• Nenhum resultado encontrado

A alfabetização é um conhecimento de grande valor na sociedade atual. Saber ler e escrever é uma importante conquista na construção da cidadania. Toda nossa sociedade é centrada na escrita (sociedade grafocêntrica) e são legitimados os conhecimentos advindos desta. É fundamental se pensar em como democratizar este saber, oferecendo a todas as pessoas o acesso à leitura e à escrita e seus diversos usos sociais de modo que possam apropriar-se deles como sujeitos ativos e participantes. Deve haver um cuidado para não desconsiderar os saberes de grupos não alfabetizados, como adolescentes, jovens e adultos que passam, muitas vezes, por situações discriminatórias por não saberem ler e escrever. Certamente este preconceito e intolerância precisam ser combatidos e ser dado valor a todos os outros conhecimentos empíricos que tem cada indivíduo.

Se pudermos propiciar condições para a formação plena do indivíduo desde a mais tenra idade nos espaços de educação escolar e não-formal, é possível que haja uma significativa redução nas desigualdades que ainda há em nosso país entre aqueles com oportunidade de acesso aos processos de alfabetização e os que deles são excluídos. Neste sentido, Freire (1994, p. 11) esclarece o ato de ler como aquele “[...] que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra [...]”.

A preocupação com a alfabetização, portanto permeia os processos educativos, sendo destaque no Ensino Fundamental, entretanto as crianças estão indo cada vez mais cedo para a escola, o que traz a discussão da temática para a Educação Infantil. Em 2013 foi aprovada a Lei 12.796, que torna obrigatório o ingresso das crianças na escola aos 4 anos de idade. Esta é uma lei polêmica, pois há pais e teóricos que defendem que a Educação Infantil deve ser um direito da criança pequena frequentar a escola, mas não uma obrigação legal das famílias matricularem seus filhos. De todos os modos, permanece a responsabilidade do poder público garantir e assegurar o direito da criança à Educação Infantil.

Nesse contexto, intensifica-se o debate sobre o risco de escolarização das crianças de 4 a 5 anos, tendo em vista a recente experiência com a aprovação da Lei nº 11.114/2005, que inseriu as crianças de 6 anos no 1º ano do Ensino Fundamental de 9 anos.

Se, por um lado, a intenção do governo foi garantir que todas as crianças tivessem assegurado um ano a mais de escolaridade, uma vez que somente o Ensino Fundamental era obrigatório, de outro lado Arelaro (2011), Abramowicz (2006) e Kramer (2006), estudiosas do campo da infância e da Educação Infantil, destacam diversas preocupações com a inserção da criança de 6 anos numa escola que não está organizada em termos de estrutura física, mobiliário e currículo para oportunizar condições ao processo de desenvolvimento pleno da criança. Essas autoras evidenciam a necessidade de investimentos das políticas públicas, especialmente no que se refere a formação dos professores.

Ao longo desse período, as reinvindicações de pesquisadores, militantes da infância e de professores da Educação Básica foram ganhando força e gerando pressão política. Todo esse movimento reforçou as discussões sobre a importância de se pensar e criar condições adequadas nas escolas para o ingresso das crianças de 6 anos no ciclo I do Ensino Fundamental e suscitou a reflexão de que a infância não termina aos 6 ou 7 anos, mas se prolonga até os 10, 12 anos, o que exigiu um outro olhar para o currículo escolar. Há publicações disponíveis no portal online do Ministério da Educação (MEC), que comumente são enviadas impressas para as escolas públicas, tratando destes temas.

A luta para que os profissionais da educação e familiares compreendam os processos de alfabetização da criança está inserida na discussão de como a infância, a criança e o currículo são concebidos na e pela escola. Busca-se, portanto, um novo olhar a respeito da criança e sobre como ela aprende: do que necessita, o que a motiva, quais são seus interesses? Enfim, cabe ao

professor indagar-se de como pode contribuir com a aprendizagem da criança. A mudança de paradigma proposta nos estudos de Ferreiro & Teberosky (1985), é justamente a de o adulto voltar-se para as crianças, dar-lhes ouvidos e perguntar-lhes o que pensam sobre a leitura e a escrita, acreditando que constroem conhecimentos acerca de como se escreve e como se lê.

Esta mudança nas práticas educativas vem ocorrendo dentro de um processo histórico. Os métodos de alfabetização no Brasil tiveram como marco a Proclamação da República, no final do século XIX, com a necessidade de se criar escolas em que se propagasse a cultura letrada, em prol de modernização e progresso.

Antes disso, no final do Império, conforme descreve Mortatti (2006), havia poucas salas multisseriadas em que os alunos utilizavam alguns materiais impressos vindos da Europa. O método de silabação utilizado iniciava-se com as letras e seus nomes, seus sons, as sílabas e finalmente, a palavra. As preocupações com a escrita giravam em torno da caligrafia e da ortografia.

No início do período republicano, as cartilhas elaboradas seguiam a mesma lógica, porém com uma diferença, a leitura ia da palavra para os valores fonéticos das letras. No século XX, surge o método analítico, baseado em teorias norte-americanas. Partia-se das “historietas” – conjunto de frases que montavam uma história – escritas nas cartilhas, que eram base para os processos de palavração e sentenciação.

Aos poucos estes métodos vão se misturando e se tornando ecléticos, apesar de ainda haver defensores de cada um, especificamente. Esse movimento se expressa nas cartilhas, que adotam o método misto, além de que começa a se relativizar a eficácia do método por si só, anexando às cartilhas, o manual do professor e, em paralelo, surge a preocupação com o “período preparatório” para a alfabetização, com atividades de percepção viso-motora para os pré-escolares.

Devido ao fracasso da escola na alfabetização das crianças, esses métodos são revistos a partir de 1980. Com base nos estudos psicogenéticos de Ferreiro & Teberosky (1985), muda- se o paradigma educacional do método de ensino, para os processos de aprendizagem das crianças. Há críticas à cartilha e aos métodos de ensino que homogeneizam, acreditando que todas as crianças aprendem da mesma forma. Com o construtivismo transformam-se os livros didáticos, porém estes permanecem, além de ser uma teoria legitimada pelas redes públicas e

documentos oficiais na atualidade, mesmo sob críticas ainda de alguns saudosistas do método tradicional.

Ferreiro & Teberosky (1985, p. 27) argumentam sobre a importância de se priorizar o sujeito cognoscente acima do método, afirmando que “[...] isso nos obriga – felizmente – a estabelecer uma clara distinção entre os passos que um método propõe, e o que efetivamente ocorre “na cabeça” do sujeito.”. A psicogenética supõe ainda que o método pode facilitar ou mesmo dificultar a aprendizagem, somente a própria atividade do sujeito é capaz de criar o conhecimento, partindo das aprendizagens que já construiu.

É necessário considerar aqui as contribuições de Freire (1967, 1994, 2003) para a alfabetização no Brasil. Na década de 1960, com a experiência em Angicos, no Rio Grande do Norte, o educador pernambucano, reconhecido no ano de 2013 como patrono da educação brasileira, promove um marco na Educação ao propor que, para além de alfabetizar, fosse priorizada a politização das camadas populares. Para ensinar a ler e escrever partiu da palavra e das sílabas, considerando o universo do adulto e de cada grupo de alunos para elencar as palavras que seriam temas geradores para os círculos de cultura. Não cabe aqui o aprofundamento deste tema, mas cabe destacar que muitos conceitos de Freire serão utilizados nesta pesquisa, por serem princípios orientadores da Educação aqui defendida.