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CAPÍTULO II-CULTURA, IDEOLOGIAS E TRADIÇÕES

CAPÍTULOIII-PODER, ESTADO E LEGISLAÇÃO

C. f Manhães, Eduardo D Política dos esportes no Brasil Op ciL p 38.

tribunais de penas), determinação de normas para a aprovação dos estatutos das entidades esportivas, etc.

Nessas deliberações, o poder de punir também ficou explicitado, como descrito no artigo 4 0 do Decreto N.° 7.674/ 45:

“Será punido pelo Conselho Nacional de Desportos, com a penalidade de suspensão temporária, ou com a eliminação definitiva, das atividades desportivas, aquele que, no desempenho de funções administrativas em entidades desportivas, onerar o patrimônio social com despesas resultantes de atividades do desporto profissional, ou nessa despesa aplicar a receita ordinária, constituída das mensalidades dos associados, salvo expressa autorização da assembléia geral ou Conselho Deliberativo. ”70

O discurso do “Estado Novo” e o seu projeto de sociedade refletiam-se nos desportos através da unificação e harmonia sociais em tomo do nacionalismo Com isso tem início todo um processo de despolitização da organização social do esporte, cujo poder impedirá, como se verá ao longo desta seção, grandes mudanças estruturais, permitindo apenas modificações periféricas ou modernização conservadora na estrutura já existente, sem, contudo, levar a um rompimento radical no seu conceito, bases e prioridades.

A continuidade histórica dessa corporativização da ordem esportiva verificou-se, mesmo na proposta de revisão orgânica do esporte brasileiro. Refiro-me à Lei N.° 6.251, de 09/01/75, e ao Decreto N.° 80.228, de 2/9/76 e 25/8/77, no Governo Geisel, quando praticamente nenhuma mudança ocorreu formalmente na estrutura do desporto brasileiro, permanecendo a ação estatal como tuteladora e centralizadora, apesar de ter sofrido pequenas modificações. Uma dessas modificações foi a instituição do “voto unitário” obrigatório (art. 18), uma verdadeira afronta à autonomia das entidades comunitárias, ligas, federações e confederações, na eleição de seus representantes, que acabaria sendo regulamentada pelo Decreto-lei 80.288 de 1997 71

A lei N.° 6.251/75 deixou de existir em razão do artigo 217 da Constituição Federal de 1988, em alguns pontos, mas continua vigente na parte em que há contradição, conflito ou incompatibilidade com o texto constitucional. A autonomia das entidades dirigentes e 70 - C.f. Manhães, Eduardo D. Política dos esportes no Brasil Op. dl. p. 68.

71 - Adota-se aqui a compreensão de “autonomia”, expressa em "o poder de auío-organização e de competências exclusivas, bem como uma capacidade de elaborar os seus próprios estatutos ou capacidade normativa própria nas áreas reservadas à sua competência exclusiva para manter e efetivar os serviços de seus interesses e autonomia financeira para aplicação das rendas C.f. Melo Filho, Álvaro. Nova lei do desporto comentada: projeto Zico. Rio de Janeiro: Forense, 1984. P. 34-35,37-38.

associações desportivas, por exemplo, tomou-se um princípio constitucional que não pode ser desfigurado nem sofrer restrições legais ou violações (art.217, SeçãoIH, da Constituição Federal). Acrescenta-se ao conjunto ainda, a lei N.° 6.354, de 2 de setembro de 1976, em plena vigência do governo Geisel, que tratou das relações de trabalho do atleta profissional de futebol, também conhecida como a antiga “Lei do Passe”.

A legislação do Estado, portanto, contribuiu decisivamente para a formação do atual modelo de dó futebol no Brasil. Em suma, as deliberações aprovadas pelo CND entre 1941 e 1985 refletem a marca da ditadura, a atuação policialesca e o caráter contralizador e disciplinador do Estado, por intermédio de uma filosofia de “proibição”. As resoluções aprovadas entre 1985 e 1990, pelo CND, por sua vez, marcam uma intervenção do Estado no desporto, com fins voltados para a sua democratização, adotando-se uma filosofia da “não-proibição”, sem se despir, porém, do caráter paternalista, cartorial e tutelar do Estado.

A resolução N.° 3/90 do CND, aprovada em 17/10/90, implicou na revogação de quatrocentos, de um total de quatrocentos e trinta e um, normativos editados pelo CND, de 21/10/1941 à 12/9/1990. Os trinta e um normativos restantes sobreviveram apenas no sentido de preencher o enorme vazio legal desportivo deixado.

Ao longo de mais de cinco décadas, a legislação desportiva brasileira acumulou um grande acervo de normas, que contribuíram para a persistência de uma cultura de poder de bases antiquadas no interior dos clubes. A falta de liberdade dos clubes e associações, que interferiu até nas suas finanças internas, tirando-lhe a autonomia tiveram o efeito contrário, uma vez que a prática do “caixa 2” e o ganho fácil sem cobrança de impostos tornaram-se comuns nas administrações dos clubes.

Com o advento da abertura política e com o processo de transição à democracia, retomou-se uma série de questionamentos não só no âmbito da sociedade, mas também no contexto esportivo. O momento significou um repensar do discurso dominante, nacionalista, unificador e oficializador das associações esportivas ou clubes, bem como novos projetos em tomo de uma nova estrutura, moderna, profissionalizada e futuramente empresarial. Esse período não representou uma negação do clube enquanto “célula-mãe” do sistema esportivo brasileiro, mas colocou em questão as raízes históricas, culturais e organizacionais do modelo administrativo do futebol brasileiro.

Nesse sentido, registrou-se no início da década de 80 a criação de uma série de Secretarias de Estado junto aos governos eleitos, como reflexo dos apelos do movimento social instaurado na época. Uma delas foi na Câmara Federal, uma Comissão Permanente de Esportes e Turismo, por iniciativa do deputado Márcio Braga (ex-dirigente e presidente do Clube de Regatas do Flamengo [CRF], do Rio de Janeiro).

Em 1983, a comissão promoveu um ciclo de debates, denominado “Panorama do Esporte Brasileiro”. As idéias que resultaram desse amplo debate deram corpo à elaboração do projeto N 0 2.929, assinado pelo deputado Márcio Braga. Apesar de não expressarem uma profunda revisão na estrutura e na organização desportiva, subjacente ao seu conjunto, essas idéias preconizavam uma visão modemizadora e alternativa.72

Dentre as propostas encaminhadas encontrava-se a transformação do CND em órgão de assessoramento do Ministério da Educação e Cultura (MEC), ficando o referido conselho sem suas atribuições normativas, jurídicas, administrativas, de controle e fiscalização (burocráticas) pela concessão de mais autonomia organizativa às entidades do esporte brasileiro, como a possibilidade de criação de federações interestaduais e de ligas intermunicipais, além do fim do voto unitário para as federações e confederações, adotando-se o voto plural. Discutiu-se também a questão da necessidade de profissionalização dos dirigentes, que, na grande maioria, permanecem como amadores numa estrutura profissionalizada.

O referido projeto acabou encontrando resistências para a sua aprovação pelos presidentes das federações estaduais de futebol, dando lugar a um substitutivo a ser negociado pelas partes interessadas, o que foi um retrocesso principalmente no que se referia à supressão do voto unitário 73

A despeito dessa questão, Helal (1997. 53) comenta:

72 - O referido ciclo de debates contou com a participação de deputados federais e estaduais, alguns ex-dirigentes de clubes de futebol, presidentes de federações e clubes, jornalistas, jogadores e ex-jogadores, árbitros, estudiosos da legislação esportiva, além do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e de outros convidados. Os anais desse ciclo de debates, realizados na Comissão de esporte e turismo da Câmara dos Deputados, no período de 18 a 21 e de 25 a 27 de outubro de 1983, encontram-se na publicação Panorama do esporte brasileiro. Brasília: Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, 1984. 44óp.

73 - A questão do voto unitário estava assegurada desde 1975 com a aprovação no Congresso Nacional da Lei N.° 6.251, o que permitia às ligas do interior o controle sobre as federações e impedia os grandes clubes de organizar o calendário do fiitebol brasileiro e os regulamentos dos torneios e campeonatos.

“Com o advento do voto unitário, as federações e a CBD (atual CBF) organizaram campeonatos com diversos clubes 1sem expressão' no cenário futebolístico do país.

No que se refere à liberação da publicidade, registra-se a regulamentação do artigo 183 do Decreto-Lei N.° 80.228, de 25/08/77, embora ainda sob o controle do CND. A liberação definitiva do uso de propaganda nos uniformes ocorreu inicialmente nos jogos realizados no exterior e no país, respectivamante, pelas deliberações 22/81 p 05/82, ambas

do próprio CND. No plano interno, apesar dessa autorização em 1982, só a partir de 1983 a publicidade teve seu início de fato. Essa orientação é crucial para compreendermos o advento das relações futebol-empresa no Brasil como fato recente e a corrida dos clubes em busca de patrocínios e parcerias.

A década de 90 marca inflexões na legislação esportiva brasileira, com profundas repercussões no futebol profissional. A crescente intensificação das discussões acerca do futebol* do futebol-empresa, da antiga “Lei do Passe” (£ei N.° 6.354/76) e da questão do voto unitário dos clubes nas federações e na CBF contribuiu para a emergência de um anteprojeto do então Secretário de Esportes do governo Collor, o ex-jogador Zico. No seu teor esse anteprojeto apresentava três propostas fundamentais, quais sejam: a) a extinção da Lei do Passe; b) a adoção do modelo do futebol-empresa pelos clubes; e c) a instituição do voto plural nas federações e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em substituição ao voto unitário.

Após alguns debates, o referido anteprojeto sofreu um série de resistências por parte de políticos no Congresso Nacional, dirigentes de clube, no que se refere ao fim da Lei do Passe, e das federações estaduais e da CBF, quanto ao voto plural, até a sua aprovação e transformação na Lei N.° 8.672, em 1993. As propostas de extinção do voto unitário e da Lei do Passe não foram aprovados na forma como previa o anteprojeto. Apenas o modelo futebol-empresa foi adotado.

Segundo Melo Filho (1994), o espírito dessa lei vinculou o esporte ao Estado democrático de direito e representou um avanço com relação a buscar uma modernização na do futebol no país. Desse modo, distinguiram-se doze princípios jurídico-desportivos fundamentais, constituintes da sua lógica, quais sejam: soberania, autonomia,

democratização, liberdade, direito social, diferenciação, identidade nacional, educação, qualidade, descentralização, segurança e eficiência.

Se a Lei Zico não conseguiu avanços mais significativos, esses seriam contemplados pela Lei N.° 9.615/98, conhecida como “Lei Pelé”, do então Ministro Extraordinário dos Esportes e ex-jogador, Edson Arantes do Nascimento, sancionada pelo atual Presidente da República, em 1998. Ao obrigar a transformação dos clubes, especialmente, seus Departamentos de Futebol, em empresas ou em sociedades comerciais com fins lucrativos, no prazo máximo de dois anos, e extinguir gradualmente a Lei do Passe, de modo que o jogador tenha direito ao passe livre com 24 anos de idade, a “Lei Pelé” consolidou um caminho iniciado na década de 80 com o Clube dos 13, além de incorporar e ratificar muitos pontos da Lei Zico.

Acredito que, após o período de transição dessa nova lei, essas orientações possam contribuir para a profissionalização e modernização do futebol nos clubes e das relações trabalhistas entre estes e os jogadores.74

74 - A Lei Pelé não será aqui objeto de análise aprofundada. Na ocasião da realização desse estudo, a referida lei ainda estava em discussão tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional somente em abril de 1998 após a coleta de dados e a análise da pesquisa aqui empreendida. A Lei Pelé ainda está em fase de transição e poucos clubes transformaram-se em empresas de fato.

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