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1. INTRODUÇÃO

1.3. DIAGNÓSTICO DA ARTRITE REUMATÓIDE INICIAL

1.3.1. Marcadores sorológicos

a) Autoanticorpos

a.1) Fator reumatóide

O fator reumatóide (FR) é um anticorpo (mais frequentemente da classe IgM, embora possa ser de outros isotipos) dirigido contra a porção Fc de outra imunoglobulina (IgG) (38). É encontrado no soro de cerca de 70% dos pacientes com AR e se correlaciona estatisticamente com pior prognóstico - níveis mais elevados se associam à doença agressiva, presença de nódulos reumatóides e manifestações extra-articulares (39). Pode ser pesquisado pelos métodos do látex, Waaler-Rose, nefelometria e ELISA(38). A positividade do FR faz parte dos critérios do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) para diagnóstico de AR (24).

Individualmente, no entanto, o valor diagnóstico do FR é limitado. Até 30% dos pacientes com AR são soronegativos para FR, sendo que na fase inicial da doença essa cifra pode chegar a mais de 50% (40). Além da baixa sensibilidade,

a especificidade do exame também é limitada. O FR pode ser positivo em pessoas sem artrite (5% até 40% dos indivíduos normais, aumentando a prevalência com o envelhecimento) e em diversas outras condições, reumatológicas ou não (38,41,42), conforme exposto na tabela 2.

Tabela 2

Condições associadas à positividade do fator reumatóide

Condição Positividade do fator reumatóide (%)

Artrite reumatóide Síndrome de Sjögren Crioglobulinemia Doença mista

50 a 85

Lúpus eritematoso sistêmico Esclerose sistêmica

Endocardite bacteriana subaguda Hanseníase

Hepatopatias

25 a 50

Dermato/polimiosites Artrite idiopática juvenil Doenças pulmonares Tuberculose Neoplasias 10 a 25 Espondilite anquilosante Febre reumática Osteoartrite Artrite psoriásica Gota 5 a 10 Indivíduos normais 5 a 40

Fonte: Renaudinau Y et al, Autoimmunity 2005; Lindqvist E et al, Ann Rheum Dis 2005; De Rycke L et al, Ann Rheum Dis 2004.

Assim, a negatividade do FR não exclui o diagnóstico de AR e sua positividade deve ser cuidadosamente interpretada de acordo com os achados clínicos.

A variação dos títulos de FR não serve como marcador de atividade da doença, não havendo, portanto, necessidade de dosagens repetidas durante o acompanhamento da doença (43).

Alguns estudos reportaram resultados conflitantes sobre o fato dos isotipos FR IgA e/ou FR IgG serem melhores marcadores diagnósticos ou prognósticos que FR IgM para a AR, e esse ainda é assunto controverso na literatura (41,43).

a.2) Anticorpos contra proteínas/peptídeos citrulinados

Recentemente, diversos anticorpos contra proteínas/peptídeos citrulinados (ACPA) emergiram como uma ferramenta diagnóstica importante para a AR, com sensibilidade semelhante e especificidade superior a do FR, além de possível participação na fisiopatogenia da doença (44). Sua função como possíveis marcadores de atividade da AR é questionável (45).

a.2.1) Anticorpos anti-peptídeos citrulinados cíclicos

Entre os anticorpos dirigidos a antígenos do sistema filagrina- citrulina estudados, aqueles contra peptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) demonstraram maior aplicabilidade clínica. Trata-se de um exame com elevada sensibilidade (70-75%) e especificidade (até 99% - ELISA II) para AR, sendo útil sobretudo no subgrupo de pacientes com artrite na fase inicial e FR negativo (46). Sua pesquisa é válida na investigação de artrites inflamatórias indiferenciadas e parece agregar valor prognóstico adicional ao FR. Os anti-CCP

são detectados muito precocemente na evolução da AR e podem ser usados como um indicador de progressão e prognóstico da doença (47).

Existem vários questionamentos sobre os anti-CCP, incluindo a sua atuação como possíveis marcadores de atividade da doença (48), possível associação com a progressão da destruição articular (49) e a real diferença e custo-efetividade entre os ensaios ELISA atualmente disponíveis (CCP2, CCP3 e CCP3.1) (50).

a.2.2) Anticorpos anti- vimentina citrulinada

Demonstrou-se que a vimentina, encontrada nas células sinoviais da AR, é secretada e modificada por macrófagos, na dependência de sinais pró- inflamatórios, o que faz dessa proteína um auto-antígeno interessante para a avaliação da AR (51).

Os anticorpos contra vimentina citrulinada (anti-Sa) são anticorpos da classe IgG reativos contra um antígeno de 50 kDa presente na placenta, baço ou sinóvia humanos, de ocorrência independente do FR e dos demais ACPA. A sensibilidade para AR é de 20-68% e a especificidade de 92-99% (52-54).

Os anti-Sa estão presentes desde a fase precoce da doença e parecem identificar uma subpopulação de pacientes com AR inicial que evoluirão com doença agressiva e destrutiva (55). Sua ocorrência independe da presença de outros autoanticorpos, como FR e anti-CCP (56). A presença do antígeno Sa na sinóvia sugere que os anticorpos anti-Sa possam ter um papel patogênico do desencadeamento e/ou persistência da sinovite reumatóide (57). Embora os anti- Sa tenham sido descritos em 1994 (52), não existe até o momento um ensaio comercialmente disponível para sua detecção (58).

Os anticorpos contra vimentina citrulinada mutada (anti-MCV), representam uma evolução do protocolo para detecção de anticorpos anti-Sa. O ensaio anti- MCV (ELISA) para detecção de anticorpos contra vimentina citrulinada usa um antígeno com uma sequência geneticamente modificada, que é mais abundante em pacientes com AR (51).

Tem-se proposto que os anticorpos anti-MCV seriam melhores marcadores prognósticos para AR que os anti-CCP (51), e que poderiam atuar como marcadores de atividade da doença, mas o tema é ainda controverso (59-61).

a.2.3) Outros anticorpos contra o sistema filagrina-citrulina

Outros anticorpos contra o sistema filagrina-citrulina incluem o anti- queratina (AKA) e fator anti-perinuclear (APF) (62), anti-filagrina (63), anti- fibrinogênio citrulinado (ACF) (64) e o anti-proteína A2 do complexo de ribonucleoproteína nuclear heterogêneo (anti-RA 33) (62). Esses anticorpos têm, em geral, boa especificidade, mas uma sensibilidade inferior ao anti-CCP para o diagnóstico de AR. Não há evidência de que a flutuação dos níveis desses marcadores possa ter correlação com a atividade da AR.

a.3) Outros autoanticorpos

Entre os demais autoanticorpos avaliados como possíveis marcadores diagnósticos e prognósticos na AR inicial, podemos citar o anti-interleucina 1 (65), anti BiP ou anti-P68 (proteína de ligação de cadeia pesada) (66), anti-1-α-enolase

(67) e anti-produtos finais da glicação avançada (68), este último de especial interesse para a AR inicial.

Newkirk e colaboradores estudaram a relação entre anticorpos IgM anti IgG danificados por produtos finais da glicação avançada (AGE) –IgG e a AR. IgG- AGE ocorrem como resultado de hiperglicemia e/ou estresse oxidativo. Auto- anticorpos contra IgG-AGE haviam sido previamente demonstrados em pacientes com AR grave, de longa duração. Esses autores acompanharam uma coorte de 238 pacientes com artrite inflamatória com menos de um ano de duração e observaram que pacientes com níveis elevados de IgG-AGE tinham valores significantemente mais altos de VHS e PCR. Detectou-se IgG-AGE em todos os grupos de pacientes, mas a habilidade de produzir IgM anti-IgG-AGE estava restrita a uma subpopulação de pacientes FR positivo, com doença mais ativa (68).

1.3.2) Outros marcadores sorológicos

Outros exames vêm sendo utilizados na investigação da AR inicial. O objetivo é desenvolver métodos com sensibilidade e especificidade para o diagnóstico mais precoce da doença, marcadores de atividade mais confiáveis e indicadores de prognóstico. Esses métodos incluem:

- Estudos genéticos (69);

- Dosagem de marcadores do metabolismo ósseo e cartilaginoso (70): metaloproteinases de matriz (71-75), ácido hialurônico (76), telopeptídeo carboxiterminal dos colágenos tipo I e II urinários (77-79), peptídeo helicoidal do colágeno tipo II urinário (80), osteocalcina (81), betatelopeptídeo (81), proteína oligomérica de matriz cartilaginosa (82-84), anticorpos reativos a

glicosaminoglicanos (85), glicoproteína 39 da cartilagem humana (86-88), autoanticorpos que se ligam ao colágeno humano IX recombinante (89);

- Outros marcadores diversos: lecitina ligadora de manose (90,91), selectina E (92), leptina (93), interleucina 6 (94-95), marcadores de ativação do endotélio vascular (96,97).

Embora alguns desses marcadores sejam promissores, eles ainda não fazem parte do arsenal de investigação da rotina clínica.

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