• Nenhum resultado encontrado

Método ABC– Ensino prático para aprender a ler

5. CAPÍTULO 4 – PERCORRENDO AS PÁGINAS DAS CARTILHAS E DOS LIVROS

5.1. As cartilhas: o que ensinam?

5.1.1. Método ABC– Ensino prático para aprender a ler

Cartas, letras e sílabas, códigos que aos poucos iam sendo desvendados pelos alunos. Bem, assim se apresentava uma das cartilhas fortemente presente no âmbito escolar e que permanece na memória de muitos de nós, o Método ABC – ensino prático para aprender a ler. Destinado tanto às crianças, quanto aos adultos “analfabetos”, era um material de leitura, como o próprio nome esclarece, em que os alunos eram levados a decorar o alfabeto e cada página da cartilha, que era constantemente “tomada”, de acordo com uma sistematizada rotina.

A obra, apesar de compacta, com apenas 16 páginas, buscava levar os alfabetizandos à memorização do alfabeto, de sílabas e de algumas palavras. Era um material introdutório ou

utilizado paralelamente a outros livros nas salas de alfabetização e propunha o ensino prático para o aprendizado da leitura. Estava baseado no método alfabético, isto é, iniciava-se das partes menores (as letras), até se chegar às palavras. Desse modo, a obra era dividida em nove cartas que apresentavam uma sequência, supostamente, linear, inicialmente com reflexões simples, que tornavam-se mais complexas com o decorrer das lições. No entanto, antes de iniciar a primeira carta, as quatro páginas iniciais apresentavam o alfabeto em letra de imprensa maiúscula e em letra cursiva, as vogais e as consoantes minúsculas. Também encontramos a apresentação dos algarismos, como podemos visualizar abaixo:

Figura 9 – Páginas 2 e 3 da cartilha Figura 10 – Apresentação do alfabeto minúsculo e dos algarismos (p. 4)

Após as páginas introdutórias, a cartilha dava início às lições que deveriam ser sistematicamente estudadas. A partir da primeira carta se iniciava o estudo de sílabas, atividades que se estendiam até a oitava carta. Desse modo, o primeiro momento referente ao estudo das sílabas apresentava sequências mais simples, em que a junção das vogais com as consoantes do alfabeto formava as conhecidas famílias silábicas:

A

e

i

o

u

Ba be bi bo bu

Ma me mi mo mu

A ideia inerente à hierarquização das leituras dispostas revela a tendência do modelo tradicional de ensino e, assim, das cartilhas, em acreditar que, para se aprender determinado código, pré-requisitos são necessários. Então, não seria possível apresentar um texto se ainda não se aprendeu ou memorizou todos os códigos.

A apresentação das sílabas ai, ei, oi, ui e a junção deles com as consoantes compreendiam a segunda carta:

Ai, ei, oi, ui

Bai, bei, boi, bui

...

Daí, dei, dói, dui:

Vimos, portanto, que tais atividades priorizavam as pseudopalavras, ou seja, a memorização de palavras sem sentido, não utilizadas no cotidiano.

Da terceira a sexta carta realizava-se um trabalho sistemático com algumas consoantes como é o caso do L, R, S N. Primeiramente, eram apresentadas as combinação das vogais com a consoante a que se referia a lição (Al, el / Ar, er / As, es / An, en). Em seguida, cada consoante se juntava às sílabas formadas, originando outras sílabas, na mesma sequência e organização das outras atividades de leitura apresentadas, como podemos visualizar a seguir:

Figura 11 – Quarta e Quinta carta da cartilha (p. 8 e 9)

A sétima carta já apresentava uma sensível complexidade ao trabalhar a junção de algumas consoantes com as sílabas La, Le, li, Lo, Lu e Ra, Re, Ri, Ro, Ru, formando, assim, sílabas como: Bla, ble, bli, blo, blu / Dra, dre, dri, dro, dru. Vimos que só após explorar as sílabas mais simples, contudo sem efetiva aplicabilidade, é que a cartilha insere sílabas consideradas complexas.

A oitava carta tinha como foco o estudo do ÃO, explorando sílabas como: bão, cão,

dão, pão, não. Essa carta explorava, ainda, monossílabos com U, como, bau, cau, pau, tau. E

finalizava com sílabas escritas com CH, LH e NH, como che, chi, lho, lhu, nhe, nhi.

A partir da nona carta, com início na página 13, estendendo-se até a página 14 da cartilha, iniciava-se o estudo dos dissílabos que, como perceberemos, é menos explorado por esse material. Não podemos afirmar ao certo, mas, talvez por tratar-se de um material introdutório, destinado aos alfabetizandos, exercícios mais aprofundados, que exigissem memorizações mais complexas, não fosse o seu objetivo, tendo em vista que, em classes posteriores, conteúdos como estes seriam mais explorados. Assim, a nona carta apresentava alguns dissílabos separados em sílabas, como: A-ba, An-da, bi-co, de-do, si-ga, xin-gar, entre outros, apresentados na imagem abaixo:

Figura 12 –Nona carta da cartilha (p. 13)

O interessante, nesse momento, é que encontramos palavras reais e não mais aquelas pseudopalavras estudadas nas lições anteriores, pois, com a intenção de apresentar as sílabas, o aluno era levado a decorar uma série delas, sem poder estabelecer vínculos entre palavras usadas cotidianamente. Apenas alguns monossílabos compunham nosso vocabulário ou parte de alguma palavra. Contudo, as palavras encontravam-se registradas com a separação silábica, isto é, as sílabas eram separadas pelo hífen.

Terminada a nona carta, a obra, na página 15, listava os dígrafos e letras que possuíam o som de X e apresentava alguns exemplos. Expunha, também, os sinais de pontuação e os sinais ortográficos. Dessa forma, o “Método ABC” dava inicio aos estudos que seriam explorados com maior precisão em momentos posteriores, pós-alfabetização, conforme a figura abaixo:

Figura 13 – Estudo complementar da cartilha (p. 15)

Enfim, a cartilha chegava a sua última página propondo alguns exercícios em que os alunos deveriam ler algumas palavras não mais separadas por hífen. Vale salientar que as palavras apresentadas para leitura não eram apenas dissílabas, como também trissílabas, estudo não contemplado pela obra. Notamos, desse modo, que os exercícios finais do material exigiam leituras de palavras que não foram estudadas, ou segundo os ideais implícitos na própria cartilha,“treinadas” pelos alunos, previamente, ou seja, o aluno após memorizar os monossílabos e alguns dissílabos, deveria realizar a leitura de variadas palavras.

Quanto à escrita de palavras, reafirmamos que essa não era a proposta da cartilha. Dessa forma, cabia ao professor, a partir das lições estudadas, propiciar os exercícios escritos. Mas, não podemos fazer uma análise detalhada desse aspecto, porque não dispomos do manual do alfabetizador ou de alguma proposta que orientava essas atividades.

Apresentando-se como material de leitura, vimos que a obra negligenciou exercícios, que hoje vários estudiosos consideram importantes, que contribuem para a apropriação do sistema de escrita, atividades como: exploração das relações som-grafia, formação de palavras, contagem de letras, sílabas, entre outras. Isso significa que, apesar da cartilha estar direcionada para ensino da leitura, não a contempla de maneira satisfatória, pois, como dissemos anteriormente, as lições levavam o aluno a um constante trabalho de memorização, ou seja, a cartilha não permitia uma tarefa reflexiva acerca da escrita da palavra, de suas partes.

É importante esclarecer que o material não trazia em suas páginas o comando sobre o que deveria ser feito, isto é, não estava explícito quem deveria fazer a leitura e como isso deveria acontecer. Simplesmente as letras e sílabas estavam expostas e demandavam intervenções do docente. Sabia-se, porém, sobre o que se tratava cada página e carta, porque na introdução de cada carta havia a especificação do que seria apresentado, por exemplo, alfabeto maiúsculo, vogais minúsculas, alfabeto vertical maiúsculo, primeira carta – monossílabos, como podemos ver na figuras expostas acima.

A cartilha traz em seu bojo as ideias de alfabetização existentes e consolidadas durante um bom tempo em nossa sociedade. Cartilhas, como essa, guiavam o docente e serviam de verdadeiros manuais de instrução e, de acordo com Geraldi (1997), desvalorizavam a profissão docente, já que qualquer um, de posse do guia, das orientações, podia alfabetizar, bastava seguir a sequência correta da carta, apresentar o que fosse necessário e “tomar” a lição dos alunos, a fim de verificar se a memorização foi efetivada ou não. Fica claro que não importava se as palavras pertenciam ou não ao vocabulário das pessoas, se existiam realmente. Seria necessário, apenas, que os alfabetizandos memorizassem, decorassem o que era posto pela cartilha.

Contudo, julgamos importante salientar, aqui, que mesmo diante de tantas modificações pedagógicas, tantos estudos que permitem reflexões mais sistemáticas, ainda é possível encontrar em bancas de revista e papelarias, materiais semelhantes ao Método ABC, que possuem basicamente a mesma organização e intenção, são materiais introdutórios. Esse é o caso de da cartilha intitulada ABC do estudante, com 12 páginas e, praticamente, as mesmas atividades do antigo Método ABC, disponibilizando, ainda, um alfabeto ilustrado.

Figura 14 – Nova cartilha ABC Figura 15 – Páginas 2 e 3 da Cartilha ABC do estudante

Percebemos claramente que a cartilha ABC do estudante é uma versão atualizada da obra analisada nessa seção. Um aspecto que nos chamou a atenção foi a semelhança do exercício presente na última página das referidas cartilhas, que apresentam as mesmas palavras para leitura.

Até o momento, conhecemos um divulgado modelo de cartilha, utilizado por muito tempo, que nos deu significativos indícios de como era pensada a alfabetização e seu emaranhado de “códigos” que o indivíduo deveria descobrir sozinho, como esclareceu Morais (2005), pois era isso que acontecia, o aluno refletia solitariamente sobre o sistema de escrita.

Mas, como já foi dito anteriormente, muitas outras cartilhas permearam o contexto educacional. E o que pretendemos, agora, é analisar outra cartilha, dedicada exclusivamente aos jovens e adultos não alfabetizados. Apresentamos, então, a Cartilha ABC para adultos.