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Mídia televisiva e formação docente: propondo um “estado da arte”

CAPÍTULO II – PROPOSTA DE FORMAÇÃO DOCENTE PARA O USO DA

2.2 Mídia televisiva e formação docente: propondo um “estado da arte”

Existem diversos trabalhos envolvendo a área da mídia televisiva e educação. Em livros derivados de pesquisas empíricas, sítios na internet, anais de eventos científicos, é possível encontrar abundante literatura resultante de investigações nesse campo, seja em contexto nacional ou internacional. Quando o estudo se situa no domínio da formação docente, as fontes se tornam um pouco mais escassas, já que grande parcela das pesquisas se

 

  

preocupa em constatar como pais e professores utilizam a TV e demais mídias, apontando possíveis encaminhamentos para o problema.

Em âmbito nacional, alguns referênciais podem ser mencionados. O livro “O que é mídia-educação”, da professora Maria Luiza Belloni (UFSC) relata em seu último capítulo uma experiência com o “Programa formação do telespectador”, consistindo numa experiência de educação para as mídias, com o objetivo de formar crianças, adolescentes e professores para o uso crítico e criativo da televisão, iniciando esse público no processo de recepção e discussão das mensagens televisivas.

Segundo a própria pesquisadora, que participou da idealização do material desse projeto (kit contendo fita de vídeo, livro do aluno e manual do professor), o programa buscou atingir duas metas: “contribuir para a educação do jovem telespectador e sensibilizar os professores, pesquisadores e autoridades educacionais para a urgência da integração à escola da linguagem audiovisual [...]” (BELLONI, 2001, p. 46). Na verdade, trata-se de material didático para ser aplicado junto a alunos do ensino fundamental, que apresenta de forma irreverente e bem humorada alguns temas sobre TV e seus programas. Foram realizadas experiências em quatro estados brasileiros (Rio de Janeiro, Brasília, Rio Grande do Norte e Santa Catarina) durante o ano de 1993.

Na maioria dessas localidades, as experiências apresentaram-se exitosas, com exceção do RN, cuja sistemática ocorreu diferente dos demais estados, pois o kit foi deixado em locais específicos, sem a realização de atividades de formação. No caso específico do Estado de Santa Catarina, local no qual a pesquisadora participou de forma ativa na experiência, houve resultados positivos, tanto que os participantes (alunos e professores) solicitaram a continuidade do trabalho devido ao grande interesse despertado pelo tema. Os kits também foram disponibilizados para algumas “instituições multiplicadoras”, como universidades e demais centros de ensino interessadas em utilizar os materiais.

 

  

Um interessante relato de experiência encontra-se no livro da professora Rosa Maria Bueno Fischer – Televisão e educação: fruir e pensar a TV (2001), no capítulo denominado “A TV como objeto de estudo na educação: idéias e práticas”, escrito por Sylvia Magaldi. Esta autora mostra o relato dos encontros semanais denominados “Iniciação à televisão, sua linguagem, mensagens, emoções e truques”, compondo a série “Imagem e Educação”, propostos para dar continuidade às oficinas de leitura de vídeo já realizadas pelo SENAC de São Paulo, destinadas a professores da educação básica e que visava o desenvolvimento de um programa de educação para a televisão nas escolas.

O trabalho partia de uma seqüência com etapas definidas: assistir e reagir, verbalizar, ouvir o relato das diferentes percepções, voltar a assistir, distanciar-se, analisar em grupo, refletir sobre o conjunto da experiência. Havia em cada sessão uma temática específica, impulsionada pelos vídeos destinados a cada dia de trabalho, segundo uma pauta de exibições. Eles funcionavam como elemento desencadeador das discussões. O texto não evidencia a “aplicação” das discussões em solo educativo, sendo essa uma atividade, segundo a autora, para ser cumprida em outro momento. Magaldi considera que há uma carência em termos de repertório cultural, formativo e informativo do professorado. Tal repertório serviria para ampliar e diversificar a visão de mundo dos mestres, com benefícios para a escola (FISCHER, 2001, p. 139). A autora finaliza alertando para um fato constatado, tanto na sua experiência nos cursos-oficinas, quanto na observação de professores em outros contextos:

A sensibilidade e a inteligência de todas as pessoas precisam de afetos e de idéias como alimentos essenciais. Podem nos vir da prosa e da poesia que lemos, da música que ouvimos, das peças teatrais, filmes e programas de TV a que assistimos, das exposições de arte que visitamos. Também podem vir, claro de pessoas com quem interagimos e de cursos que freqüentamos. Essas são as fontes que formatam e apuram nossos repertórios. A sensibilidade e a inteligência da maioria dos professores estão dramaticamente carentes desses alimentos. Regras impessoais em lugar de afetos, modelos e clichês em lugar de idéias (FISCHER, 2001, p. 139).

 

  

O artigo escrito por Pontes (2009) também aponta uma vivência no campo da formação docente para o uso da mídia televisiva. No artigo denominado “A educação das crianças na sociedade tecnológica: desafios e perspectivas no desenvolvimento de uma educação para/com tecnologias midiáticas”. O estudo é um desdobramento da sua pesquisa de doutorado em andamento, vinculada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), na qual investiga, primeiramente, as concepções que permeiam o imaginário de professores da Educação Infantil sobre as implicações da TV na aprendizagem das crianças e, num segundo momento, o desenvolvimento de um processo de formação continuada com o grupo de professores investigado, com vistas a fornecer os fundamentos teóricos e metodológicos necessários ao desenvolvimento de habilidades e competências para o oferecimento de uma educação com/para as mídias na infância.

Para tanto, Pontes utilizou como proposta metodológica a pesquisa- intervenção, buscando produzir uma relação entre teoria e prática, a partir da construção de um repertório conceitual mínimo sobre mídia e educação. Realizou levantamento prévio, por meio de entrevistas e observações, de como funcionava o imaginário dos docentes quanto à relação televisão e educação. Em seguida, formou um grupo de estudos, fornecendo aos envolvidos textos teóricos abordando o assunto mencionado. Na continuidade, foram propostos projetos pedagógicos tendo como fundamento o esquema construção-ação- reflexão-reconstrução-ação.

Pontes constatou a existência de carências, em termos de conhecimentos e saberes pedagógicos específicos, relacionados ao campo da mídia-educação. Isso impediu que os profissionais atuassem como leitores/receptores/espectadores críticos no espaço educativo, além de não terem se mostrado capazes de utilizar a linguagem da mídia televisiva e demais tecnologias de modo competente. Há, ainda, um descompasso entre a formação docente oferecida pelas licenciaturas e cursos de formação continuada e o cotidiano escolar. Também reconheceu a urgência de iniciar o contato com as tecnologias midiáticas (destacando a mídia televisiva) desde a mais tenra idade, dando início ao processo de construção crítica da realidade.    

 

  

Outro material relevante sobre o tema da formação docente e mídia televisiva é o texto de Carneiro (2003) intitulado “Integração da TV na prática, na formação do professor: desejos, propostas, desconfianças, aprendizados”. O texto trata da viabilidade da integração da TV na formação do professor, preparando-o para o uso competente desse recurso audiovisual no interior da escola, vislumbrando-o como instrumento de ensino, de aprendizagem e cultura audiovisual.

Na mediação desse processo, o professor potencialmente preparado, vai auxiliar os estudantes na compreensão crítica da TV pela integração deste meio aos conteúdos curriculares. O artigo menciona que a não incorporação dos audiovisuais à prática pedagógica está vinculada à falta de qualificação específica do corpo docente.

Os escritos de Carneiro apontam o conceito de mediação pedagógica relacionado ao emprego educativo da mídia televisiva, considerando-o um processo no qual são estabelecidas relações de análise, seleção e questionamento, permitindo uma melhor compreensão de si mesmo e do entorno. Por intermédio desse conceito é possível apreender os textos televisivos, criticando-os e recriando-os, passando a ressignificá-los a partir do envolvimento com as imagens.

Ao longo do artigo, encontramos resultados de outras investigações22 e constatações de Carneiro em suas incursões profissionais no campo da mídia televisiva e formação docente, tais como a afirmativa de que os professores- telespectadores omitem declarar que assistem ao gênero telenovela (CARNEIRO, 1999). Sua participação como coordenadora pedagógica no projeto de programação educativo-cultural do Sistema de Teleducação do Rio Grande do Norte (SITERN) na década de 1980 (CARNEIRO, 1984), garantiu,

      

22 Todas as investigações citadas por Carneiro neste parágrafo encontram-se no artigo com a

seguinte referência: CARNEIRO, Vânia L. Quintão. Integração da TV na prática, na formação do professor: desejos, propostas, desconfianças, aprendizados. In: 26ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - Anais do Grupo de Educação e Comunicação - GT 16, Poços de Caldas, 2003, p.11-34.

 

  

pela experiência adquirida em solo natalense, elementos para a composição da dissertação de mestrado, que tratou da produção de vídeos com crianças (CARNEIRO, 1987). Ademais, suas experiências enquanto docente na Universidade de Brasília (1990), ocasião em que pretendia reformular as disciplinas da antiga “tecnologia educacional” para uma abordagem mais contemporânea, acompanhou-se do oferecimento de projetos de pesquisa na área de produção de vídeo e prática pedagógica, auxiliaram na evolução da autora e da área por ela estudada.

Por fim, Carneiro se refere ao curso TV na Escola e os Desafios de Hoje, proposto pelo governo federal, a fim de verificar a eficácia da proposta. Para tanto, seleciona 40 professores cursistas do Distrito Federal (DF) aleatoriamente. Os memoriais constituíram material de análise, revelando uma mudança de mentalidade dos professores a partir da participação no curso. São encontradas dificuldades em termos materiais (acesso aos vídeos, recursos tecnológicos quebrados). A par disso, houve, em casa, com familiares, a socialização do conteúdo dos módulos. O curso defende a mudança de concepção e segurança no uso da TV na prática educativa, despertando nos participantes a vontade de expressão na linguagem audiovisual. Em suma, conclui a autora que é de reconhecida relevância a implementação de propostas de formação priorizando as mídias na educação.

Outro estudo de relevo realizado em terras paraibanas, denominado “Educação midiática na formação docente: construindo competências para tele- visores” também merece destaque. Escrito por Santos e defendida no ano de 2007, a dissertação de mestrado teve como preocupação fazer uma descrição pormenorizada de como dois cursos de licenciatura desenvolvem competências necessárias para o manuseio crítico e criativo da mídia televisiva na prática pedagógica.

Santos vê na mídia televisiva diversas potencialidades educativo- pedagógicas a serem exploradas. Mostra a urgência de implementar, na formação inicial do professor, discussões contemplando o fenômeno da televisão, considerando o contexto da sociedade midiática. Emerge, nesse

 

  

contexto, o conceito de competência, questionando se os cursos em análise estão formando competentemente os estudantes de licenciaturas para os desafios impostos pelo campo profissional, em cujo domínio as tecnologias se tornaram requisito obrigatório.

Para a coleta de dados, ela utilizou questionários, entrevistas, pesquisa documental e interligou os depoimentos com o referencial teórico disponível. Pelos dados apresentados, fica evidente a necessidade de reconfigurar as propostas curriculares direcionadas aos cursos de licenciatura analisados, colocando a televisão no centro das discussões, visando a empregá-la, igualmente na perspectiva de “objeto de estudo” e um desafio para o ensino superior.

O artigo redigido por Fantin (2007) de título “Mídia, educação e formação de professores” traz importante contribuição para elucidar a relação dos três elementos apresentados pelo título do seu texto. A escritura começa com o estabelecimento da relação entre as mídias e os desafios impostos à educação, reconhecendo o papel da escola na ampliação das experiências dos discentes, a partir de uma compreensão mais ampla sobre as novas demandas da pratica educativa. “Considerando que na nossa cultura a televisão tem uma enorme inserção na vida das pessoas, a formação inicial não pode deixar de problematizar essa questão” (FANTIN, 2007, p. 263).

O segundo tópico trata sobre os referenciais teóricos de sustentação do campo da mídia educação, assim como os contextos nos quais tem se manifestado (crítico, metodológico e produtivo). No terceiro tópico, o enfoque recai sobre os saberes e competências para a formação do professor, destacando o perfil profissional do “mídia educador”, considerando que a competência desse profissional envolve tanto a mediação cultural quanto a técnica. Há ênfase na delimitação das áreas de competência profissional, em detrimento da especificação de um perfil único do mídia educador, pois considera a existência de múltiplos perfis e identidades nesses profissionais.

Fazendo um levantamento nos arquivos do Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGEd/UFRN), na tentativa de encontrar vestígios

 

  

sobre possíveis pesquisas englobando a relação mídia televisiva e formação docente, não encontramos investigações centralizadas no ponto em discussão. Existem pesquisas que abordam a relação televisão e práticas educativas, mas o enfoque dado à formação de professores torna-se secundário, como é o caso das pesquisas desenvolvidas por Accioly (2006) e Real (2006). Na primeira, o foco recai em análise das representações sociais da televisão por parte das mães/educadoras, na condição de telespectadoras, visando compreender o significado atribuído a essa mídia em seus cotidianos, assim como o modo de incorporação desse recurso na prática pedagógica. No segundo, encontramos um estudo sobre o ensino de língua portuguesa através do programa “Afinando a língua”, exibido no Canal Futura. Este programa é visto como ferramenta para o professor no ensino dessa disciplina curricular, ampliando suas possibilidades de intervenção.

Diferentemente dos dois últimos estudos apresentados, a pesquisa em evidência procurou mostrar uma proposta de formação docente, lançando possíveis encaminhamentos que permitissem a construção da autonomia do professor na criação de suas próprias estratégias no campo da mídia televisiva e educação.

Daí a relevância deste trabalho para as discussões entre mídia e formação docente, no sentido de lançar alternativas metodológicas para a formação do professorado, além de inseri-lo no universo discursivo da mídia, ocasionando possível desenvolvimento de propostas de leitura crítica no espaço escolar.

2.3 Escolhendo os caminhos da investigação: a pesquisa-ação-