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MARCO TEÓRICO CONCEITUAL

No documento FRANCYNE VEIGA REIS CYRINO (páginas 40-45)

Buscando compreender as vertentes do objeto de nossa investigação, o qual constitui a compreensão dos profissionais de saúde da estratégia saúde da família no reconhecimento da retinopatia diabética como forma da prevenção da cegueira, optamos por fundamentar nossa reflexão no pensamento de PIERRE BORDIEU (1999) que indica que a escolha do método não deve ser rígida, mas sim rigorosa (ou seja, o pesquisador não necessita seguir um só método com rigidez, mas qualquer método ou conjunto de métodos utilizados, que devem ser aplicados com rigor).

Segundo este autor, as divisões constitutivas da ordem social e, mais precisamente, as relações sociais estão constituídas e se inscrevem, progressivamente, em duas classes de "habitus":

O conhecimento adquirido é também um haver, um capital; mostra a disposição incorporada, quase postural. Evidencia ainda a noção de "habitus", diferentemente da palavra hábito, as capacidades "criativas, ativas e inventivas do agente, embora chamando atenção para a idéia de que este poder gerador não é de um espírito universal, de uma natureza ou de uma razão humana.

Tais classes, diferentes, se expressam sob a forma de hexis corporais opostos e complementares e de princípios de visão e de divisão, que levam a classificar todas as coisas do mundo e todas as práticas segundo distinções redutíveis (BORDIEU,1999, p.41).

A dominação simbólica (seja ela de etnia, de cultura, de língua, etc.) se exerce através de esquemas de percepção, avaliação e ação que são constitutivos do habitus.

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações - e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983b, p. 65)

Ou seja, um equilíbrio entre estrutura (meio exterior) e agente (indivíduo) onde a liberdade e o determinismo se incorporam nas ações dos agentes sociais, refletindo-se na maneira como a sociedade se deposita nas pessoas sob a forma de disposições duráveis, como o modo de pensar, agir, falar e também as respostas dos indivíduos (agentes) às solicitações do meio social em que vive, as quais são guiadas pelas disposições apreendidas no passado, ao longo da trajetória de vida, a partir da família e da escola.

Assim, na falta de um sistema único e permanente de valores que oriente a ação, o indivíduo é levado então a traçar seus próprios caminhos, no processo de socialização ao longo da vida, o que nos permite avançar em cada situação, já que é na constituição do habitus que adquirimos todas as estruturas mentais para agir.

No quesito promoção da saúde {...}, reinterando o habitus, incluem-se as diferentes dimensões da experiência humana; a subjetiva, a social, a política, a econômica e a cultural e coloca a serviço da saúde, os saberes e aç es produzidos nos diferentes campos do conhecimento e das atividades.

Evidências já mostram que a saúde está muito mais relacionada ao modo de viver das pessoas do que a idéia preponderante da determinação genética e biológica. O sedentarismo, a alimentação inadequada e não saudável, o consumo de álcool, tabaco e outras drogas, o frenesi da vida cotidiana, a competitividade, e o isolamento são condicionantes diretamente relacionados produção das doenças

modernas e o agravamento das doenças crônicas, silenciosas e incapacitantes, seja pela falta de tempo ou mesmo pela falta de atenção/orientação e cuidado, como por exemplo na diabetes e suas complicações, como a retinopatia diabética.

Assim, o sentido que se constrói a partir da percepção dos profissionais de saúde sobre a retinopatia diabética, poderá influenciar a forma de atendimento dessas pessoas, com as quais há uma interação além do profissional e também social, posto que é realizada dentro do programa de estratégias da família.

O fato de que diferentes profissionais atuam nesse programa, mediante saberes distintos, evocam ainda diferenças no atendimento. Sobre tais diferenças, Bordieu (1997, p. 9) traz o conceito de capital cultural, para quem este existe sob três formas: as disposições duráveis do organismo. Sua acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação, demandando tempo, pressupondo um trabalho de inculcação e assimilação, na forma de bens culturais (livros, quadros, etc.) e no estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o dinheiro, guardam relativa independência com relação ao portador do título. Essa certidão de competência institui ao portador o capital cultural [...].

Embora o Programa de Estratégias Saúde da Família, seja um espaço privilegiado de orientações e transmissão de conhecimento interventivo do lugar da saúde, ele não se constitui no único lócus de saúde, e nem mesmo no único espaço onde o capital cultural é imposto. No entanto, o PESF reafirma a aptidão de seus profissionais através da admissão dos mesmos como tais, dotados de seus respectivos certificados.

Para Bordieu (2002, p.21), tais agentes

Estão inseridos na estrutura e em posições que dependem do seu capital e desenvolvem estratégias que dependem, elas

mesmas, em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições. Estas estratégias orientam-se seja para a conservação da estrutura, seja para sua transformação e pode- se genericamente verificar que, quanto mais as pessoas ocupam uma posição favorecida na estrutura, mais elas tendem a conservar ao mesmo tempo e estrutura e sua posição, nos limites, no entanto, de suas disposições (isto é, de sua trajetória social, de sua origem social) que são mais ou menos apropriadas à sua posição.

Também, François Laplantine (2002) ao falar da construção e distinção dos modelos de doença e da cura explicita que:

Cada sociedade, cada grupo social, cada indivíduo só retém um pequeno número de soluções entre aquelas possíveis. Em toda cultura, em um determinado momento, privilegia-se um certo número de representações (que podem ser chamadas de dominantes) em detrimento de outras representações que nem por isso estão ausentes, mas marginalizadas com relação às precedentes e, algumas delas, descartadas (definitiva ou momentaneamente), ou seja, eliminadas do campo social atual. (FRANÇOIS LAPLANTINE, ed. 2002 p.37)

No documento FRANCYNE VEIGA REIS CYRINO (páginas 40-45)

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