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Mapa da fome entre os povos indígenas, 1994

Diante da ausência de diagnósticos, no âmbito dos órgãos da administração pública, que avaliassem a situação das aldeias Xavante durante os anos 2000, o MDS optou por usar como referência o quadro de disponibilidade de alimentos entre os povos indígenas conforme apresentado pelo Mapa da Fome entre os Povos Indígenas de 1994 (Mapa 3) e o mesmo mapa atualizado em 2003 por meio das Oficinas de Segurança Alimentar realizadas durante 2003 (Mapa 4), conforme apresentado a seguir. Esses mapas fornecem uma visão ampla do quadro de disponibilidade de alimentos entre os povos indígenas durante quase uma década, contribuindo para a superação da idéia de que os povos indígenas do país vivem bem, com provisão de recursos naturais que lhes permitem a garantia da

58 sobrevivência física e cultural em condições ideais. Um olhar mais detido sobre as informações disponibilizadas por esses dois mapas indica ainda o progressivo espalhamento da manchas referentes à “situação de fome” ao longo do território amazônico. Entretanto, a utilização dos mapas como referência exigiria uma caracterização mais detalhada dos fatores que estariam causando essa situação de fome e em que medida ela está diretamente relacionada à disponibilidade de renda para os povos indígenas. No caso dos Xavante, e comparando a situação de 1994 com a de 2003, haveria um quadro de permanência de insegurança alimentar ao longo de quase dez anos que mereceria ser avaliado no que se refere à suas origens (como, por exemplo, devido à ausência de alimentos ou à existência de dieta inadequada) e suas implicações.

Em resposta às demandas dos Xavante acima mencionadas, foi pactuado entre o MDS e a Secretaria Municipal de Assistência Social de Campinápolis – SMAS/C, a realização do processo de registro administativo das famílias da TI Parabubure, por meio de preenchimento dos formulários do CadÚnico, procedimento obrigatório visando o processamento e análise das informações pela CAIXA como meio de selecionar as famílias elegíveis para recebimento do benefício social. Aos municípios compete a responsabilidade de realização desses registros administrativos, com posterior transmissão eletrônica das informações para a CAIXA e foi nesse sentido que a SMAS/C indicou que mobilizaria todos os recursos necessários para que os procedimentos exigidos se desenvolvessem em consonância com as especificidades dos Xavante, garantindo a realização do cadastramento diretamente nas aldeias de Parabubure.

No decorrer desse processo o tema da descentralização e do princípio do federalismo, amplamente discutidos em estudos sobre avanços, dificuldades e impactos na implementação das políticas de proteção social, ganharam sentido e se refletiram no desencontro entre as atuações das esferas municipal, estadual e federal. Nesse contexto, as práticas e concepções dos gestores municipais eram as que mais se aproximavam daquelas que caracterizaram as relações estabelecidas ao longo da história do contato, conforme contextualizado no capítulo anterior. Para além das restrições orçamentárias impostas ao município de Campinápolis devido a questões de arrecadação e total populacional (14.301 habitantes na estimativa do IBGE para julho de 2009), o que supostamente, implica em restrições na mobilização de recursos financeiros para atender aos Xavante da TI Parabubure, destaque-se a dificuldade demonstrada pelos gestores municipais em compreender as demandas apresentadas por esses índios. Essas dificuldades, fundadas no desconhecimento e em concepções baseadas em relações de favor, fomentadas pelo Estado brasileiro e em particular pela Funai local, se apresentavam por meio de um amplo leque de práticas que se estendia a partir da recusa em providenciar alimentação para os representantes de clãs presentes na reunião (realizada em 27 e 28 de

59 fevereiro de 2007) até uma certa incapacidade de perceber a importância de intérpretes para a língua Xavante, das diferentes falas que seriam apresentados durante o evento.

O Encontro mencionado, realizado na Câmara Municipal, contou com a presença do prefeito, vereadores e secretários municipais, percebendo-se a oportunidade encontrada pelos poderes locais em apresentarem a chegada dos benefícios de renda como uma realização ou um favor do município para com os Xavante. A disposição dos participantes no auditório da Camâra Municipal foi especialmente reveladora: no alto, no palco e bancada onde se desenrolam os debates da municipalidade, foram convidados a tomar assento as autoridades municipais, federais e estaduais; embaixo, nas primeiras fileiras do auditório, ficaram os funcionários dos três níveis de governo que prestavam apoio na organização do evento; ao meio, sobraram espaços vazios e ao fundo, do lado esquerdo e próximos à porta de entrada e saída, se acomodaram os Xavante, sentados em pequenos grupos, de acordo com suas filiações de parentesco e afinidade. A participação dos representantes locais e federais da Funai foi apenas de observação. Destaca-se ainda a tentativa de exclusão, por parte dos gestores municipais de um espaço para a fala índigena na abertura da reunião. Esse movimento pela omissão da fala indígena se apresentou de maneira ainda mais marcante quando se deu o desligamento de todos os equipamentos de gravação do evento, logo após as falas dos representates dos três níveis de governo; impediu-se, assim, que o registro das demandas Xavante, apresentadas na própria língua, bem como o trabalho de interpretação realizado pelos índios que ocupavam posições distintas nas aldeias de origem fossem gravados. Após solicitação dos representantes do MDS as gravações foram retomadas no período da tarde, ocasião em que a participação indígena se deu de maneira mais reduzida, devido ao conteúdo meramente operacional dos debates, perdendo-se definitivamente, os argumentos e a fundamentação presentes nas narrativas Xavante que deram origem ao Encontro.

No período de abril a julho de 2007 ainda sob a condução do governo federal, ocorreram as negociações institucionais no sentido de que fosse viabilizado o preenchimento dos registros administrativos nas aldeias de Parabubure. Esses formulários se constituem em instrumento de identificação e caracterização sócio-econômica das famílias brasileiras de baixa renda e são obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal (BRASIL, 2007b).

Durante o desenho dos arranjos institucionais, mais uma vez as práticas da administração pública em relação aos Xavante foram se explicitando. A necessidade de estabelecimento de acordo de cooperação técnica entre o município de Campinápolis e o estado de Mato Grosso tornou-se imperativo em função desse último dispor de volume de recursos financeiros suficientes para o financiamento da logística exigida para a realização do trabalho de coleta de informações nas aldeias. As negociações visando divisão de

60 responsabilidades deixaram claro a disputa entre estado e município pelo monopólio da execução dos trabalhos nas aldeias e se desenvolveram permeadas por embates verbais acalorados que, em ocasiões específicas, alcançaram níveis de tensão extenuantes.

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