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1. Espaços políticos do movimento negro e atuação das mulheres negras – lugar de

1.3. Marcha Nacional de Mulheres Negras

A Marcha Nacional das Mulheres Negras vem endossar a crítica à indigência do compromisso do poderio público. É trazer a tona que ser mulher negra em uma sociedade racista e sexista, faz experimentarmos situações de subordinações, baixa autoestima, dificultando o processo de cidadania. A marcha é o ato político de rua, que vem representar que as mulheres pretas estão se mobilizando, tomando consciência da sua condição e direitos e principalmente sinalizar o quanto nossa luta é importante.

A saída para participação da Marcha se deu no dia 17 de novembro de 2015, uma terça-feira a noite, de Uberlândia rumo à Brasília. O transporte foi mediado pelo SindUTE - Sindicato dos Trabalhadores da Educação/CUT- Central Única dos Trabalhadores com dois (2) ônibus disponíveis para mulheres interessadas em participar do ato. Como minhas atividades relacionadas à temática racial e inserção em algumas instituições que contribuem com a promoção da igualdade racial em Uberlândia já são conhecidas, fui convidada por organizadoras da caravana a somar forças na Marcha Nacional e estender o convite à coletiva de mulheres negras que construímos no espaço universitário. Por tratar-se de ações que são executadas em dias de semana, muitas mulheres negras trabalhadoras não puderam participar, de todo modo, conseguimos com soma das mulheres da comunidade externa, cantoras, artistas, trabalhadoras rurais, afro- empreendedoras, estudantes, dona de casa, ente outros segmentos, lotar os dois ônibus cedidos. O evento aconteceu na expressão média de 50 mil pessoas, consagrando um marco histórico para o movimento de mulheres negras. Conseguimos com toda movimentação dar maior visibilidade as conjunturas de opressões seculares a que somos submetidas, fortalecer nossas pautas, trocar experiências com as diversas regiões brasileiras, e reforçar uma postura coletiva de luta, fortalecimento identitário, autoestima e mobilização.

O trajeto proposto para execução da Marcha foi concentração a ser realizado no Ginásio Nilson Nelson6, no período da manhã, rumo ao Congresso Nacional, posteriormente retorno ao Ginásio onde aconteceriam shows, apresentações artísticas, feiras do afro-empreendedorismo e intervenções de figuras públicas, evidenciando pautas e objetivo do ato. Assim, com alguns atrasos, conseguimos seguir esse itinerário proposto, cansativo, mas gratificante evidenciando nossas diversidades enquanto mulheres negras, belezas e representatividade política.

A Marcha foi idealizada por iniciativa de diversas organizações e coletivos de mulheres negras, durante um encontro de pautas similares realizado em Salvador/ BA no ano de 2011. Desde a divulgação desse planejamento, movimentos de mulheres negras de todas as regiões brasileiras se mobilizaram para edificar esse ato. Nesse longo período de organização, os setores de mobilização se fortificaram, realizando oficinas,

formações políticas, debates, eventos em diferentes Estados em prol da equidade racial e de gênero, além de articulações que viabilizassem a Marcha Nacional.

A marcha foi uma passagem importante para balizar alguns pontos dessa pesquisa, o contato com as diferentes mulheres negras, cada vez adotando estilos próprios, penteados inovadores, e fomentando a construção da beleza negra, instigavam ainda mais minha vontade de compreensão desse universo de representações identitárias e seus impactos no todo social.

Nesse ambiente, enquanto pesquisadora, consegui vislumbrar uma ressignificação estética dessas mulheres. Várias mulheres ostentavam seus cabelos crespos coloridos de diversas cores, inclusive mais inusitadas como rosa, roxo e azul; modificavam a conjuntura estética do movimento, entendi ali que essas ações estavam relacionadas com o sentimento de liberdade. Muitas das mulheres negras com as quais tive oportunidade de conversar a respeito dos cabelos diziam que por anos tiveram que seguir um padrão de aceitação do cabelo liso, e que agora com a mudança para aceitação do cabelo crespo encaram que podem fazer o que quiserem com seus cabelos. As mulheres negras por muito tempo viveram em um processo de negação. É interessante perceber, sem nenhuma pretensão de generalizar tal fato, que de todas as mulheres negras que dialoguei ao longo da pesquisa, seja na entrevista, ou espaços correlatos, todas passaram pelo processo de anulação do ser negra pelos seus cabelos crespos; todas evidenciaram seu descontentamento e a dificuldade de lidar com o cabelo natural e que passaram por tratamentos químicos diversos para se enquadrarem em um perfil de beleza aceitável. Desde a escravização já era submetido a nossas antepassadas que utilizassem do seu cabelo preso ou adornados com um pano, tal como conhecemos os turbantes hoje. Todo esse histórico traz consigo uma forma simbólica e indireta de negar quem somos, de tentar nos sentirmos aceitas na ótica do opressor, e utilizar de qualquer subterfugio para tal. Poder se afirmar através dos cabelos crespos, é evidenciar uma consciência histórica de si, ser fonte de inspiração para outras e desse modo estruturar uma revolução.

Essas observações me fizeram aprofundar um pouco mais sobre essas novas mudanças na tentativa de compreensão do movimento estético oriundo das mulheres negras e suas significações. Toda essa percepção me fez adensar ainda mais na tônica do lidar com cabelos crespos e seus desdobramentos nas relações raciais estabelecidas

socialmente. Cada espaço de inserção foi um processo de aprendizagem e abrangência da pauta não central, mas diretamente crucial para construção da identidade étnica.

1.4. I Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros