• Nenhum resultado encontrado

Mapeamento dos estudos sobre a performatividade e o trabalho docente

Capítulo I Delimitação do objeto de estudo

1.2 A emergência do conceito da performatividade na obra de Stephen Ball

1.2.2 Mapeamento dos estudos sobre a performatividade e o trabalho docente

De modo geral, observa-se que a obra de Ball possui um rol amplo de produções, especialmente em língua inglesa, dentre artigos, livros e capítulos, conforme destacam Mainardes e Stremel (2015).

E verifica-se que a concepção de performatividade tem tido grande disseminação ao redor do mundo e no Brasil em políticas educacionais voltadas a escolas e professores, conforme mapeamento realizado para os fins desta pesquisa.

O levantamento buscou mapear o campo de estudo nacional e internacional sobre o tema da performatividade e do trabalho docente na escola, com a finalidade de compreender as principais problematizações e limitações sobre o assunto.

O levantamento dos estudos internacionais foi feito em 2019 e buscou contemplar diferentes realidades, totalizando 18 publicações encontradas (Apêndice B) e distribuídas em 11 diferentes países e 04 continentes. A ferramenta principal de busca foi a plataforma Taylor & Francis Group, que aglutina publicações acadêmicas internacionais16. Da procura inicial na plataforma retornaram 190 artigos do termo

performativity e 181 ao articulá-lo à palavra teacher. Desse total, após especificar o

exame aos escritos que se concentrassem na escola e tangenciassem diferentes realidades, dentre países e regiões do globo, foram selecionadas 11 investigações, todas elas em Língua Inglesa, e 09 das quais publicadas no Journal of education

policy, editado por Ball. Outra ferramenta para ampliação do mapeamento foi o Google Scholar, o que gerou 07 outras publicações, sendo a grande parte delas publicada em

língua portuguesa e em revistas científicas brasileiras.

Em seu diagnóstico, Normand (2008) evidencia que em que pese serem apuradas diversas trajetórias adotadas por um sistema nacional para conduzir a educação, observa-se uma tendência recorrente de expor os professores a pressões

por desempenho. Lima (2011), ao analisar a promoção das políticas performativas, exprime que são produzidos efeitos diversos sobre a profissão docente, tais que:

A intensificação do trabalho dos docentes; uma perda da sua autonomia relativa e da sua capacidade eleitoral; o seu tendencial isolamento face a dinâmicas de trabalho colegial e cooperativo; a promoção de lógicas de competitividade; a sua subordinação perante as novas agendas avaliativas e gestionárias; a sua adesão estratégica, ou simples aquiescência passiva, à visão do líder formal da escola. Estas e outras dimensões podem arrastar crises de identidade e a perda de referenciais educativos e pedagógicos, por esta via contribuindo para a desprofissionalização dos docentes e, eventualmente, para a alienação do seu trabalho. Há já indícios significativos de uma crise de legitimidade pedagógica, de desvalorização crescente do pensamento e da pesquisa em educação, de defesa de modelos de formação de professores que limitem a mínimos didáticos o seu currículo, de avaliação de desempenho docente a partir dos resultados escolares obtidos pelos alunos em testes e exames estandardizados, de reforço da autoridade docente mais pela via disciplinadora e sancionatória e menos através do recurso a bases de poder cognoscitivo, científico e profissional, os quais, entre outros, parecem dividir de forma crescente professores e educadores (LIMA, 2011, p.17-18).

No Brasil, Mainardes e Stremel (2015) apontam que a obra de Ball tem tido crescente espaço, com 26 publicações em língua portuguesa, divididas em três palestras com transmissão, quatro entrevistas, e 19 textos (cinco capítulos de livros, três livros completos e 11 artigos), além de um texto publicado em Portugal.

Do cotejamento destes 26 materiais em português se percebeu o espaço destacado da performatividade em 08 deles (BALL, 2001, 2002, 2004, 2005, 2010, 2013, 2014), inclusive, com 04 explicitando-a em seus títulos, assim como também no destaque dado ao conceito na entrevista concedida por Ball a Santos (2004b). No apêndice A se apresenta um organograma das produções de Ball que contemplam a performatividade em língua portuguesa. Além disso, acresceu-se a esse levantamento duas obras em inglês (BALL, 2013; 2017) e uma entrevista em espanhol (BALL, 2015). Ao analisarem a disseminação das ideias de Ball no Brasil Mainardes e Stremel (2015) encontraram um total de 147 documentos, sendo 13 capítulos de livros, 50 artigos e 84 estudos de pós-graduação – 30 teses e 53 dissertações.

No mapeamento efetivado sobre a performatividade e o trabalho docente escolar se procurou pesquisas produzidas em cursos de Pós-Graduação, publicações em revistas científicas e eventos da área, totalizando-se 22 trabalhos encontrados.

Para o levantamento das pesquisas em cursos de Pós-Graduação do país foram buscados os resumos disponibilizados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A pesquisa foi feita entre os meses de novembro e dezembro de 2016 e, ao procurar as palavras-chaves "trabalho docente", "políticas

educacionais", "escola", resultaram 72 trabalhos. Já ao refinar a busca às palavras- chaves “performatividade” e “políticas educacionais” foram identificadas 12 pesquisas. E quando foram inseridos os descritores “trabalho docente” e “performatividade”, 08 estudos. Além disso, quando se buscou os unitermos “gerencialismo” e “trabalho docente”, sem anunciar a performatividade no título, nas palavras-chaves ou no resumo, localizaram-se 11 investigações. Pela lapidação desses achados iniciais, buscando identificar proximidades com a temática pesquisada, foram selecionadas 31 produções.

Na sequência, ao aprofundar a leitura destes 31 trabalhos chegou-se, então, a 10 pesquisas (Apêndice C), pelo fato de aprofundarem o debate da performatividade e se deterem na questão do trabalho docente escolar. Ao cotejar estas 10 investigações, observou-se 02 delas apresentando a performatividade ainda no título (BARCELLOS, 2013; GODOY, 2012), 01 nas palavras-chave (RODRIGUES, 2010) e as demais 07, no resumo. Identificou-se também que a grande maioria dos estudos, 09 deles, constituiu-se de estudo empírico e apenas 01 se centrou em fontes documentais. Também foi possível depreender que 05 se centralizaram em investigar o contexto mais geral e outras 05 buscaram abordar o tema da performatividade e do trabalho docente em uma política ou programa específico.

Outras características importantes identificadas nessas investigações foram o fato de todas terem sido produzidas entre 2010 e 2015, tendo sido 05 finalizadas em 2013, o que evidenciou o quanto se trata de um tema em tônica recente. Chamou à atenção, ainda, a diversidade de regiões, do Sul ao Norte do país, em que foram desveladas, elucidando sua abrangência. Ressaltou-se também o dado de a maioria dos estudos ter sido produzida em instituições públicas, em cursos de Educação, sendo metade desenvolvida em cursos de Mestrado, e metade em cursos de Doutorado.

Em um segundo momento, quando se aprofundou a leitura da versão completa destas 10 pesquisas com a pretensão de verificar o espaço da performatividade e o trato dado a ela em nível conceitual e empírico, identificou-se apenas três– duas teses e uma dissertação – apresentando um debate aprofundado sobre esse conceito e com objeto na realidade empírica do trabalho docente (DAMASCENO, 2010; BARCELLOS, 2013; PEDRINHO, 2013), tal como propõe esta tese.

Detalhadamente, cada qual desses três estudos apresentou a presença da performatividade na prática docente escolar articulada a políticas horizontais e

claramente diretivas, voltadas ao foco no desempenho, a resultados e bonificações (BARCELLOS, 2013). Nisso, ficaram evidentes medidas híbridas, misturando elementos críticos e emancipatórios a orientações econômicas e mercantis, apoiadas em critérios de competitividade e individualidade, e um tipo de autonomia marcada por fatores de responsabilização (accountability), reestruturação de planos de carreira e salários docentes (DAMASCENO, 2010). E também transpareceu a disseminação de traços performativos entre futuros professores e professores formadores de professores, como contextualizado pela pesquisa de Pedrinho (2013).

No que tange ao mapeamento das publicações em revistas científicas e eventos, usou-se o site Google scholar. Quanto a publicações e eventos, se estabeleceram como critérios de seleção trabalhos que tivessem sido publicados em anais e com o grau acadêmico de autores com, no mínimo, Mestrado. Também se realizou uma busca específica nos anais da ANPED e ANPAE e suas sessões regionais e estaduais, e em reuniões nacionais e internacionais da REDESTRADO, do que resultou um total de 06 trabalhos (Apêndice C). Contudo, pela análise desses textos, depreendeu-se que a maioria dos trabalhos mencionava a performatividade e o trabalho docente escolar, mas não apresentava um aprofundamento substancial do assunto.

Quanto a produções em periódicos, encontraram-se 02 dossiês (Apêndice C), ambos anunciando a pretensão de superar a escassez de publicações sobre o trabalho docente no âmbito das políticas educacionais no país. É preciso ressaltar que a obra de Icle (2010) foi apresentada seis anos mais tarde ao dossiê elaborado por Pino et al. (2004). Entretanto, segundo o editor daquela obra, ainda se fazia importante explorar a categoria da performatividade, haja vista que “não é por outro motivo senão pela raridade de pesquisas na interface Educação-Performance que os representantes brasileiros desta seção são poucos, em comparação com seus colegas estrangeiros” (ICLE, 2010, p. 20).

Outro ponto sobre essas duas coletâneas é que há obras de Ball (2004, 2010), já exploradas previamente aqui, e que deixam claro como esse pesquisador é referência no assunto. A coletânea de Pino et al. (2004) traz também uma produção de destaque sobre o tema, elaborada por Santos (2004a), a qual se detectou como sendo uma das primeiras abordagens da questão por um pesquisador brasileiro.

Nesse escrito, Santos (2004a) apresenta um esforço teórico em que busca problematizar repercussões das políticas de educação sobre os professores. Constata

uma série de novas iniciativas alicerçadas na cultura de desempenho, e que ela usa como sinônimo da performatividade e, assim, apresenta ora um e ora o outro termo. Grosso modo, é explanada a atmosfera instaurada por essa lógica, e que vai paulatinamente redefinindo as formas de trabalho e as relações docentes cotidianas, forjando um modelo profissional que sutilmente instila “nos professores uma atitude ou um comportamento em que eles vão assumindo a responsabilidade por todos os problemas ligados ao seu trabalho e vão se tornando pessoalmente comprometidos com o bem-estar das instituições” (SANTOS, 2004a, p. 1153). Essa pesquisadora relata que uma vez imbuídos de atingir resultados cada vez melhores e a qualquer custo, problemas de saúde e índices de stress entre os professores se intensificam porque eles passam a se sentir culpados pelas falhas no processo escolar, avaliando- se continuamente pelo que lhes foi imposto e por ventura não atingiram, atribuindo a incapacidade pessoal e profissional a si próprios.

Identificaram-se ainda outras três publicações em periódicos, das quais duas exploraram a performatividade como eixo central para depreender elementos na realidade material do trabalho docente escolar (AMARO, 2014; IVO, HYPÓLITO, 2015) e outra examinou seus impactos no conjunto de medidas de gestão, currículo e trabalho docente (HYPÓLITO, 2011).

Hypólito (2011) assinala interpelações das formas políticas centradas no desempenho sobre os sujeitos, escolas e professores, o que para ele são fortemente promovidas pela operação da performatividade no cotidiano curricular, administrativo e pedagógico, através de um modo, em grande medida, silencioso e quase invisível de regulação educativa. São vastos os efeitos apontados, especificamente sobre a precarização e intensificação dos trabalhadores docentes, que passam a se sentir responsabilizados e culpados pelo seu desempenho, medidos e avaliados externamente sobre seu trabalho, impelidos a obter formação e alternativas para melhorar sua prática que não tenham esse foco, tudo como se não fosse responsabilidade do coletivo escolar e do sistema de ensino qualificar a educação (HYPÓLITO, 2011).

A pesquisa de Amaro (2014) estudou duas escolas públicas cariocas a fim de identificar reflexos dos resultados dos testes estandardizados e do IDEB sobre a prática docente. Tematiza, através disso, desdobramentos em nível de (im)potências regulatórias/emancipatórias dessas proposições, apontando a força da performatividade e de seus efeitos sobre a docência, em vista do

[...] não reconhecimento dos docentes como pensadores e participantes das decisões relativas à organização escolar, ao currículo, às práticas pedagógicas e, naturalmente, à avaliação pode tornar-se um obstáculo para alcançar os objetivos. Toda e qualquer ação e/ou política tem maior potencialidade se integrada à instituição de forma coparticipativa, corresponsável, coletiva e em um clima de confiança e pertencimento (AMARO, 2014, p.121).

Já Ivo e Hypólito (2015), analisaram efeitos sobre o trabalho docente em duas escolas municipais, de porte médio, no interior do RS, no cerne de uma gestão educacional com ênfase na meritocracia, nos índices educacionais e políticas de avaliação. Os dados coletados, obtidos através de entrevistas com membros da equipe administrativa e pedagógica da secretaria de educação e professores membros das gestões escolares, apontaram a alta influência de uma série de políticas educativas balizadas por índices, com ênfase nos resultados, na produtividade e na responsabilização sobre as práticas cotidianas escolares.

Ivo e Hypólito (2015) refletem sobre o teor das políticas orientadas estritamente por resultados como critérios de qualidade e centrados nos desempenhos de alunos e professores, distanciando-se de preocupações mais amplas com a qualidade educacional. Em suas conclusões, apontam efeitos sobre o trabalho docente, pela construção de uma forma de pensar docente em que estes se sentiam responsabilizados pelos resultados e pela qualidade do ensino, sendo permeados por sentimentos de culpabilização, individualização, competitividade e produtividade, a partir dos quais verdadeiros terrores da performatividade tornavam-se recorrentes.

Pela lapidação dos resumos dos 18 estudos internacionais e 22 trabalhos nacionais – 10 pesquisas de pós-graduação, 6 publicações em eventos, 4 em periódicos e os 02 textos iniciais dos dossiês -– elaborou-se o quadro 4.

Quadro 4 - Síntese dos principais temas nas publicações nacionais e internacionais sobre a performatividade e o trabalho docente.

Tema Internacional Nacional

Avaliações/Testes/Certificação docente 14 10 Resultados/metas/índices/ranking 8 8 Responsabilização (Accountability) 6 8 Desempenho 3 7 Controle/autonomia 5 7 Competitividade 2 5 Plano de carreira/prêmios/bonificações/mérito 3 8 Condições de trabalho/intensificação/sobrecarga 4 5 Currículo 1 2

Programas de formação docente 2 3

Em tal quadro são listadas 10 grandes categorias construídas a partir dos termos mais recorrentes sobre a performatividade e o trabalho docente na escola. Para a categorização, agruparam-se aquelas palavras com proximidade. E para a quantificação delas nas categorias, reconheceu-se a importância de apresentar os diversos indicadores que contemplassem elementos performativos, considerando-se a possibilidade de mais de um tópico ser abordado em um mesmo trabalho.

Ao final do mapeamento realizado, foi possível constatar que da busca articulada dos termos docência e performatividade ou, ainda, da docência e gerencialismo, emergiu uma boa quantidade de pesquisas. Porém, na exploração desses materiais se viu que a docência, em que pese ser contemplada em muitos estudos, muitas vezes aparece tratada como temática mais geral e vinculada à análise de outros elementos do cotidiano escolar, como gestão e currículo.

No caso da performatividade, foi possível depreender que tem sido tematizada crescentemente nas pesquisas nacionais, contudo, seu trato aparecendo de forma superficial. Notou-se, também, pouca quantidade de trabalhos empíricos imbuídos de entender efeitos da performatividade, ou seja, na relação entre os contextos macro-micro/globo-local, além de uma escassez de produções pautando alternativas contra-hegemônicas ao modelo disseminado pela lógica performativa. Fatores esses que justificam o enfoque e as direções assumidas nesta tese.