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2.2 A dança norte americana ao longo do século XX

2.2.2 O Método DanceAbility

Referindo-se ao método DanceAbility, criado por Alito Alessi durante a década de 80, Emery Blackwell, dançarino com paralisia cerebral e parceiro de Alessi por muitos anos, relata que

[...] toda minha vida pessoas me disseram que eu precisava me equiparar com pessoas sem deficiência e, se eu não conseguisse, eu não seria apto para me envolver com pessoas sem deficiência. DanceAbility não é sobre isso. É sobre encontrar meu próprio ritmo. (BLACKWELL apud ALESSI,

15 Grifo meu.

16 Conforme Sassaki (2005), o modelo social da deficiência foi basicamente elaborado por entidades

2011a, p. 17).

Esta declaração ilustra como o DanceAbility, do mesmo modo que o CI, distancia-se da noção de normalização que prevaleceu nas políticas públicas entre as décadas de 60 e 80, pautadas no “paradigma da integração social”.

Steve Paxton (2006) afirma haver procurado “muito para descobrir qual é a

troca entre o portador de deficiência e o não-portador”, acrescentando que “pessoas

como o diretor norte americano Alito Alessi vêm refinando seu método de trabalho por muitos anos, para ter em suas aulas qualquer tipo de pessoa: cegos, surdos, autistas, pessoas com paralisia e com danos cerebrais”. Desse modo, o DanceAbility, atualmente, consiste num método sistematizado de dança que visa à inclusão de todas as pessoas.

Aluno de Steve Paxton por muitos anos e amante do Contato Improvisação, Alito Alessi, em seus primeiros workshops, que contavam com a presença de Paxton, baseava-se quase que exclusivamente em exercícios de Contato Improvisação com um grupo misto. Como aponta Alessi (2011a),

na época eu pensava que todas as pessoas poderiam fazer contato improvisação. Conforme eu trabalhei de modo crescente com pessoas com muitos tipos de deficiências, eu percebi que trabalhar somente com contato improvisação não era suficiente. Era um grande professor [Steve Paxton] e uma paixão para mim, mas seria necessário utilizar e inventar outras ferramentas de dança e teatro para alcançar a inclusão mais ampla possível (Alessi, 2011a, p. 21 e 22).

Assim, o discípulo de Paxton desenvolveu, juntamente com Karen Nelson, no início da década de 80, nos Estados Unidos, um método de dança denominado DanceAbility. Por meio da formação de um grupo com habilidades mistas, ou seja, constituído por bailarinos profissionais, estudantes iniciantes de dança, pessoas sem experiência em dança, sem ou com qualquer deficiência, este método pretende acolher a diversidade refletindo a realidade encontrada na sociedade. Para Alessi (2011a), o problema não está nas pessoas com deficiência e sim na exclusão das mesmas do cenário social. Nesse sentido, o objetivo do DanceAbility “é congregar pessoas em toda sua diversidade e procurar uma base comum para fazer arte que apoie a construção da comunidade” (ALESSI, 2011a, p.17). Essa base comum, também chamada pelo fundador do DanceAbility, de “denominador comum”, refere- se aos princípios de movimento, à comunicação e às possibilidades de

aprendizagem acessíveis a todos os participantes de um dado grupo misto. Cabendo ao facilitador identificá-lo, constrói-se uma comunidade inclusiva, pautada

na confiança mútua e no poder de cada um de expressar a si mesmo. “Os

denominadores comuns determinam as avenidas que todo o grupo pode seguir para explorar o máximo de elementos de improvisação possíveis” (ALESSI, 2011a, p. 49). Considerando a noção de “denominador comum”, nota-se como o DanceAbility está fortemente alinhado com a noção de equiparação de

oportunidades, que constitui um fundamento essencial do “paradigma da inclusão

social”. Conforme visto, a equiparação de oportunidades refere-se à minimização ou a extinção das barreiras que impeçam ou dificultem o exercício da cidadania, de forma plena, por todas as pessoas, inclusive as com deficiência. Nesse sentido, o princípio do denominador comum, essencial ao método DanceAbility, parece ter como correspondente na escala macro social o conceito de equiparação de oportunidades, pois ambos visam a construção de um sistema para todos, seja esse em qualquer esfera (artística, educacional, empresarial, social) que respeite e valorize a diversidade humana. No caso específico do DanceAbility, entende-se que

as condições de nossos corpos não depreciam a dança. É exatamente o contrário: os grupos são enriquecidos por terem diversas formas, tamanhos, habilidades e perspectivas presentes. Cada bailarino é igualmente importante e a dança surge dos movimentos únicos de cada pessoa. [...] Pelas diferenças únicas entre os membros do grupo vem uma riqueza que nos é negada quando os grupos não são diversos (ALESSI, 2011a, p. 39). Vale reforçar que o propósito desse método é “fazer arte” a partir da diversidade. Conforme seu fundador, DanceAbility não é terapia e sim um estudo sobre a improvisação do movimento. A prática da improvisação nesse método se pauta nos seguintes elementos: sensação, relação, tempo e composição (design). De acordo com Alessi (2011a),

a atenção à Sensação possibilita uma base centrada no próprio corpo e nos conecta com o presente. O elemento de Relações nos conecta com os outros, assim nós influenciamos o outro e consequentemente também somos influenciados. A exploração de Tempo e “ritmo” (relações de tempo, suas dinâmicas e sincronicidades), nos permite sentir a sabedoria presente em nossos corpos, ao invés de confiar em nossos hábitos antigos. Composição surge naturalmente quando nós temos consciência de Sensação, Relação e Tempo (ALESSI, 2011a, p. 58).

geralmente associados e sobrepostos uns aos outros, de modo que na composição, a interação entre eles fica mais evidente por ela ser exatamente a soma e a complexificação das categorias sensação, relação e tempo. (ALESSI, 2011a).

Exercitar esses elementos expande o repertório do corpo dos dançarinos, de modo que seus hábitos e padrões de movimento vão sendo desnecessários no jogo da improvisação. O entendimento compartilhado e a exploração desses elementos oferecem suporte para a criatividade, apontando diversos caminhos aos improvisadores. Frente ao não saber o que fazer em seguida, a experiência da improvisação pode levá-los a escolhas interessantes e surpreendentes que gerem novas conexões, interferindo nas relações até então estabelecidas, e consequentes composições. Todavia, embora o dançarino ao improvisar deva usar todo o seu conhecimento sobre esses elementos, suas escolhas não devem ser feitas com o intuito de fazer a escolha certa, no sentido de combiná-los de forma calculista e cognitiva. Além da consciência, buscam-se tomadas de decisões a partir da sabedoria corporal, da escuta e integração de todos os sentidos do dançarino, das demandas do espaço, enfim da intuição e do bom senso. Desse modo, o envolvimento com todos esses elementos que sustentam a prática do DanceAbility, potencializados pela formação de um grupo com habilidades mistas, permite aos participantes experienciar quem verdadeiramente são e não quem pensavam ser (ALESSI, 2011a).

Esse método pode ser utilizado em várias realidades, como, por exemplo, instituições de apoio às pessoas com deficiência, em contexto educacional, em cursos livres ou profissionalizantes de dança e como base de treinamento de dançarinos profissionais em companhias de dança. O DanceAbility vem sendo disseminado em diversos países do mundo desde 1996, incluindo o Brasil.