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Música, progresso e sociedade: Adorno e a Segunda Escola de Viena

Capítulo 03: Adorno e o Progresso

2. Música, progresso e sociedade: Adorno e a Segunda Escola de Viena

Dentre todos os filósofos que se dedicaram à filosofia e à estética musical, Adorno talvez seja o que mais se destacou em sua formação. Ele teve aulas de composição com

Bernhard Sekles e Eduard Jung, antes mesmo de ter sido orientado pelo famoso compositor Alban Berg da segunda escola de Viena. Além de Berg, Adorno estudou com Eduard Steuermann em Viena a partir de 1925. Todavia, o filósofo frankfurtiano já deixara sua marca artística com algumas obras executadas em público antes de sua mudança de país.

Para Adorno, Berg exerceu um importante papel em sua trajetória musical. Não foi apenas um professor de composição, mais um teórico da música, preocupado em discutir os elementos da pura técnica musical. Eram envolvidos pelas figuras filosóficas de Walter Benjamin, Kirkegaard, Husserl e também artísticas como Proust, Thomas Mann e Schostakovitsch. Em um poema escrito por Adorno para homenagear Berg em 1956, ele diz:

Berg estava vivo e sua música era apreciada pela sua expressividade, seu tom humano e também, sem dúvida, por sua plena sensualidade frente a seu professor Schoenberg. [...] Após a estréia de Wozzeck, em Berlim, em Dezembro de 1925, fomos passear pela cidade até a noite, e teve que consolá-lo pelo êxito, o maior da sua vida: se as pessoas gostaram, dizia ele, é porque algo estava errado (2006, p. 88).

As músicas que Adorno compôs, no entanto, parecem ter sido rejeitadas por ele em sua grande maioria. Seus textos de filosofia e musicologia não citam nenhuma de suas obras. Segundo Alberti da Rosa, a maioria dos trabalhos do filósofo eram Lieder, isto é, canções feitas para voz solista com acompanhamento de piano. Ele também teria criado algumas peças para orquestra de dimensões modestas (2003, p. 52).

Além de Berg, com o qual Adorno estabeleceu um contato por correspondência durante dez anos, Ernst Krenek foi uma figura central para o filósofo da música. O relacionamento com Krenek durou cerca de 35 anos. O que mais impressionava Adorno em Krenek era seu estilo de composição. Todavia, Krenek admirava o amigo pela sua capacidade de filosofar. Os dois se encontram pela primeira vez em 1924, quando Krenek experimentava suas primeiras obras com o atonalismo livre e com o dodecafonismo (ALBERTI DA ROSA, 2003, p. 53).

As composições de Adorno não o incluem no círculo dos compositores dodecafônicos rígidos como foi Krenek. A técnica de composição que Adorno empregava seria mais um livre uso do atonalismo, emancipado da tonalidade clássica, mas sem influência dos princípios de composição serial ou dodecafônica. Assim, fica uma pergunta a ser feita: porque um compositor habilidoso no uso de sons em série, não o teria utilizado em suas próprias músicas, exceto em algumas obras?

Segundo Jorge de Almeida, a técnica dodecafônica seria apenas para Adorno “uma etapa preliminar de organização do material, que justamente possibilita a realização da liberdade da fantasia” (2007, p. 249). Estudando as composições dos três maiores representantes da escola de Viena, o filósofo frankfurtiano concluiu que o sistema dodecafônico era utilizado por eles de maneira bastante particular, isto é, cada um extraia resultados extra-seriais. Na Filosofia da Nova Música, o próprio Adorno afirma que “Schoenberg violenta a série” por fazer uso de elementos residuais de tonalismo sem renegar o dodecafonismo:

Na realidade, Schoenberg considera a técnica dodecafônica na práxis da composição como uma pura e mera preformação do material. Schoenberg “compõe” com a série, domina-a com superioridade, mas também como se nada houvesse ocorrido. Daí resultam continuamente conflitos entre a constituição do material e o procedimento imposto a este (2004, p. 90). Quanto a Alban Berg, este “se serve” da série para suavizar a dureza da construção dodecafônica, mas não deixando de criar uma atmosfera em que a técnica esteja quase que dominando todo o material sonoro.

[...] todo o esforço tende a não deixar que se distinga a técnica dodecafônica. Precisamente as partes mais felizes de Lulu estão notoriamente concebidas em função de dominante e movimentos cromáticos. A essencial dureza da construção dodecafônica fica suavizada até tornar-se irreconhecível (ADORNO, 2004, p. 89).

Em Webern, o uso da série é fetichizado para organizar um material estritamente rarefeito. O compositor quase que idolatra o uso do dodecafonismo como uma fórmula cósmica, como se tivesse sentido por si mesma. Adorno se pergunta por que Webern se preocupa em organizar algo que já não resta nada para organizar.

As relações de intervalos segundo as quais se ordenam os 12 sons são veneradas obscuramente como fórmula cósmica. A lei individual da série adquire um caráter fetichista, no momento em que o compositor imagina que esta tem um sentido por si mesma. Nas Variações para piano de Webern e no Quarteto para cordas opus 28, o fetichismo da série é estridente (ADORNO, 2004, p. 91).

Adorno considerava o dodecafonismo sem justificativa técnica para ser empregado como método de composição, afinal o compositor já tinha à sua disposição o material necessário para compor impregnado de dialética. Como sistema, ele representava uma obrigação de organização do material extra-artística sendo assim um retrocesso ao livre-

atonalismo. Para o filósofo frankfurtiano, o atonalismo livre das obras Die glückliche Hand e

Erwartung de Schoenberg são os escritos estéticos que mais traduzem o sentido de progresso.

Pode-se dizer que Adorno entende o progresso musical como algo emancipado de qualquer amarra sistemática. Seu projeto é “anti-sistemático”, pois este é o antídoto contra a má subjetividade, ou seja, “não é a submissão ao esquema, mas a recusa ao procedimento esquemático na medida em que o princípio unificador da obra passa a ser contido na própria série, e não no uso de formas consolidadas” (ALMEIDA, 2007, p. 249).

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