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Capítulo 3: Mulheres no esporte e na mídia

3.4 Metáforas de mulher no poder: o caso de Hillary Clinton

3.4.2 Madona ou rainha da beleza

No outro extremo do “double bind” tem-se a mulher que não incorpora comportamentos tradicionalmente masculinos ou até intensifica demonstrações de “feminilidade”, agindo como uma “Madona” ou “Rainha da Beleza”. Essa mulher é vista como vulnerável, fraca e sem perfil de liderança. Ao atingir as expectativas tradicionais em relação à “feminilidade” e não cumprir o que se espera de um líder na esfera pública, ela acaba por parecer “menos ameaçadora e mais atraente”. “O que ela perde em respeitabilidade, ela ganha em simpatia53” (LIM, 2009, p. 255) do público.

Em outras palavras, as expectativas tradicionais de como uma mulher deve se comportar são mutuamente exclusivas no momento em que ela sai da esfera privada para a pública. O “double bind” pressiona as mulheres líderes em relação ao que é um comportamento aceitável para elas. Quando se trata de abraçar a "masculinidade" como uma tática de sobrevivência na esfera pública, as mulheres são condenadas se o fizerem, e condenadas se não o fizerem (LIM, 2009, p. 256)54.

Em seus primeiros anos como primeira-dama, Clinton notou que a sua postura firme, considerada intransigente, afastava aqueles que esperavam dela uma postura “materna” (Madona), ao invés de racional (Fora dos Padrões) no processo de reforma da Saúde dos Estados Unidos. Foi então que ela passou a dedicar-se à promoção de causas

52 Tradução livre do inglês: The convenient way to make sense of the social, political and cognitive chaos

that Clinton’s intrusion into politics would make was simply to characterise her as a Witch and to hunt her down.

53 Tradução livre do inglês: less threatening and more appealing. What she loses in respectability, she

gains in likeability.

54 Tradução livre do inglês: In other words, traditional expectations of how a woman should behave are

mutually exclusive the moment she steps out of the private into the public sphere. The double bind squeezes woman leaders into a practically non-existent bandwidth of what is acceptable behaviour for them. When it comes to embracing ‘masculinity’ as a survival tactic in the public sphere, women are damned if they do, doomed if they do not.

tradicionalmente femininas, como o direito das crianças e das mulheres. Em seu primeiro livro, ‘It Takes a Village’ (1996), Clinton se retratou como mãe e protetora das crianças da nação. Não por acaso, ao abraçar o papel de gênero esperado, os seus índices de aprovação como primeira-dama foram revisados para cima (LIM, 2009, p. 259).

Em campanha eleitoral, em 2003, a equipe de Clinton optou por sutilmente reforçar uma leitura de gênero que reafirmasse a postura de homens enquanto mais aventureiros em oposição às mulheres, retratadas como avessas ao risco, utilizando a contraposição "experiência" versus "mudança". Nota-se este posicionamento no slogan: “força e experiência para fazer a mudança acontecer55”.

Os sucessos de Hillary Clinton na campanha podem ser atribuídos em parte à sua capacidade de explorar as ferramentas retóricas e metafóricas que estavam disponíveis e em consonância com o que era culturalmente familiar, assim como alguns de seus fracassos devem ser atribuídos à sua incapacidade de transcendê-los (LIM, 2009, p. 257)56.

Transportando estes conceitos para o âmbito esportivo, notamos nesta pesquisa que as atletas que praticam “feminilidades” – valorização da beleza, casamento, maternidade, demonstrações públicas de fragilidade etc. – têm as suas vidas pessoais mais comumente noticiadas e com grau de relevância maior do que o desempenho na atividade esportiva que realiza.

Para um jornalista do ‘Extra’, a esgrimista brasileira Amanda Simeão, por exemplo, não deve se considerar derrotada, mesmo tendo perdido os confrontos, pois a sua popularidade basta: “Amanda Simeão não deixa os Jogos Olímpicos com a sensação de derrota. Nem poderia. A esgrimista de Curitiba perdeu os dois jogos desta quinta- feira, encerrou sua participação na competição, mas também ganhou muito graças à fama que conquistou. Alçada ao posto de ‘Musa da Esgrima’, agora espera colher os frutos da popularidade”.

No caso da atleta chinesa de saltos ornamentais He Zi, que foi pedida em casamento no pódio, tem-se a veiculação do momento como sendo considerado mais

55 Tradução livre do inglês: the strength and experience to make change happen

56 Tradução livre do inglês: Hillary Clinton’s successes on the campaign trail can be attributed in part to

her ability to mine the rhetorical and metaphorical tools that were available and consonant with what was culturally familiar, just as some of her failures must be attributed to her failure to transcend them.

importante do que uma medalha olímpica pela ‘BBC’, ao dizer: “O que é melhor que uma medalha olímpica? Um pedido de casamento!”.

Em ambos os exemplos, ao praticarem “feminilidades”, as atletas viram o seu desempenho na atividade esportiva colocado em segundo plano, enquanto a vida pessoal ganhou maior relevância.

Por outro lado, ao balancear “feminilidades” com “masculinidades”, a vitoriosa nadadora húngara Katinka Hosszú ganhou a alcunha “Dama de Ferro”, mas do tipo que está sempre acompanhada do marido: “Dama de Ferro pulveriza recorde mundial e leva o marido à loucura”.

Ao falar sobre mulheres no poder, jornalistas e apresentadores de televisão tendem a chamá-las de “bruxa”, a mencionar atributos físicos, sejam eles positivos ou negativos, e até a cogitar uma possível TPM57 para justificar comportamentos não esperados.

O documentário ‘Miss Representation’ (2011) cita o momento em que um especialista em política opinou sobre uma mulher ser a presidente dos Estados Unidos. Ao ser questionado por um jornalista da ‘Fox News’ sobre qual seria o ponto negativo, ele responde: "Você quer dizer, além da TPM e das alterações de humor?".

Provavelmente não há influência mais poderosa no modo como vemos o poder do que a maneira como a mídia trata o poder. E a mídia trata o poder como ele tem sido definido por homens (MITCHELL apud ‘Miss

Representation’, 2011).

3.4.3 Conclusão

De acordo com Lim (2009, p. 258), para o bem ou para o mal, as metáforas de poder baseadas no gênero são fundamentais para a criação e a compreensão de identidades e realidades. A ascensão meteórica de Hillary Clinton, que saltou de primeira-dama (Madona e Rainha) a senadora e, posteriormente, candidata a presidente (Fora dos Padrões, Vadia e Bruxa), gerou uma colisão entre os entendimentos existentes sobre poder e o papel das mulheres na esfera pública.

57 TPM: tensão pré-menstrual. Conjunto de sintomas físicos e psicológicos que surgem alguns dias antes

do período menstrual. A síndrome é causada por alterações hormonais e acomete um grande número de mulheres.

O domínio-alvo das metáforas de mulher no poder é um fenômeno relativamente desconhecido; já o domínio-fonte é o nosso entendimento do papel das mulheres na sociedade. Assim sendo, “é muito mais provável que tenhamos experimentado e, portanto, compreendamos as mulheres como mães e rainhas do que como senadoras ou presidentes58” (LIM, 2009, p. 258) ou esportistas.

Ao praticar a inversão de papéis, as mulheres perturbam a hierarquia de gênero e, segundo Lim, concentram a nossa atenção na construção (ou desconstrução) social do gênero. A Mulher Fora dos Padrões tenta redefinir fronteiras, mas também consegue calibrar as suas transgressões, de acordo com o que o seu público pode tolerar. “Quando ela é vista como tendo ido longe demais, como alguns acreditam de Hillary Clinton, ela se transforma de Mulher Fora dos Padrões em Vadia e, depois, Bruxa59” (LIM, 2009, p. 262).

O uso de metáforas de gênero na política é uma arte e exige sensibilidade ao lidar com estereótipos populares e culturais enraizados, embutidos na própria estrutura da linguagem. No entanto, essas metáforas de gênero não têm o poder de evitar a perpetuação de sistemas de sexo e gênero que privilegiam a “masculinidade” e os homens (HASTE, 1994 apud LIM, 2009).

Como essas metáforas estão enraizadas, pelo menos em parte, nos entendimentos existentes e, portanto, retrógrados, do papel das mulheres, elas devem ser implantadas com a menor parcimônia possível. Em vez de usar essas metáforas de forma irrefletida como figuras de linguagem convenientes, mesmo quando elas dão às mulheres líderes mais do que elas tomam, devemos questionar as ontologias incorporadas em seu uso. [...] O dia em que podemos discordar ou até mesmo odiar Hillary Clinton em uma linguagem que não é tendenciosa quanto ao gênero é o dia em que transcendemos o verdadeiro teto de vidro de igual respeito entre mulheres e homens60 (LIM,

2009, 266-267).

58 Tradução livre do inglês: We are far more likely to have experienced and therefore understand women

as mothers and beauty queens than as senators or presidents.

59 Tradução livre do inglês: When she is perceived to have gone too far, as some believe Hillary Clinton

has, she graduates from Unruly Woman to Bitch, and then to Witch.

60 Tradução livre do inglês: As these metaphors are rooted, at least in part, on extant and therefore

retrogressive understandings of women’s roles, they should be deployed as sparingly as is possible. Instead of unreflectively using these metaphors as convenient figures of speech, even when they give to women leaders more than they take, we should question the ontologies embedded in their usage. [...] The day we can disagree or even hate Hillary Clinton in a language which is not gender-biased is the day where we have transcended the real glass ceiling of equal respect among women and men.

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