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Manual do Professor do Livro Didático Português 1 (LDP-1) – Português: contexto,

4.1 DETERMINAÇÕES CIRCUNSTANCIAIS EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO:

4.1.2 Análise dos manuais do professor: concepções teóricas adotadas

4.1.2.1 Manual do Professor do Livro Didático Português 1 (LDP-1) – Português: contexto,

Nesse manual em análise, as autoras preferem nomear a parte destinada ao professor de Guia de Recurso; nele, encontra-se a fundamentação teórico-metodológica subdividida em três partes: Literatura, Gramática e Produção de Texto.

Na parte de Literatura, as autoras optaram por desenvolver um trabalho na Análise do Discurso (AD). Justifica-se esse posicionamento pelo fato de que, na trajetória da metodologia adotada para o trabalho com literatura, apresentou-se essa disciplina como uma história, uma arte e, por fim, como uma linguagem. O problema ressaltado pelas autoras “é que cada uma dessas abordagens, ao privilegiar determinado aspecto do texto literário, deixa outros tantos na sombra ou não os articula entre si de modo suficiente” (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 06). Assim, as autoras optaram “por tratar a literatura como um discurso”.

Não só na parte de Literatura, mas no estudo da linguagem, as autoras dão preferência a um trabalho voltado ao que elas denominam de Análise do Discurso.

No âmbito dos estudos da linguagem, a análise do discurso emprega o termo

discurso para fazer referência ao uso da língua em um contexto específico.

Segundo essa visão, em lugar de tratar somente dos fatores linguísticos (aspectos morfológicos e sintáticos, recursos estilísticos, etc.), a análise do discurso interessa-se pela relação entre os usos da língua e os fatores extralinguísticos presentes no momento em que esse uso ocorre. Nesse sentido, tratar da língua que está em uso pelos seres humanos significa tratar da sua dimensão discursiva. (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008 p. 07)

Ao fazer essa citação, as autoras do LD reconhecem a AD nos estudos da linguagem, mas não atualizam essas teorias, ao contrário, trazem confusões entre elas, pois a AD não trabalha com a língua em uso. Reafirmando o que esta pesquisa tem defendido, o LD possui, muitas vezes, a função de (in)formar professores, portanto, o cuidado de expor mais detalhadamente as teorias é primordial. Ao fazerem referência aos estudos da AD, as autoras precisam participar ao professor qual linha da AD elas pretendem seguir, pois há estudos em diversas regiões com fundamentação teórica diferente, a exemplo da grande divisão entre a AD europeia e a norte-americana, explicado por Eni Orlandi, que diz:

Do lado da americana (e essa não é uma divisão meramente geográfica) está a tendência de uma declinação lingüístico-pragmática (empiricista) da análise de discurso com um sujeito intencional, e do lado europeu a tendência (materialista) que desterritorializa a noção de língua e de sujeito (afetado pelo inconsciente e constituído pela ideologia) na sua relação com discurso em cuja análise não se procede pelo isomorfismo. (ORLANDI, 2003, p. 6)

Assim sendo, se as autoras pretendem seguir a análise do discurso norte-americana, com uma inclinação linguístico-pragmática, devem explicitar melhor o caminho a seguir, pois esta concepção difere da AD pecheutiana, que concebe a linguagem como lugar de manifestação da ideologia, portanto, analisa a relação língua-sujeito-história vinculada às suas condições de produção.

Descrevendo ainda a parte de Literatura, as autoras reforçam a escolha pela análise de discurso.

O que propomos, porém, é dar um passo adiante nesse processo analítico e, uma vez identificados os usos particulares da língua que definem um movimento estético determinado (ou a obra de um autor específico), perguntar que relação os fatores extralinguísticos presentes naquele momento têm com tais escolhas. Isso significa reconhecer a literatura como um discurso. (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 07)

Novamente, há uma inclinação maior com trabalho extralinguístico apenas na parte de Literatura, afastando qualquer hipótese de analisar textos não-literários sob a óptica da AD ou da LT hodierna, cujos estudos extrapolam a materialidade linguística da fonologia, morfologia e sintaxe, contemplando a ideologia, a historicidade e o sujeito, seja intencional ou interpelado pela ideologia. Ao considerar apenas os textos literários para construção de sentido, e mesmo assim limitado em uma única fundamentação teórica, o ensino de Língua Portuguesa retrocede ao postulado dos ensinos gramaticais cartesianos que tinham como modelo os textos literários, excluindo qualquer outro que se considerava inadequado por entender que apresentava ambiguidade e imprecisão, contradizendo, desse modo, a proposta inicial de um trabalho com AD referendada pelas autoras.

Na parte gramatical, as autoras desse LD afirmam que se fundamentarão na análise de textos associados a um contexto, mas não o especificam. Deixam implícito que o trabalho será voltado à pragmática ao descreverem: “Esperamos, assim, resgatar o caráter discursivo da linguagem, que prevê a interação entre interlocutores diferentes e reconhece intenções específicas a partir das escolhas linguísticas realizadas por tais interlocutores” (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 23).

A proposta, mais uma vez, fundamenta-se no funcionalismo, tanto na pragmática que se faz presente na intencionalidade apresentada, como há também indícios da teoria sociocognitivo-interacional: “A linguagem começa a ser caracterizada como uma atividade

que modifica e constitui os interlocutores, e que é por eles constantemente modificada e manipulada.” (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 24).

Há inclusive uma seção destinada a essa atividade, como descrevem as autoras.

O desejo de permitir que a reflexão sobre as estruturas do português seja feita, de fato, a partir dos contextos reais de uso nos levou a criar uma seção especial (Usos de ...) que, ao longo dos capítulos, apresenta textos nos quais analisaremos o modo como os aspectos linguísticos estudados participam da construção do sentido. (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 24)

Nos textos de abertura, “as questões procuram levar a uma leitura analítica do texto para fazer com que o aluno reconheça não só determinadas estruturas linguísticas, mas também reflita sobre como elas participam da construção do sentido do texto” (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 26).

Durante a exposição da fundamentação teórica, é nítida a preocupação em contemplar os Parâmetros Curriculares Nacionais, principalmente no tratamento com a compreensão textual. Como na citação:

É importante destacar que, na formulação das questões, tomamos o cuidado de criar oportunidades para que os alunos desenvolvam diferentes habilidades. Assim, eles serão solicitados a reconhecer informações, a elaborar hipóteses, a inferir, a relacionar os diferentes aspectos observados, de tal maneira que aprendam a desenvolver uma reflexão mais abrangente e se tornem capazes de dar conta do texto estudado de modo mais completo, investigando diferentes possibilidades de interpretação. (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 26)

As palavras “habilidades”, “elaborar hipóteses”, “inferir” e “relacionar” estão presentes na Matriz que rege o Enem e nas Diretrizes de elaboração do Livro Didático. Isso sugere uma dependência da produção intelectual dos autores do LD conforme as determinações circunstanciais dos programas do Governo Federal. Se, de um lado, as autoras apresentam propostas inovadoras sobre o texto e construção de sentido com referência à pragmática, à sociocognitiva e à análise do discurso, do outro, há um retrocesso no trabalho com construção de sentido apresentado nos programas oficiais do governo, pois o aluno apenas desenvolverá habilidade para “elaborar hipótese”, “inferir” e “relacionar”. Construir sentidos ao texto envolve outros mecanismos como a historicidade dos interlocutores, o

social, o ideológico. Quando se reforçam os comandos citados pela Matriz, a tendência é fazer um trabalho direcionado apenas na relação texto-leitor, buscando perguntas dentro do texto que levam os alunos a inferirem e criar hipóteses já propostas na própria pergunta ou induzindo a uma determinada resposta; no entanto, estudos do texto têm mostrado uma concepção mais ampla à construção de sentidos relacionando língua-sujeito-história, descobrindo o fator ideológico presente no texto.

Na parte de Produção de Texto deste LD, a concepção de texto trazida nesta seção revela mais uma vez a inovação que as autoras pretendem fazer ao apresentar o conceito de discurso para o ensino de Língua Portuguesa:

[...] saber que todo texto está associado a uma situação de interlocução nos obriga a reconhecer que tanto a escrita quanto a leitura são atividades que pressupõem a interação de fatores linguísticos e extralinguísticos. No âmbito dos estudos da linguagem, o termo discurso refere-se justamente à relação entre os usos da língua e os fatores extralinguísticos presentes no momento em que esse uso ocorre. (ABAURRE, M. L.; ABAURRE, M. B., 2008, p. 38)

Nesta citação, discurso se apresenta apenas como relação entre o uso da língua e os fatores extralinguísticos, incluindo língua-sujeito-história. No entanto, outra concepção de discurso pode ser incluída, como a da análise do discurso, que o vê como efeito de sentido; segundo Pêcheux (1969 apud ORLANDI, 2006), o discurso é mais do que transmitir informação, é efeito de sentido entre os locutores. Nessa definição, o autor critica o esquema linear de comunicação: emissor-mensagem-receptor, pois não há uma posição linear entre os interlocutores. E como explica Palmira Heine (2009, p. 47):

O discurso, também não é individual, mas, ao contrário, mobiliza uma dimensão social, implica uma esfera exterior à da língua. Quando se diz que o discurso não é individual, pressupõe-se que ele seja gerado por um sujeito, marcado pela ideologia e pelas estruturas sociais, e não por um indivíduo completamente livre. (HEINE, P., 2009, p. 47)

Mais uma vez, percebe-se que as autoras do LD tentam apresentar propostas inovadoras em relação ao estudo de língua, trazendo conceitos de discurso, texto e sentido. Mesmo não trazendo informações precisas sobre essas concepções, elas buscam trabalhar a língua de forma atualizada, considerando os fatores extralinguísticos na construção de sentido.

4.1.2.2 Manual do Professor do Livro Didático Português-2 (LDP-2) – Português: literatura,