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A parte musical das peças de Carlos Câmara merecia um estudo específico, mas quase tudo já se perdeu. Embora muitas músicas fossem compiladas, usando uma nova letra para canções popularmente conhecidas, havia criações originais de Silva Novo, Mozart Donizetti, Athaíde Cavalcante e Diva Torres Câmara, sua irmã. Sem as partituras preservadas, as poucas canções que sobrevivem na tradição oral irão fatalmente se perder.

As músicas escolhidas para as suas burletas passavam pelo cadinho espiritual de sua esposa e de sua cunhada, musicistas de afinado gosto. Os versos das coplas eram feitos e refeitos ao pé do piano. Somente sua senhora e os íntimos conheciam os borrões de uma peça em gestação, da qual só tinham conhecimentos os amadores quando ela estava pronta para encenar. À simples leitura, ouvida entre gargalhadas, todos sabiam os papéis.189

Nossa pesquisa identificou a autoria das composições das peças, conforme Quadro 4 abaixo:

Quadro 4 – Texto e compositores

Peças Música/Composição

A Bailarina Diva Câmara

O Casamento da Peraldiana Silva Novo

Zé Fidélis Silva Novo e Diva Câmara

O Calú Silva Novo e Diva Câmara

Alvorada Silva Novo e Mozart Donizetti

Os Piratas Silva Novo e Athaíde Cavalcante

Pecados da Mocidade Silva Novo

O Paraíso Silva Novo

Os Coriscos Silva Novo

Fonte: Elaboração própria.

Os principais compositores foram Silva Novo e Diva Câmara. Silva Novo (Euclides Silva Novo, Santana de Ipanema-AL, 15 de agosto de 1889 – Rio de Janeiro-RJ, 1º de março de 1970):

Quando seu pai morreu (Antônio Silva Novo), Euclides ficou com apenas dois anos de idade. Sua mãe (Tereza Maria da Conceição) vai então para Bom Conselho, em Pernambuco, com os dois filhos, Euclides e Maria Esterfânia da Conceição. Em 1899 morre dona

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Tereza, ficando órfãos os dois irmãos, que passaram à tutela de um alfaiate e músico natural de Floresta, Pernambuco.190

É o que nos informa o musicólogo Nirez (Miguel Ângelo de Azevedo) em O Povo, 1º de março de 1981, e prossegue:

Passou então a aprender os ofícios de músico e alfaiate, dedicando- se muito mais à música, tanto que no ano seguinte já surgia sua primeira composição. Serviu no 33º Batalhão de Caçadores em Maceió, sendo transferido pra o II Regimento de Infantaria em Deodoro, Rio. Em 1909, é primeiro sargento e Mestre da Banda de Realengo. “Em abril de 1919, o maestro Euclides Silva Novo é nomeado Mestre de Música do Colégio Militar do Ceará, onde atua com brilhantismo até 1938. É então convidado pelo maestro Henrique Jorge para fundarem a Escola de Música Alberto Nepomuceno, onde passa a lecionar teoria e solfejo e vários instrumentos de sopro, paralelamente, ensinava música e canto orfeônico em vários estabelecimentos de Fortaleza. Em 1920 casou- se com Maria Teixeira, de Itapipoca, tendo nascido do casal oito filhos: Viçoso, Euclides, Teresinha, José, Mário, Margarida, Ismênia e Maria de Lourdes. Em 1928 foi convidado para lecionar na recém- inaugurada Escola de Música Carlos Gomes, pelo seu diretor Edgar Nunes Freire [...] com a inauguração da Ceará Rádio Clube, dos irmãos Dummar, em 1935, Silva Novo é convidado para dirigi-la artisticamente. Em 1942 vamos encontrar Silva Novo no Rio de Janeiro, dirigindo a Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil. Em 1943 passa a residir em Niterói, onde passa a lecionar em vários estabelecimentos de ensino.191

Nossa pesquisa encontrou algumas referências quanto ao uso de orquestra durante o espetáculo, ou uso somente de piano, mas nada sobre seu tamanho e onde se localizava, se nos bastidores ou em frente ao palco – o que é mais provável. Athayde Cavalcante foi o pianista do Grêmio durante toda sua existência, mostrando-se sempre um trabalhador anônimo, vigoroso batalhador que não visava êxitos. Silva Novo, por seu turno, emprestou valiosa colaboração. Enfim, o Grêmio contou com o concurso espontâneo de artistas, comediógrafos, compositores, musicistas, cenógrafos e bons amadores, pois de tudo isso carece a complexa arte do teatro.

Não encontramos nada com referência à coreografia de números musicais. Diva Câmara ensinava a cantar, mas quem ensinava a dançar? E dançavam? Provavelmente uma coreografia simples, nada de números de dança mais

190 O Povo, 8 dez. 1981.

191 NIREZ, O Povo, 1º mar. 1981, grifo nosso. A Ceará Rádio Clube foi inaugurada em 30 de maio de

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complexos. Mesmo no teatro profissional do Rio de Janeiro, nos espetáculos de teatro de revistas, a coreografia só ganhou qualidade com a vinda da Companhia Bataclan, em 1922, como comprova a nota de Salvyano Cavalcante de Paiva:

Ao impacto do confronto com as troupes francesas e espanholas, revidaram os brasileiros; e, com intuição e força de vontade, a revista progrediu como nunca. O impulso começou com a vinda ao Rio de Janeiro, justamente em 1922, da companhia de revistas Bataclan, de Paris, dirigida por Madame Rasimi. Despertaram interesse, surpresa e sensação a saúde e a marcação das coristas, de corpo escultural [...] a consequência mais imediata foi a supressão das meias e das grosseiras roupas de malhas das coristas. [...] e a introdução de uma

coreografia consciente nos números de dança coletiva, até então executados na base do improviso.192

Entretanto, com referência à estreia do Grêmio em 1918, consta que “O Grêmio apresentou-se, pela primeira vez, em público a 15 de agosto de 1918 com números variados, com Fructuoso Alexandrino e Isabel dos Santos, entre os quais trechos de Os Sinos de Corneville. A orquestra era composta por alguns integrantes da Banda Militar.”193

Dos estudos que enfocam Carlos Câmara, o de Caio Quinderé é o que dá maior atenção à parte musical do seu teatro:

Pode-se realmente dizer que a música tem uma função essencial no teatro produzido por Carlos Câmara. Uma música que a memória auditiva também registrou na época, mas foi sendo esquecida de geração em geração. Apesar dos esforços de J. Cabral, com sua Troupe Santa Maria, que depois passou a se chamar-se Conjunto Teatral Cearense (1933-1972), remontando diversos textos de Câmara, após a morte do comediógrafo em março de 1930. Em 1944, ainda por iniciativa de José Cabral, fundou-se o Grêmio Dramático Carlos Câmara, mas, mesmo assim, as melodias e os

andamentos originais foram alvos de alterações. Pouco a pouco as partituras originais compostas na ocasião da estreia de cada peça foram se perdendo no tempo, ficando difícil, porém

necessária, a pesquisa com esse direcionamento. Não se sabe ainda, quem guardou as partes musicais originais. E as letras? Essas sim, foram publicadas juntamente com o restante dos textos dramatúrgicos de Câmara. Prova disso é que, vinte e sete anos depois da morte do escritor, a companhia Comédia Cearense montou

O casamento da Peraldiana, no Teatro José de Alencar, sob a

encenação de B. de Paiva, mas as músicas originais de Euclides

192

PAIVA, 1991, p. 218, grifo nosso.

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Silva Novo e Mozart Donizetti foram refeitas por arranjos do maestro Orlando Leite e orquestração e regência de Cleóbulo Maia.194

O descaso com as partituras não era exclusividade do teatro cearense, nem das obras de Carlos Câmara. Como assinalou João Ramos Tinhorão, era o que acontecia em âmbito nacional, até com o profissional de teatro de revista:

[...] como a pressa se aliava à incúria e ao desleixo, a maioria dessas partituras que hoje poderiam fornecer um painel da evolução do

music-hall brasileiro não existe mais, a não ser nos poucos casos em

que o excepcional agrado de certos números e o sucesso de certas revistas interessou alguma das casas de música da época na edição das canções.195

As montagens modernas de Carlos Câmara tiveram que apelar para novas composições musicais. “Na remontagem de Calú, em 1979, foram compostas melodias novas para as letras de Carlos Câmara, porque não havia mais as partituras originais”, informa Caio Quinderé, esclarecendo ainda que:

O teatrólogo Haroldo Serra, também produtor na época, fez esforços, inclusive entrevistando o ator Abel Teixeira, para rever na memória as músicas originais da peça, mas não obteve sucesso na sua iniciativa. Assim o jeito foi o compositor Luiz Assunção criar as melodias para a peça teatral.196

Do mesmo modo, a montagem de A Bailarina, pelo Grupo Balaio em 1996, teve músicas compostas por César Ferreira, que tem ainda músicas recriadas para Os Piratas, em fase de pré-produção, com estreia prevista para maio de de 2014.

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