et al., 2003; RESENDE, 2003) bacia do rio Uruguai (ZANIBONI FILHO & SCHULZ, 2003), bacia do rio São Francisco (GODINHO et al., 2006; GODINHO & KYNARD, 2006; ANDRADE NETO, 2008) e bacia do rio Grande (GODOY, 1959; ALVES et al., 2007). Os estudos sobre migração de peixes na bacia de drenagem do rio Grande iniciaram-se na década de 1950, utilizando-se a técnica de marcação e recaptura (GODOY, 1959), que permitiu aos pesquisadores da época obterem informações acerca da localização dos indivíduos marcados ao longo das drenagens estudadas, sendo possível determinar a distância de deslocamento. Com o passar do tempo e a evolução dos sistemas de marcação, estudos conduzidos nesse mesmo sistema utilizando-se radiotelemetria permitiram a obtenção de novas informações acerca do comportamento migratório de algumas espécies, sendo possível a obtenção de dados quanto à velocidade de deslocamento, tempo de permanência em determinadas áreas e periodicidade de deslocamento ao longo do trecho estudado. Através do uso dessa nova tecnologia de marcação, as informações obtidas tornaram possível a avaliação dos parâmetros migra- tórios de duas espécies do rio Grande, destacando-se a curimba – Prochilodus lineatus e o mandi-amarelo – Pimelodus maculatus.

Sendo assim, neste capítulo serão apresentadas informações históricas sobre o deslocamento de peixes ao longo do rio Grande, assim como informações recentes (período 2002-2004) sobre padrões migratórios de curimbatás e mandis-amarelos no trecho compreendido, atualmente, entre a UHE Volta Grande e UHE Jaguara, incluin- do dados sobre a transposição dessas espécies através da escada da UHE Igarapava.

No documento SÉRIE PEIXE VIVO TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES (páginas 56-58)