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MÉTODO

O presente capítulo tem por objetivo descrever o processo de pesquisa, relatando as várias etapas com os participantes, a estratégia de coleta e o modo de análise dos dados.

A pesquisa aqui delineada segue as referências metodológicas de Mendes (2007). Não percorre as etapas da enquête da psicodinâmica do trabalho stricto

sensu, tal como descrita por Dejours (1993/2004) em seu Addendum13 à edição

revista e ampliada da sua obra Travail, usure mentale. Contudo, o mesmo artigo serviu de base para as formulações teórico-metodológicas, atendo-se aos seus princípios fundamentais.

Esta pesquisa insere-se na clínica do trabalho por sua forma de coleta e análise. Conforme Lhuilier (2006):

O pesquisador-clínico oferece, certamente, o tempo da conversa, o espaço-tempo de um esforço reflexivo. A pesquisa não é uma terapia, nem para o pesquisador, nem para aqueles com que ele trabalha, mas tanto um quanto o outro buscam, para além do discurso manisfesto, o latente, o encoberto, nas falhas do discurso. O desafio é o da co-construção do sentido da experiência e da situação. Os efeitos terapêuticos da pesquisa clínica, quando ela favorece uma palavra nova, devido à emergência de outras representações de si e do mundo, não podem então ser consideradas como borrões manchando a pureza do material recolhido. Recorre-se a essas observações como referência no desenvolvimento da estratégia de coleta para favorecer a emergência da reflexão sobre o trabalho àqueles que ali estão inseridos. O espaço de entrevista, momento de coleta para nós, representa também ocasião, para os trabalhadores, de verbalização que se transforma numa narrativa que dá forma à experiência vivida (LHUILIER, 2006).

13

Este adendo foi publicado no Brasil no livro Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Paralelo 15, 2004.

A pesquisa partiu do interesse deste pesquisador nos caminhos do trabalho que conduzem ao prazer – neste caso o prazer, o fazer rir e todo o trabalho envolvido – e pela parca produção sobre o trabalho de artistas, em especial atores e profissionais de artes cênicas. O contato com a realidade de trabalho deu-se a partir de uma busca na Internet por grupos de teatro. Foi estabelecido contato telefônico no qual se apresentou a pesquisa e se agendou um encontro, a fim de explicar os pormenores para garantir o caráter voluntário das entrevistas.

Participantes

Participaram do estudo cinco sujeitos que compõem o grupo de teatro, quatro dentre eles atores, o outro produtor/diretor, todos com nível universitário. Formam o grupo quatro homens e uma mulher, com idades de 24 e 31 anos. Informa-se que um desses artistas exerce o papel de diretor e produtor, não atuando nas peças desenvolvidas pela companhia. Porém, é tido como parte importante do trabalho cênico por imprimir sua visão artística. Ele será identificado aqui como o produtor, apesar de suas multitarefas para facilitar a distinção do elenco fixo. A companhia existe há quatro anos e a formação atual há dois.

Estratégia de coleta

Foram realizadas duas entrevistas clínicas, a primeira para entrar em contato com os temas do trabalho dos atores e a segunda para fazer uma devolução-reflexão sobre as idéias possíveis de se desdobrarem dessa narrativa.

O método de pesquisa da psicodinâmica do trabalho, depois de quase 30 anos de disciplina, tal qual proposto em A loucura do trabalho e revisado no

Addendum por Dejours (1980/1992; 1993/2004), pode ser considerado clássico.

Várias são as limitações para sua aplicação, mas fazendo alguns ajustes, pode-se manter o essencial de sua aplicação na prática, a escuta do sofrimento e o espaço de reapropriação dos sentidos do trabalho pelos sujeitos. Mendes (2007)

alerta que o essencial é dar visibilidade ao invisível do trabalho, o trabalho vivo, a mobilização para o fazer, a subjetividade. A formulação metodológica deste estudo segue essas diretivas e se orienta em “tornar as situações de trabalho inteligíveis” (Mendes, 2007, p. 65).

Ao fazer pesquisa em psicodinâmica do trabalho, o entrevistador coloca sua inteligência a serviço da dos trabalhadores, na busca comum da construção de um sentido para o trabalho, elaboração do sofrimento proveniente da experiência com o real de trabalho.

As entrevistas caracterizam-se pelo não direcionamento, apesar do tema. A idéia é falar do trabalho e das dificuldades vividas pelos sujeitos e as estratégias utilizadas para lidar com essas dificuldades. Apesar dos três eixos evitam-se as proposições, conselhos e sugestões que denunciariam uma posição de especialista do trabalho, incompatível com a proposta de investigação do trabalho vivo. A dinâmica da atividade segue a associação dos entrevistados e deixa a condução para aquilo que os trabalhadores evocam como importante para ser pensado e elaborado sobre o que fazem.

Observando os princípios da pesquisa-ação (Lhuilier, 2006), que destitui o pesquisador da condição de especialista, reservando um espaço especial para os problemas do trabalho que ainda não foram revelados e não pertencem aos conhecimentos dos pesquisadores e, por vezes, dos trabalhadores. A ação é conduzida pela necessidade de elaboração dos próprios participantes. A proposta é de cooperação pesquisador-pesquisado em direção ao projeto comum de construção de uma narrativa no momento da pesquisa. Tentamos operacionalizar, assim, o espaço público de discussão proposto por Mendes (2007).

Conduziu-se a entrevista estruturada em quatro eixos temáticos sugeridos por Mendes (2007): 1) organização do trabalho, compreendendo o prescrito, as condições para execução e as relações socioprofissionais envolvidas; 2) prazer e sofrimento provenientes do trabalho; 3) as formas de enfrentamento do sofrimento no trabalho; 4) os possíveis impactos sobre a saúde.

Entrevista 01 – Contato e coleta de dados. Os atores reuniram-se para nos

cujo centro foi colocado o gravador. A entrevista contou com os quatro atores atuantes da companhia do início ao final, e com o produtor que faz o papel de diretor na companhia de forma esporádica. A atividade transcorreu em uma hora e trinta minutos.

Além do autor, um colega de pesquisa acompanhava a conversa ativamente, para que pudéssemos posteriormente trocar impressões sobre o que foi falado, de modo a validar essas observações. O objetivo desta entrevista é o de tomar conhecimento sobre o trabalho realizado com foco nas dificuldades enfrentadas pelos profissionais no exercício de suas atividades, tais como eles as apresentam.

Para que isso fosse possível, tivemos de incorporar ao objetivo as questões sobre caráter voluntário dos depoimentos, incluindo a possibilidade de, no caso de aceite em participar da pesquisa, não responder a perguntas que julgassem inconvenientes. Outra dimensão ressaltada foi o sigilo das informações no tratamento dos dados. Esclareceu-se ainda que estávamos lá para aprender com eles sobre o trabalho, e que suas respostas não seriam julgadas certas ou erradas. Com esta ambientação, tentamos criar um espaço de subjetivação propício para a pesquisa-ação.

A conversa se desenvolve a partir de perguntas abertas, tais como: Quais as dificuldades enfrentadas para realizar esse trabalho? O que vocês fazem para lidar com essas dificuldades? Porém a entrevista tem caráter mais dinâmico, não se limitando apenas aos objetivos apriorísticos dos pesquisadores. Imprimindo a noção de escuta, utilizamos o critério associativo para fazer perguntas e interpretações das elaborações feitas pelos atores, na tentativa de aliar os objetivos da pesquisa às demandas reais dos entrevistados.

Entrevista 02 – Validação dos núcleos de sentido de aprofundamento. Esta

etapa tem por objetivo uma devolução dos dados, agora com as impressões dos pesquisadores e do coletivo de pesquisa14 para os participantes, com o objetivo

de validar e aprofundar temas específicos para a consolidação da análise. É a

14 O coletivo de pesquisa contou, além de mim, com mais três estudantes de mestrado em psicologia social,

do Trabalho e das Organizações. Formou-se especificamente para tratar das questões e das interpretações do material de campo.

última etapa do trabalho em campo e tem como sentido o fechamento das questões abertas na entrevista 01. Significa um momento de reapropriação para os sujeitos, no sentido apontado por Dejours (1994/1999).

Análise das entrevistas

Antes de se explicar o método empregado para a análise, vale esclarecer que os conteúdos analisados são aqueles pertencentes ao grupo, aquilo que ele percebeu como sendo de opinião coletiva. Tal critério não foi difícil de cumprir, dado o caráter de deliberação que tomou a entrevista. O que foi expresso por um, mesmo quando se tratava de uma experiência fora do trabalho ou individual, recebeu a anuência dos demais. Essa impressão foi constatada pelos dois pesquisadores de campo, pelo coletivo de pesquisa e confirmado pelos próprios atores na entrevista devolutiva.

A técnica empregada foi a da análise de núcleos de sentido desenvolvida por Mendes (2007). Os núcleos de sentido foram validados por quatro juízes.

“A narrativa se torna material de análise para lançar luz às dimensões não percebidas, dos elementos ocultados, das significações novas. A análise se dá como um retorno posterior sobre a experiência, numa situação que favorece a co- produção da compreensão do sentido das atitudes e das condutas” (LHUILIER, 2006). Este foi o propósito da análise empreendida com vistas a tornar inteligíveis as experiências de trabalho desses sujeitos. Os resultados, fruto dessas análises, são apresentados no capítulo seguinte.

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