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3. METODOLOGIA DE PESQUISA

3.4. Método Qualitativo

A pesquisa qualitativa foi aprimorada nos últimos anos e tem sido cada vez mais frequente a sua utilização. Sua evolução histórica é marcada por fases, destacando que, ainda nos dias atuais são frequentes as tensões, conforme pontuado pelos autores Kirk e Miller, (1986); Bodgan e Biklem (1994); Denzin e Lincoln (2000).

A primeira fase é associada ao idealismo do final do século XIX, como uma contraposição “autônoma ou compreensiva das ciências do mundo e da vida” (CHIZZOTTI, 2003, pg. 224). Num segundo momento, na metade do século XX, foi impulsionada pelos estudos antropológicos que buscavam meios de se estudar grupos humanos in loco partilhando seu cotidiano.

O antropólogo Malinowski (1978) trouxe grandes contribuições para a pesquisa de campo na área da antropologia, vivendo algum tempo entre os nativos da Nova Guiné, utilizando o método para uma descrição científica das observações da vida do “outro”. Nos anos 1939 e 1940, Levi Strauss fez um intenso trabalho com os índios brasileiros utilizando o método estruturalista.

Na década de 1970 e 1980, surgiram novas orientações e novos paradigmas que proporcionaram uma mudança na natureza das pesquisas, dando uma contribuição para a sua prática. Surgiu um amplo espectro de iniciativas, métodos e técnicas de pesquisa em todas as áreas do conhecimento, originados de estudos sobre temas como classe, etnia, raça, cultura, abrindo para novas questões de cunho teórico-metodológico no campo dos estudos qualitativos. A opção do método ficou então atrelado aos seus objetivos e finalidade, desde que atendesse aos seguintes pressupostos:

a) característica do objeto do estudo; b) centralidade do trabalho;

c) realidade vivida pelo grupo social objeto da pesquisa; d) tratamento das variáveis difíceis de quantificação;

e) interpretações, símbolos e valores transformados em artefatos locais e regionais; f) possibilidade de se fazer inferências que contribuíssem para a formulação de uma tese.

Assim, mais que um conjunto de técnicas, a utilização conjugada de métodos é uma linha de abordagem escolhida em função da natureza social do fenômeno a ser investigado. Reproduzindo um estudo de Chizzotti,

[...] diferentes orientações filosóficas e tendências epistemológicas inscrevem-se como direções de pesquisa, sob o abrigo qualitativo, advogando os mais variados métodos de pesquisa como entrevista, observação participante, história de vida, testemunho, análise do discurso, estudo de caso e qualificam a pesquisa como pesquisa clínica, pesquisa participativa, etnografia, pesquisa-ação, teoria engendrada (grounded theory), que tomam, por sua vez, formas textuais originais, recorrendo a todos os recursos linguísticos, sejam estilísticos, semióticos, ou diferentes gêneros literários (CHIZOTTI, 2003, p. 222).

O autor considera que muitos são os que se interessam e recorrem a essa ampliação de foco devido a essa modalidade abrigar uma modulação semântica que atrai várias tendências que se aglutinam genericamente sob esse termo, e que podem ser designadas pelas teorias que as fundamentam “fenomenológica, construtivista, crítica, etnometodológica, interpretacio- nista, etc.” (op. cit., p. 226).

Na abordagem qualitativa, segundo Gil, o método escolhido pode requer a utilização de múltiplos instrumentos para garantir a qualidade das informações, segundo diferentes fontes de evidência. Em continuidade, o autor esclarece que esse método recebe críticas dos estudiosos atribuídas à falta de rigor científico e objetividade. No rol das críticas são elencados os argumentos: os dados podem ser facilmente distorcidos pela ótica do pesquisador, ou ainda, não fornecem base para reprodução do fato; falta de cientificidade ao estudo (GIL, 1987).

Esse método de pesquisa qualitativa foi desenvolvido na Escola de Direito da Universidade de Harvard, na segunda metade do século passado. No estudo de caso, os dados são predominantemente descritivos: a preocupação centra-se nos processos e não nos produtos, com maior ênfase os “significados atribuídos” às ações pelos sujeitos objetos da pesquisa, e aqui entra a contribuição da abordagem interpretativista como coadjuvante do processo.

Gil (op. cit., p. 137), no delineamento de um estudo de caso aponta que “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e contexto não estão claramente definidos”; é decorrente de longo processo de reflexão e imersão em fontes bibliográficas apropriadas.

Quando os objetivos da pesquisa exigem maior imersão num fato social requerendo análises nos recortes subjetivos da realidade, e que explique como esse fato foi sendo absorvido pela sociedade, deve-se optar por metodologias e técnicas que permitam capturar o máximo dessa realidade, adequando-se às exigências do estudo (MORGAN; SMIRCICH, 1980).

Yin (2001) afirma que o Estudo de Caso é adequado quando o pesquisador, no seu objetivo de pesquisa, depara-se com situações que inserem contextos sociais – que, por suas peculiaridades, encontram-se amalgamadas no tecido social, precisando ser desveladas para a compreensão do fato.

Na elaboração de um protocolo, que ocorre após a definição da “unidade-caso” e do tamanho do universo da pesquisa, define-se a abordagem metodológica de forma a cumprir os propósitos de estudo. Para Gil (2002, p. 140), se a pesquisa for bem conduzida, possibilita o esclarecimento até mesmo de “fatores inconscientes que determinam o comportamento humano”. Outro ponto a validar essa afirmativa é a obtenção de informações sobre o que as pessoas pensam; o que sabem; no que acreditam; o que esperam ou desejam; como também para resgatar explicações, razões ou acontecimentos passados. Num estudo de caso, os dados são predominantemente descritivos, e a preocupação centra-se nos processos e não nos produtos, com ênfase fundamental nos “significados atribuídos” às ações pelos próprios sujeitos de pesquisa.

A pesquisa qualitativa, de abordagem histórico-social, não pode reduzir-se a uma troca de perguntas e respostas previamente preparadas, mas, concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica. Na entrevista (FREITAS, 2002. p. 29), o sujeito se expressa com sua voz e carrega o tom de outras vozes, captando a visão também de seu grupo, gênero,

etnia, classe, momento histórico e social. Para Laville e Dionne

[...] as técnicas de observação variam por seu grau de estruturação e pelo grau de proximidade entre o observador e o objeto de sua observação [...] podem se imaginar tantas modalidades de observação quantas quiser, sendo que o essencial é escolher uma que convenha ao objeto da pesquisa (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 183).

Freitas (2002) corrobora e complementa a declaração acima, destacando que a observação e análise devem ser um encontro de muitas vozes; ao se observar um evento, o pesquisador depara-se com diferentes discursos, gestual e formas de expressão. Os discursos refletem a realidade da qual o indivíduo é um fio que se entrelaça na formação do tecido histórico social, perspectiva também adotada também por Mary Jo Hatch (2004).

Outra perspectiva, a vygotskyana do aprendizado, contribui para a compreensão do contexto histórico social, e ajuda o pesquisador a entender aquilo que se apresenta como uma singularidade, colaborando para a compreensão da totalidade. Essa perspectiva considera que todo conhecimento é sempre construído pela inter-relação dos sujeitos sociais.

A contribuição metodológica de Vygotsky não só é utilizada na educação, mas também em outras áreas do conhecimento, por trazer uma perspectiva que se fundamenta na dialogicidade, constituída de processos em movimento permanente, em que a transformação é o resultado final desejável dos processos.

Freitas (op. cit.) acompanha esse postulado complementando “produzir um conhecimento a partir de uma pesquisa é, pois, assumir a perspectiva da aprendizagem como processo social compartilhado e gerador de desenvolvimento” (FREITAS, 2002. p. 25). Analisando a produção de autores histórico social, como Vygotsky, percebe-se como essa abordagem teórica pode fundamentar um trabalho de pesquisa qualitativa, imprimindo-lhe características próprias.

A perspectiva histórico social, segundo Freitas, baseia-se na tentativa de superar os reducionismos das concepções empiristas e idealistas (op. cit., p. 22). O método é essencial para se estudar o homem como unidade biológica e como ser social, participante de um processo histórico, no qual, enquanto sujeito inserido numa determinada cultura, que produz e reproduz cultura e, por consequência, é produzido e reproduzido por ela (id., ib.).

Desse modo, as opções metodológicas constituem-se num caminho a ser escolhido e trilhado pelos pesquisadores, estabelecendo a base instrumental daquilo que se quer conhecer. A opção deve guardar coerência com o objeto de estudo e jogar luzes na compreensão do fenômeno a ser investigado.

Pelos elementos teóricos elencados, e pelos primeiros resultados colhidos no pré- campo, a metodologia “Estudo Múltiplo de Casos” apresentou-se como a mais adequada, pois cada elemento pesquisado possui características singulares, com atores e condições socioeconômicas e culturais também singulares e que, cada setting pode trazer respostas distintas para a questão de pesquisa aqui apresentada.

Nos primeiros levantamentos de dados através de entrevistas, verificou-se que, invariavelmente, as questões que pediam uma quantificação eram seguidas de comentários, e esses vinham carregados de matizes ideológicos, culturais, valorativos, interpretativos e de simbolizações.

Paradigmas Vygotskyanos e Concepções Mausseanas de Pesquisas Sociais

Partindo do pressuposto metodológico do fato “social e total”, na perspectiva de Mauss (op. cit.), e nos paradigmas vygotskyanos, cabe aqui uma retomada desses arcabouços teóricos adotados nas metodologias de pesquisas. O autor definiu para os estudos da sociedade uma proposição de abordagem ampla, um “fato social total”.

As contribuições de Mauss para as ciências sociais, assim como, a relação com os paradigmas orientadores dos estudos antropológicos e sociológicos, incorporam os pressupostos da teoria da dádiva. A teoria da dádiva, segundo a concepção mausseana, estimula novas formas de se pensar as relações atuais da vida em sociedade, principalmente quanto às concepções individualistas e às interpretações economicistas e reducionistas da realidade social. Mauss defendeu que a vida social é essencialmente um sistema de prestações e contraprestações obrigatórias a todos os membros de uma comunidade. Atesta porém, que essas obrigações, não são absolutas, na medida em que, na experiência concreta das práticas sociais, os membros da coletividade têm uma certa liberdade para entrar ou sair do sistema de obrigações. “Ensaios sobre a Dádiva” é um estudo de caráter etnográfico, antropológico e sociológico sobre a reciprocidade. Para Mauss o que hoje se entende como direito de obrigações possui um aspecto diacrônico, originados nas distinções das sociedades antigas.

A civilização contemporânea, segundo Mauss, carrega vestígios das civilizações anteriores, do direito romano, leis germanicas, ou Código de Manu (estabelecimento das castas para o bom funcionamento e operacionaldiade da sociedade) e esses são os fios condutores a partir dos quais é possível vislumbrar uma nova forma de compreender os fenômenos sociais. Ao repensar o conceito durkheminiano de fato social, Mauss inclui as

modalidades de troca como sendo originárias de um conjunto de fatos complexos onde “tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social” (MAUSS, 2003, p.187).

Para Vygotski (2007), a combinação entre pesquisa aplicada e uma adequada base metodológica, era apenas um dos eixos de pesquisa. Num instrumento de pesquisa, dentro da perspectiva histórica social, propõe superar os reducionismos presentes nas metodologias teóricas e empíricas. Sua teoria histórico-social de desenvolvimento atribui um papel central no aprendizado humano. Entre suas contribuições estão o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico. O primeiro se refere à simultaneidade entre corpo e alma. Todo fenômeno tem uma história, que se modifica quantitativa e qualitativamente e essa mudança pode explicar a evolução dos processos psicológicos elementares em processos complexos. O segundo explica que as mudanças na sociedade produzem mudanças no ser humano. A atividade, segundo Vygotsky, modifica a natureza, cria artefatos e cultura; transforma seu meio para atender suas necessidades básicas, ao mesmo tempo em que o homem transforma a si mesmo.

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