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Música do Brasil e a rede de Hermano Vianna

A vida é uma coisa que a gente não segura. O sujeito inventa, altera, traz um dado novo, o outro recebe diferente, porque o outro é diferente.

Paulinho da Viola, em entrevista ao programa Música para Acabar em Samba

Os anos 1980 foram marcados pela abertura política a partir da retomada democrática após o último governo militar, de João Batista Figueiredo, e uma intensa instabilidade econômica, com a inflação em alta e a troca recorrente da moeda nacional. No campo das artes, Silviano Santiago observa que é o período de um debate democrático que resultou na rejeição do domínio da “alta cultura”, a fim de tornar a arte um instrumento para a criação de novas identidades (Naves, 2010:14).

No campo musical “oficial”, esta é a década marcada por dois fenômenos de mercado: a consolidação das majors – as grandes companhias passam a ser, além de produtoras e distribuidoras de música, verdadeiros conglomerados de entretenimento integrado (televisão, cinema etc.) – mas também o fortalecimento de um circuito de gravadoras independentes (Ochoa, 2003:17-18). Em termos de estilo, uma das principais apostas das majors é o rock nacional, com bandas do Rio, de Brasília e de São Paulo estourando em rádios e programas de TV. A influência estrangeira não gera tanta preocupação quando nos anos 1970, tanto pela comprovação da força da MPB quanto pela capacidade de se dar uma “feição brasileira” ao rock (ainda que um evento como o Rock in Rio, em 1985, tivesse motivado alguma reação contra o gênero “artificial”). Depois das letras de exaltação dos sambas de enredo e de contemplação da bossa nova, os grupos roqueiros surgem com letras pessimistas, de consternação (Vianna, 1995:132). Outros gêneros estrangeiros, como o rap e o reggae jamaicano entram no país também nesta época, trazendo influências definitivas (Naves, 2010:19).

Nos anos 1990, as apostas da indústria fonográfica se expandem: além do rock brasileiro (que se complexifica, com diversas vertentes), as duplas sertanejas, o pagode e o axé se firmam. Este último gênero, que nasce a partir dos trios elétricos e dos blocos afros do carnaval de Salvador, consolida um mercado regional de discos (como o forró já tinha feito nos anos 1970 e a lambada nos anos 1980) e é descoberto pelas majors quando já faz sucesso (Vianna, 1995:138). A produção independente ganha mais força

com os avanços tecnológicos, sendo espaço para as experimentações eletrônicas que também se estabelecem naquela década, bem como a possibilidade de consolidação de alguns gêneros de música local (Ochoa, 2003:20).

Este resumo mínimo da situação musical “oficial” das últimas décadas do século XX no Brasil não dá conta das manifestações populares como as registradas por Mário de Andrade e Marcus Pereira. Se a world music ganhou espaço, apresentando ao mundo gêneros outrora exclusivamente locais, aquelas músicas brasileiras que embalam festas e rituais continuavam sem receber muita atenção da indústria fonográfica. Entretanto, um movimento nascido em Recife no começo dos anos 1990 vai estimular a experimentação baseada na mistura, envolvendo as músicas tradicionais: o manguebeat (ou manguebit, como grafado por alguns) foi criado por músicos insatisfeitos com os rumos sonoros que testemunhavam. Mangue, ecossistema comum daquele estado que é marcado pela diversidade e riqueza biológica, passou a designar uma batida criada por Chico Science que juntava o hip hop com o ritmo do maracatu e, em seguida, toda uma cena cultural – que, apesar de capitaneada pelos grupos Chico Science e Nação Zumbi e mundo livre s.a. (grafado em minúsculas mesmo), ia além da música.

Seu release/manifesto, escrito pelos jornalistas Renato L e Fred Zeroquatro (também vocalista do mundo livre s.a.), convidava à criação de “uma cena tão rica e diversificada como os manguezais, capaz de tirar o Recife de coma e conectar sua criatividade com os circuitos mundiais”. Por isso, a imagem usada era de uma parabólica enfiada na lama. Para Moacir dos Anjos (2005), diferente de movimentos culturais anteriores que ajudaram a intensificar a imagem do Nordeste – noção territorial que, como lembra o autor, só vai se consolidar no fim do século XIX –, algumas vezes calcados em reações protecionistas em relação ao fluxo de bens culturais que pudesse minar a identidade, o manguebeat trouxe “a ideia mais madura do que seria a identidade cultural nordestina na contemporaneidade”, por meio das trocas culturais.

Musicalmente, o manguebeat teve um impacto forte na cena roqueira nacional. Mais do que a definição de mistura entre rock e maracatu (até porque o mundo livre s.a. sempre foi mais voltado para o samba), seu ideal era estimular a diversidade e permitir que ela entrasse no tal “circuito criativo mundial”. A fusão de pop/rock com gêneros locais fez a cabeça de músicos de outras regiões. Nação Zumbi e mundo livre s.a. logo conseguiram contratos com gravadoras (respectivamente Sony e o selo Banguela, dos Titãs). A música considerada “tradicional” ganhava atenção de um público novo: o jovem.

Se não era a primeira vez que ela ganhava espaço entre músicos pernambucanos profissionais (vide as experiências do Quinteto Armorial e mesmo do Quinteto Violado, entre outros), tratava-se de uma proposta diferenciada, com ênfase na mistura com outros elementos. Segundo Moacir dos Anjos, “em vez de causar a morte das tradições musicais, o movimento tornou-as contemporâneas dos que se ocupam da criação artística local. Há muito não se tocavam e ouviam tanto e tão longe alfaias de maracatu, toadas de cavalo-marinho, a cadência hipnótica da ciranda”. Atento às discussões sobre apropriação geradas por experiências anteriores, Fred Zeroquatro escreveu um artigo para o suplemento cultural do Diário Oficial de Pernambuco, criticando os músicos que pesquisavam os gêneros tradicionais “difundindo mundo afora uma versão mais „educada‟ do que a original – pouco importando que os mestres continuem ignorados”. (apud Teles, 2000)52. Protagonista de alguns embates verbais com Chico Science (a quem sugeria usar “Ciência” no lugar do nome em inglês), o escritor e então secretário de cultura de Pernambuco Ariano Suassuna marcou presença no enterro do artista, vitimado num acidente de carro em 1997.

A possibilidade de ver os elementos do mangue, inclusive os ditos tradicionais, entrando com o mesmo valor no liquidificador cultural para gerar misturas contemporâneos foi uma mudança simbólica no cenário artístico brasileiro. Lançado em 2000, mas gestado na segunda metade dos anos 1990, o projeto Música do Brasil focava na mistura da qual o manguebeat era um dos exemplos principais. Na crítica sobre a caixa de discos do projeto publicada no site Cliquemusic (em 27 de junho de 2000), o jornalista Carlos Calado diz que o trabalho coordenado por Hermano Vianna chegava em boa hora, “fechando uma década em que até o pop e o rock nacional parecem ter perdido enfim a vergonha de beber nas fontes da música popular brasileira”.

3.1: Uma vida nos extremos

Foi em 1960, início de uma década marcada pela efervescência cultural e endurecimento político, que nasceu Hermano Vianna. Filho de militar, nascido em João Pessoa, na Paraíba, ele passou a infância se mudando a cada dois anos por conta do emprego do pai na Aeronáutica. “Acho que esse movimento todo marcou minha visão de mundo. Me acostumei com a ideia de que tudo muda, nada é para sempre”, declarou ele à revista Trip de abril de 2000. Em Brasília, onde passou parte da adolescência, tem lembranças de ver Geisel e Figueiredo de perto, pois seu pai foi piloto da presidência.

Com o sonho de ser cientista, fez vestibular para engenharia química e cursou a faculdade por três anos, até largar para assumir a segunda opção: ciências sociais. (Revista Trip, julho de 2007:27)

A vida adulta o fixou no Rio de Janeiro. Hermano se formou em ciências sociais na UFF, com uma monografia sobre como a imprensa brasileira cobria o movimento punk. E fez mestrado e doutorado no Museu Nacional/UFRJ, com dissertação sobre os primórdios do funk carioca (em 1987) e tese sobre a consolidação do samba (em 1994), que resultaram nos livros O mundo funk carioca e O mistério do samba (ambos publicados pela Jorge Zahar/Editora UFRJ)53. Ambas as obras são consideradas referências sobre os temas abordados, sendo a primeira o trabalho precursor sobre os bailes funk, no momento em que ainda tocavam apenas música internacional, e a segunda uma reflexão sobre o processo de ascensão do samba a gênero musical nacional. Em entrevista ao livro MPB em discussão, Hermano explicou:

A tese de doutorado até começou como uma tese sobre o rock brasileiro, sobre identidade nacional e outras coisas. Nunca fiz antropologia da música em um determinado sentido, mas sempre usei a música para falar de outras questões, como as de identidade, indústria cultural etc. (Naves, Coelho e Bacal, 2006:278)

Esse foco se manteve em seu campo de interesse, não só na carreira acadêmica. Ao longo dos anos 1980 e 1990, Hermano se dedicou também ao trabalho como roteirista e documentarista, além de assinar alguns artigos para jornais e revistas. Escreveu, por exemplo, o primeiro artigo sobre o rock de Brasília, publicado na revista

Mistura Moderna, de Ana Maria Bahiana (Idem:277). Volta e meia é lembrado na

imprensa como uma espécie de guru dos Paralamas do Sucesso, grupo de seu irmão Herbert. De fato, sua curiosidade por descobrir sons diferentes influenciou de alguma forma a incorporação de novos ritmos ao rock do grupo, como o samba e o ska.

Trabalhou como roteirista nos documentários African Pop (TV Manchete, 1987), sobre a música africana, e Além Mar – série de cinco programas exibida no canal GNT em 1999 sobre a herança portuguesa nos países colonizados. “As pessoas falam muito mal dos anos 80, mas eles trouxeram uma radicalização da democratização tecnológica, das pessoas terem acesso aos equipamentos e poderem fazer coisas com isso. (...) Sou contemporâneo da primeira geração do vídeo brasileiro”, declarou na entrevista para a

53 A dissertação pode ser lida no link http://www.overmundo.com.br/banco/o-baile-funk-carioca-hermano- vianna

revista Trip em abril de 2000. Desde então, costuma dizer que fazer televisão no Brasil é um “dever cívico”, enquanto vê boa parte dos intelectuais rejeitar aquela mídia.

Nos anos 1990, Hermano trabalhou como redator do Programa Legal e, posteriormente, do Brasil Legal, ambos apresentados por Regina Casé na Rede Globo. O segundo mesclava ficção humorística com jornalismo, buscando personagens e situações curiosos em vários estados do país. Em determinado momento os redatores criaram um quadro no programa dedicado a personagens que montariam um panorama da cultura brasileira, aproveitando a possibilidade de ir a lugares de difícil acesso.54 Nele apareceu gente como dona Militana, cantadora de romances do Rio Grande do Norte, que mais tarde seria uma das participantes de Música do Brasil (com o nome artístico de Maria José).

Um ponto em comum pode ser observado nos trabalhos e reflexões de Hermano, seja em seus livros sobre funk e samba, seja nos programas de TV ou ainda nos artigos que escreveu para jornais: o elogio à mistura. De estrangeiro e nacional, de elite e povo, de centro e periferia, de tradicional e inovador, de popular e “popularesco”. Ao analisar o baile funk dos anos 1980 no mestrado, refletiu sobre o interesse dos funkeiros por música americana, importando também “um modelo de comportamento de uma minoria marginalizada de metrópoles dos EUA” (Vianna, 1987:102). Desde então, tornou-se uma espécie de porta-voz do funk, participando de diversos debates (segundo ele, mais na secretaria de segurança do que na de cultura). No doutorado, seu objetivo foi entender qual o papel do encontro de grupos distintos na transição do samba de gênero marginalizado para ritmo nacional:

Não penso ser uma afirmação arriscada dizer que o samba não é apenas uma criação de grupos de negros pobres moradores dos morros do Rio de Janeiro, mas que outros grupos, de outras classes e outras raças e outras nações, participaram desse processo, pelo menos como “ativos” espectadores e incentivadores das performances musicais. (Vianna, 1995:35)

Assim, o fato de um cantor como Mário Reis gravar músicas tanto de seu professor de violão Sinhô como de seu colega de faculdade Ari Barroso ajudou a fazer do samba “uma espécie de denominador comum musical entre vários grupos, o que facilitou sua ascensão ao status de música nacional”. Essa ascensão também dependeu da criação de uma imagem “autêntica” do samba, que na verdade já seria uma reinvenção do primeiro samba, mais amaxixado. “Numa discussão entre Donga e

54 As citações de falas de Hermano Vianna sem crédito ou referência dizem respeito à entrevista a este trabalho concedida em 26 de julho de 2010.

Ismael, este dizia que Pelo telefone, composição „de‟ Donga, não era samba e sim maxixe; e aquele dizia que Se você jurar, de Ismael, não era samba e sim marcha. Quem tem a verdade do samba?” (Idem:122). O questionamento sobre as pretensas autenticidades vai ser uma constante em outros trabalhos do autor.

A valorização da diversidade cultural e a vocação para um papel mediador são elementos que aproximariam Hermano de Gilberto Freyre, na visão de Sean Stroud55. No texto de apresentação de O mistério do samba, Hermano trata de se justificar em relação a uma crítica recebida na banca de doutorado: de que teria pecado por um “gilbertofreyrecentrismo”. Ele explica que quis mostrar que a ideologia mestiça do intelectual pernambucano teve importância simbólica para os rumos do país, mas sua intenção não era avaliar se isso era bom ou ruim. Hermano vê valor no autor de Casa

grande e senzala mesmo em suas ambiguidades: o cosmopolitismo e o amor à cultura

popular de um lado, os fundamentos aristocratizantes do outro. Citando a resposta do pensador pernambucano a Manuel Bandeira em relação a seus gostos culinários, mais voltados para a comida anglo-saxã do que à regional brasileira, o autor de O mistério do

samba indaga:

Será preciso conciliá-los (os dois paladares)? Não, se a preferência, tantas vezes efêmeras, por um dos “paladares” não significar o desprezo ou a condenação do outro. Como, para Gilberto Freyre, o paladar mestiço e tropical é o mais “fraco” no panorama intelectual, sua defesa é prioritária. O caviar já teria advogados em demasia. (Vianna, 1995:84)

A conciliação de visões diferentes é outra característica que aproxima Hermano e Gilberto Freyre, mas considero a comparação entre os dois limitada. Seria possível traçar paralelos também com a curiosidade musical de Mário de Andrade ou os desejos antropofágicos de Oswald de Andrade, mostrando um coquetel de influências. Deste coquetel ele tirou sua estratégia: procura sempre atuar nos extremos.

Em um livro que dei pro Gil e virou uma espécie de livro de cabeceira dele, de um filósofo francês chamado François Jullien, Um sábio não tem ideia, ele fala que virtude é ocupar os dois extremos ao mesmo tempo. Por isso fico na Rede Globo e no software livre: ocupar os extremos sem escolher. Quando você escolhe uma posição, apaga uma parcela da complexidade da vida... Quando você acredita muito em alguma coisa se torna escravo, sem humor. Você tem que ser infiel às ideias em que acredita. (Entrevista à revista Trip em julho de 2007)56

55 No capítulo que trata de Música do Brasil e do projeto Rumos do Itaú Cultural em seu livro The

Defence of Tradition in Brazilian Popular Music.

56 Exemplo de como Hermano segue priorizando os extremos hoje: em sua coluna para o jornal O Globo de 10/12/2010, ele conta que pensou em batizar aquele espaço com o nome “Fronteira”, no sentido de

Música do Brasil, que lhe permitiu colher exemplos sonoros em todo o país,

talvez tenha sido, por enquanto, o projeto que mais deu possibilidade a Hermano para mostrar o valor das misturas e as extremidades da realidade brincante brasileira.

3.2: A gênese de Música do Brasil

A partir das viagens proporcionadas pelos programas de TV que roteirizava, Hermano começou a montar um mosaico cultural e passou a planejar um projeto voltado para a música que ouvia nos diferentes estados que visitou. A ideia inicial era fazer registros em áudio, com eventuais incursões audiovisuais.

Durante quatro ou cinco anos, debruçou-se no que havia de experiência semelhante no Brasil e no mundo: leu livros de etnomusicologia, ouviu antologias “folk” estrangeiras, leu também sobre o trabalho de pesquisa de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, ouviu as coleções de Música Popular do Brasil, da Discos Marcus Pereira (em entrevista para a Trip em abril de 2000, diz que o disco da coleção comprado na década de 1970 o fez “passar a gostar desse tipo de música”); ouviu alguns discos da coleção Documento Sonoro do Folclore Brasileiro, da Funarte, e leu os Cadernos de

Folclore, da mesma instituição.57 Também absorveu tudo o que podia da Missão de

Pesquisas Folclóricas, mais em leitura do que em audição – na época, só havia possibilidade de ouvir 23 faixas disponíveis no CD da coleção Música em Perigo da Biblioteca do Congresso Americano.

Depois, começou a conversar com possíveis parceiros. Conheceu o músico Beto Villares em São Paulo através do diretor André Vaisman. Beto tinha feito parte do curso de música na USP e estudou música popular nos Estados Unidos. À época, fazia trilha sonora para filmes e estava trabalhando em uma revista de CD-Rom, onde planejava um número sobre ritmos brasileiros. Engajou-se no projeto, mas assume que na época sabia muito pouco sobre os gêneros que viria a gravar e não tinha tanta experiência com gravações em ambientes abertos.

Segundo Hermano, foi graças a André Vaisman que houve o contato com Victor Civita Neto. Vaisman trabalhava na MTV, emissora integrante do Grupo Abril, da família de Victor. Este e Hermano se conheceram no Rio de Janeiro, no show de Ru Paul, segundo Victor, que à época dirigia a produtora Abril Entretenimento. “Ali, disse

edge (extremidade): “Trataria apenas da produção cultural que cruzasse limites estabelecidos pelo lugar comum, transformando o mundo ou inventando novas maneiras para se viver a vida”.

57 As referências aos projetos de Marcus Pereira e Mário de Andrade são mais recorrentes, mas Hermano contou em entrevista que se baseou bastante nos cadernos e discos de folclore da Funarte.

ao Hermano que estava interessado em sair do eixo pop/rock Rio-São Paulo, que queria descobrir sobre a verdadeira música popular do nosso país. E o Hermano me contou que tinha uma ideia de viajar com uma pequena equipe para registrar muita coisa”, explicou ele.58 Assim, a partir deste desejo pessoal, Victor levou a ideia aos acionistas e conseguiu convencê-los a investir no projeto, que foi totalmente patrocinado pela empresa, sem contar com apoio de lei de incentivo.

Victor não revelou o valor total investido, mas disse que estava entre as duas cifras que expus a partir de pesquisa: entre US$2 milhões (citada por Sean Stroud em

The Defence of Tradition in Brazilian Popular Music) e US$4 milhões (citada no artigo Viagens folclóricas e etnográficas no Brasil: duas perspectivas na composição de acervos musicais, de Nilton Silva dos Santos, 2008). A matéria da revista Trip de abril

de 2000 sobre o projeto fala em R$4 milhões. Victor explicou ainda que a iniciativa não tinha sido criada na intenção de dar prosseguimento aos antigos projetos do grupo Abril voltados à música brasileira – como os 48 fascículos da História da Música Popular

Brasileira, que eram vendidos em banca de jornal com texto e disco. Lançado em 2000, Música do Brasil acabou coincidindo com a fase de comemorações dos 500 anos do

país.

As conversas iniciais deram a feição multimídia que viria a caracterizar o projeto. Hermano tinha intenção de dar ênfase ao registro em áudio, mas Victor propôs a produção concomitante de uma série para a televisão, visando apresentá-la na MTV. Para cuidar desta parte, foi convidado Belisário França, com quem Hermano já havia trabalhado em Brasil Legal e Além Mar. Mais tarde, com o projeto já consolidado, resolveram fazer também um livro de fotos sobre a viagem – que propiciou o engajamento do fotógrafo Ernesto Baldan, com quem Hermano já tinha trabalhado em parceria para produzir matérias para a revista Trip. Mas, antes de pensar em tais produtos, a principal preocupação de Hermano era garantir que todo o material documentado – que, naturalmente, não caberia inteiramente nos discos, programas e livro – ficasse bem conservado (“única exigência no meu contrato”, explicou) e, preferencialmente, disponível para pesquisadores. Este desejo determinou certas decisões adotadas, como transcrever todos os diálogos das gravações audiovisuais brutas e gravar todas as músicas em 16 canais, com separação em sessões de ProTools,

58 Entrevista à autora em 24 de agosto de 2010, por email. Curiosamente, boa parte dos outros entrevistados disseram lembrar que a ponte com Victor Civita Neto foi feita por meio do diretor

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