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Dentre os vários cruzamentos sensoriais que a música pode provocar na imaginação, aqueles envolvendo as relações com a luz e a cor estão dentre os mais comuns. A simples referência à qualidade sonora remete à luz e às cores, como é o caso dos vários adjetivos timbrísticos: claro, escuro, opaco, brilhante. O timbre é muitas vezes abordado sob a simplificação conceitual como sendo “a cor do som”.

A interface da música com a cor conta com vários séculos de especulações. Desde a antiguidade clássica até os dias de hoje, vários teóricos estabeleceram relações entre as notas musicais e as cores. O fascínio pelo assunto moveu compositores e estudiosos a imaginarem as mais diversas abordagens. Basta dizer que o Dicionário Grove dedica onze páginas ao verbete cor e música (JEWANSKI, 2012).

As primeiras tentativas em estabelecer uma relação entre cor e música são baseadas em empirismos particulares, e costumam relacionar outros parâmetros como pontos cardeais, elementos alquímicos, planetas e até mesmo cartas do tarô, como é o caso de Athanasius Kircher (1601-1680) (JEWANSKI, 2012). Caznok (2008) aponta que a partir do século XVII iniciam-se algumas pesquisas dentro da ciência clássica como o estudo sobre ótica de Newton, relacionando a escala diatônica com o espectro luminoso, embora as relações pessoais, inclusive baseadas na sisnestesia neurológica, ainda vão persistir. A grande maioria destes estudos não são coincidentes, por vezes completamente diversos e mesmo contrários. Muitas partem de uma correspondência entre as sete notas musicais com

as sete cores do arco-íris, porem muitas cores intermediárias aparecem, alguns autores recorrem inclusive às misturas e texturas para a descrição da cor como “azul do luar” e “aço brilhante” como é o caso de Scriabin (1872-1915) (TOMÁS, 1994).

É interessante notar que alguns destes trabalhos procuram relacionar não somente cores, mas os matizes claros e escuros, ou relacionar algumas notas ao brilho do sol, ou mesmo incluindo o branco e o negro em suas paletas, o que aproximam algumas destas correspondências ao interesse desta pesquisa, que está mais relacionada com a intensidade luminosa do que a cor em si.

Com exceção de Giuseppe Arcimboldo (1527 – 1593), que relacionou o registro grave às cores claras e o registro agudo às cores escuras, todos os outros teóricos relacionaram cores claras ao registro agudo e cores escuras ao registro grave (JEWANSKI, 2013). Dentre os mais influentes, Marin Mersenne (1588 – 1648), em sua obra Harmonie Universelle, relacionou o âmbito vocal às cores: a voz do soprano corresponderia à cor ouro ou vermelho e ao elemento fogo, enquanto a voz do baixo corresponderia à cor preta e ao elemento terra, reforçando a associação de luz ao registro agudo e sombra ao grave. O Tenor foi relacionado à cor branca e ao elemento água, enquanto o contralto foi relacionado à cor azul e ao elemento ar. Segundo Caznok (2008) as analogias encontradas na maioria dos repertórios renascentista, barroco e romântico estão baseadas nas relações de Mersenne. Athanasius Kircher (1601-1680) na sua obra Ars magna lucis et umbrae, construiu analogias entre notas musicais, cores e intensidades de luz, e em sua Musurgia

Universalis sive ars magma consoni et disoni, estabeleceu relações entre cores e

intervalos musicais. Kircher relacionou o uníssono e a segunda menor ao branco, a segunda maior estreita ao cinza e a segunda menor larga ao preto, a terça menor ao amarelo e a terça maior ao vermelho claro, a quinta justa ao ouro (JEWANSKI, 2013). Os intervalos da tríade maior e menor, portanto, teriam cores quentes relacionadas ao sol e a luz.

Em 1704, Isaac Newton (1642–1727) publica Optiks, com as sete cores do espectro da luz branca relacionadas ao modo dórico, coincidindo com um sentido crescente das freqüências tanto sonoras quanto visíveis: ré - vermelho, mi - laranja, fá - amarelo, sol - verde, lá - azul, si - índigo; dó - violeta. Baseado na séria harmônica, em 1726 a 1727, Louis-Bertrand Castel (1688-1757) publica três artigos relacionando cores aos sons e explicando a construção do Clavecin pour lês yeux, o primeiro de uma série de aparatos inventados pelo homem relacionando som e

cores em tempo real (JEWANSKI, 2013). As escalas cromo-musicais propostas no século XIX, alinharam, com ligeiras variações, o espectro visível à escala diatônica. Scriabin é um dos que quebram com esta tendência, ao propor uma escala baseada no ciclo das quintas e considerada como resultante de sua possível sinestesia (TOMÁS, 1994).

No século XX alguns compositores trouxeram para suas obras a idéia do uso das cores com visões particulares e em nenhum momento coincidentes. (CAZNOK, 2008). É oportuno citar aqui o trabalho do compositor, professor e pianista Vincent Persichetti (1915 - 1987) que na sua obra didática Twentieth-century Harmony:

Creative Aspects and Practice (1961), relacionou os modos numa gradação que vai

do escuro ao claro conforme as notas vão sendo bemolizadas ou sustenizadas respectivamente. Portanto, o modo lócrio seria o mais “escuro” e o lídio o mais “brilhante”.

Um nome incontornável na literatura brasileira, tratando das associações entre cor e música, é Jorge Antunes (1942). Antunes propôs uma tabela "cromofônica" baseando-se em complexos estudos físicos e especulações fisiológicas como a proximidade do nervo ocular ao nervo ótico. Na relação de Antunes, os matizes vão ficando claros à medida que a escala avança para o agudo,e escuros quando vão em direção ao grave (ANTUNES, 1982).

Várias tendências contemporâneas misturam elementos visuais, e particularmente cor, com música numa enorme profusão de obras “hibridas”, tanto dentro da música como das artes plásticas (BOSSEUR, 1999). Entretanto, este universo vai além do projeto para este trabalho. Nesta breve exposição, reuni apenas alguns estudos importantes na relação entre música e cor. Longe de abranger todas as especulações, me ative especificamente àquelas que mais mencionam a questão da luminosidade, sublinhando as analogias mais elementares destas associações. No próximo sub-item entra em foco a textura como parâmetro capaz de evocar o extramusical e, conseqüentemente, luz e sombra.

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