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3.2 MÍDIA, ESFERA PÚBLICA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL

3.2.2 Mídia e poder: a história de uma relação

As mídias, apesar de estarem ligadas a diferentes jogos de poder, não são instâncias de poder, diferentemente de governos, por exemplo. “O campo [...] é estratégico não porque representa um ‘quarto poder’, mas porque ele permite agir por ricochete sobre diferentes universos sociais” (MARCHETTI, 2000, p. 32). As mídias manipulam tanto quanto são manipuladas. Para a manipulação é necessário um agente de manipulação – geralmente o poder político, parte interessada na construção da agenda midiática, e a lógica comercial, quando a mídia incorpora “parceiros” financeiros, como grandes empresas – que tenha um “projeto e uma tática”.

Desta forma, “as mídias não transmitem o que ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do espaço público”: uma imagem fragmentada dele. São espelhos deformantes, cada um com seu recorte.

Costa (2006) pondera a significativa presença de empresas que não tinham tradição ou vínculos com a comunicação no campo da mídia. Grupos proprietários

de bancos, indústrias metalúrgica, elétrica e eletrônica, entre outras, empreiteiras, construtoras, etc., passaram a adquirir, por todo o mundo, diferentes veículos de comunicação, de televisões a rádios, a jornais e satélites. No Brasil, especificamente, os grandes conglomerados midiáticos ainda se encontram, em maioria, sob a direção de famílias. Para nosso trabalho interessam os grupos familiares Marinho (detentor da TV Globo e do jornal O Globo, do Rio de Janeiro), Frias (Folha de S. Paulo) e Mesquita (O Estado de S. Paulo) – todos com participação de capital estrangeiro.

Com as grandes empresas de comunicação do País figurando como tentáculos de conglomerados, os interesses dos proprietários e suas teias de relacionamentos, geralmente políticos e outros empresários influentes, interferem na cobertura ambiental, como critica Boff (1998): “A imprensa, ela faz o jogo dos poderes dominantes, que são [os próprios] donos da imprensa. Então, muitas denúncias que poderiam ser feitas, cujos jornalistas conhecem e gostariam de divulgá-las, não são feitas porque ofenderiam interesses econômicos e políticos dos detentores de poder desse meio”. Para Milanez (1998), a falta de independência da mídia, por conta de seus donos serem “donos de tudo quanto é atividade”, não permite a contestação de algo que represente perigo ao meio ambiente. São usados, de forma direta ou indireta, para fazer propaganda e maketing “verdes” dos seus anunciantes, que geralmente têm o poder de censura: “A pressão é muito mais organizada das empresas para os jornais”.

Kehl e Bucci (2005), baseados em adaptações da teoria crítica da comunicação levantada por Adorno (2002), avaliam a mídia como um mecanismo de tomada de decisões que permite a reprodução do modo de produção capitalista. Desta forma, os sujeitos do poder que usam a mídia como ferramenta para fins específicos não são os proprietários dos meios de comunicação, nem os Estados, nem grupos políticos, mas, sim, o capital.

A inserção de agendas relativas à matriz energética brasileira na arena midiática ocorre concomitantemente à movimentação de arenas relativas na política e opinião pública. Não é fruto de um processo linear, que obedece a escalas entre campos distintos. No entanto, a representação das disputas de poder e a emergência de agendas nesses campos são interpretadas pela mídia de forma específica. Uma análise empírica permite considerar que a agenda da política em

relação à matriz energética brasileira se mostra como conflito pelo uso dos recursos naturais e envolve diversos atores e instituições.

Para Bourdieu (1994, p. 4), os poderes dos diferentes campos sociais agem sobre o campo da mídia – especificamente o jornalismo. É o campo político, por meio de suas instâncias governamentais, que mais constrange os meios de comunicação. Esta dominação é exercida de duas formas: material, expressada pela pressão econômica que um governo pode submeter a um veículo de comunicação, como verbas publicitárias, incentivos fiscais, créditos, etc.; e simbólica, na qual os agentes dominantes do campo se valem da autoridade neles investida como fonte de informação legítima, de “fontes oficiais”. Charaudeau (2007, p. 17) diz que, apesar das críticas pela constituição de um “quarto poder”, as mídias “são utilizadas pelos políticos como um meio de manipulação da opinião pública”.

Sobre o poder “desproporcional” que os integrantes de instituições de um determinado Estado exercem sobre o campo da mídia, Bourdieu pondera que ele

[...] deve ser compreendido, principalmente, através do poder simbólico dele emanado e das autoridades que os compõem. Este espaço estatal possui a capacidade de definir a pauta jornalística e a hierarquia dos acontecimentos mediante a definição de sua agenda diária, não só de ações e decisões, mas de interações com a própria imprensa (MIRANDA, 2005, p. 114).

Brandão (2004, p. 22-23) recorre a Althusser (1970) para explicar que a dominação política e a manutenção dessas condições são reforçadas pelos aparelhos repressores e aparelhos ideológicos de Estado. A mídia, nesta situação, por ser o veículo de informação, está dentro do campo de ação dos aparelhos ideológicos necessários para a reprodução das relações de produção. A manipulação sobre a mídia, manobra camufladora, “vai fazer com que o discurso, e de modo especial o marcadamente ideológico, se caracterize pela presença de ‘lacunas’, ‘silêncios’, ‘brancos’ que preservem a coerência de seu sistema”.

Abordar a relação entre mídia e matriz hidrelétrica brasileira transcende a análise de conteúdo de um corpus formado por itens jornalísticos extraídos de um jornal impresso. Implica avaliar a posição social do campo da mídia em um País como o Brasil, no qual a principal fonte de informação são os produtos das empresas midiáticas, e a dinâmica do sistema dominante que intervém no processo seletivo dos acontecimentos e determina as condições de fabrico deles em notícias,

quase sempre com foco e fins determinados, sejam eles econômicos, políticos, entre outros.

No Quarto Jornalismo, as notícias são reconhecidas como mercadoria, produtos à venda em última instância, processo acirrado pela queda do muro entre os departamentos de jornalismo e publicidade/marketing das empresas jornalísticas, que produz uma série de consequências à interação entre o produto final e o sujeito receptor – apesar de o sujeito não ser refém sem possibilidades de reação de todo este contexto. A mídia não tem o poder ditatorial de determinar as ações sociais, mas possui uma capacidade espantosa tanto de explicitar determinados assuntos quanto de silenciá-los na busca incessante pelo lucro e pela reprodução das redes dominantes de poder. Neste emaranhado de produtos midiáticos se encontram “sentidos que não são simples reflexos ou cópias da realidade, mas são, isso sim, realidades produzidas e embaladas de tal modo que o receptor as consome sob o rótulo de verdades prontas, embora não sob o determinismo de nelas crer” (DUTRA, 2005, p. 252).

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