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Este momento do texto irá explanar a respeito das escolhas metodológicas aliadas no decorrer da pesquisa. Em seguida serão discorridas como se deram as intervenções de campo. Ao entender que o cuidado participa com maior intensidade no plano das tecnologias leves, no âmbito do fazer-sentir, ao contrário do observar- constatar, esta pesquisa não deve estar refém de objetivos pré-estabelecidos, mas implicada em acompanhar processos. (POZZANA; KASTRUP, 2010)

Tratamos de criar condições para dar consistência a intervenções que tem por propósito mergulhar na experiência em ato e de suas propriedades de liberdade construir um fazer/conhecer que dê expressão e força às experiências vividas em grupo. Diante de pesquisas cujos métodos estão bastante estruturados, propomo- nos assumir escolhas e riscos de uma inversão metodológica costumeiramente evitada. Trata-se de criar condições para a invenção de outros possíveis, um método que se coloca em experiência no fazer e colhe os efeitos do processo de pesquisar. Intervir e gerar resultados para além das reproduções e realidades etiquetadas por tabelas.

Seria preciso opor dois tipos de ciências, ou de procedimentos científicos: um que consiste em "reproduzir", o outro que consiste em "seguir". (...). Reproduzir implica a permanência de um ponto de vista fixo, exterior ao reproduzido: ver fluir, estando na margem. Mas seguir é coisa diferente do ideal de reprodução. Não melhor, porém outra coisa. Somos de fato forçados a seguir quando estamos à procura das "singularidades" de uma matéria (...) (DELEUZE; GUATARRI, 1997. p. 39-40).

O percurso exploratório deste estudo seguiu, portanto, um caráter de pesquisa intervenção com inspirações cartográficas. A respeito de tal metodologia, delinearemos brevemente algumas considerações. A pesquisa intervenção faz parte

de um paradigma epistemológico, como aponta Boaventura Santos (2000). Pesquisar não teria uma como pilar central o controle e a neutralidade, mas a contemplação das múltiplas relações que o objeto pode engendrar na criação de realidades.

A incerteza do conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como limitação técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser contemplado (SANTOS, 2000, p.54).

O conhecimento se faz para além de interpretações, a pesquisa se faz falar pelos encontros e rupturas decorrentes do processo. Apostamos em uma construção coletiva de realidade, um saber participativo e operador de mudanças na micropolítica do cotidiano.

Para tanto, optamos por uma pesquisa intervenção com inspirações cartográficas. De acordo com Passos; Kastrup; Escóssia (2010) e Rolnik (2006), a cartografia como método não pressupõe uma orientação do trabalho do pesquisador de modo prescritivo. Há uma inseparabilidade entre conhecer e fazer, intervir e pesquisar. Considera-se que sujeito, objeto e conhecimento são efeitos coemergentes do processo de pesquisar. Tal processo de coemergência se dá pelos agenciamentos instalados na experiência enquanto campo intensivo da produção de realidades.

O método desta pesquisa põe este conceito em sua radicalidade ao ativar corpos em movimento, alimentando desassossegos e perturbações. Movimentos que trabalham na quebra de formas instituídas para dar expressão aos processos de institucionalização e geradores de um conhecimento sensível. Um conhecimento implicado no plano concreto da experiência (PASSOS, BARROS, 2010). O pesquisador provoca e captura tudo aquilo que não é, mas poderia ter sido.

Entende-se que o cuidado só se efetiva quando cria conhecimento, não impõe formulações. Para tanto é preciso fazer escolhas por inversões metodológicas, pois qualquer critério de validação dado a priori, não é capaz de construir conhecimento, no máximo se atribui valores de certo/errado, se julga. Não é preciso conhecer para julgar e reproduzir. Não é possível preparar o conhecimento e torná-lo possível

(DELEUZE, 2002). Este deve ser cultivado com os jogos de corpos e suas marcas, uma escolha ética pelo conhecimento.

No entanto, tradicionalmente os estudos científicos têm utilizado dispositivos na perspectiva do controle experimental. Nesse sentido o objeto se vê cercado por todos os lados por dispositivos de mensuração, controle e descrição. Há um gasto rigoroso de energia e tempo para corresponder a essas expectativas (DESPRET, 2011). Não há condições para espaços de diálogo e transformação entre pesquisador e objeto. Cria-se um olhar fixado no material de validações e não no contato com o campo.

Nesse contexto corpos que pulsam tendem a se fixar em dados congelados com funções universais. Por tal desafio, encontros são constantemente desejados nesta pesquisa.

Despret (2011) discorre sobre pesquisas em que os dispositivos disponibilizados nos experimentos participam com os sujeitos. Ou seja, há espaço para se narrar sobre a experiência. Ao incluir as posições e opiniões dos sujeitos nas pesquisas, as mesmas se enchem de historias, riquezas, complexidades e vida.

Cabe, portanto, na proposta deste trabalho permitir que os dispositivos experimentais toquem e com isso ganhem expressão. Tal participação permite devolver o corpo às pesquisas e a emoção ao pensamento, colabora para uma política emancipatória de cuidado fruto de disposições que cultivamos em grupo.

A partir do compromisso com a participação dos sujeitos, seus relatos não se distanciam do processo, ao contrário. Para além de análises decalcadas que excluem a dinâmica dos sujeitos nas cenas experimentais, suas narrativas irão compor os relatórios por entre a construção dos movimentos. Os relatos dos sujeitos funcionam como ferramentas que abrem passagens e encontram brechas para uma escrita em conjunto. Retalhos costurados que pintam os afetos emergentes.

Conhecer o caminho de constituição de uma política de cuidado equivale a caminhar com ela, constituir o caminho, constituir-se no caminho. “Este é o caminho da pesquisa – intervenção” (PASSOS, BARROS, 2010. p. 31).

Para além de interpretações, esta manobra metodológica permite por em discussão a relação do corpo com suas mobilizações. Treinar modos de expressão coletivos de um corpo atravessado por questões institucionais e cientificas e que ganha mais corpo ao descrever o que lhes é proposto: como é ser afetado por uma experiência. Buscamos por dispositivos que não fracionassem corpo – consciência; interior – exterior, mas que se voltassem para a experiência e seus rastros de cuidado. Para tanto delinearemos os dispositivos escolhidos sendo eles: corpo, fotografia, grupo e formação.

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