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Portugal deveria reformar a sua política colonial, mas afastou-se um pouco do bloco afro- asiático.

1.4 – A questão colonial portuguesa na ONU depois de 1961

Depois de 1961, com o eclodir da guerra em Angola, Portugal tornou-se um dos alvos a abater na ONU. Após a IIGM, muitos países da Ásia, a iniciar pela Índia, e da África, desde 1957 com o Gana, tornaram-se independentes e membros da ONU. Procuravam agir segundo alguns princípios, como o anticolonialismo e o não-alinhamento, firmados na Conferência de Bandung, em Java, na Indonésia, em 1955. Esse grupo de novos Estados tornou-se a maioria na Asssembleia Geral (AG) da ONU e formaram o bloco afro-asiático.

Apoiando o seu compromisso com o anticolonialismo, a AG da ONU, sob iniciativa e pressão dos afro-asiáticos, aprovou, em Dezembro de 1960, a Resolução 1514, que condenava todas as formas de colonialismo e apoiava o direito imediato à autodeterminação de todos os povos colonizados. Com a aprovação das Resoluções 1541 e a 1542, em 1961, todas as colónias portuguesas são declaradas territórios não autónomos, sendo o Governo português obrigado a prestar informações sobre as mesmas à ONU.

Lisboa reagiu afirmando que os assuntos das suas colónias, agora transformadas em “províncias ultramarinas”, eram da sua jurisdição interna e que a ONU não tinha nada a ver com aquilo. Para Franco Nogueira, «não pode o Governo de Lisboa aceitar a impugnação de uma atitude soberana, e rejeitará qualquer interferência em assunto que, segundo a interpretação da Carta sempre acatada até agora pela ONU, constitui matéria de jurisdição interna»60. Lisboa argumentou que os seus direitos sobre suas províncias ultramarinas são inalienáveis, sua pertença resistiu às marcas do tempo e que a sua defesa deveria ser implacável.

A pressão era tanta que já circulava nos bastidores da ONU a seguinte pergunta: «Portugal abandonará as Nações Unidas, ou não?»61. Lisboa começou a notar que a sua presença na ONU era inoportuna e prejudicial, e «em Nova Iorque é pedida a expulsão de Portugal de conferências promovidas pela ONU, ou das suas agências especializadas»62. Um cidadão estado-unidense, John Scott Swart, escreveu, a 4 de Janeiro de 1962, para o Presidente do Conselho do Governo português, com conhecimentos para representantes

60 NOGUEIRA, op. cit.a: 31. 61 Ibidem: 390.

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permanentes na ONU de Portugal (Dr. Vasco Vieira Garin), de Espanha (Don Jose Felix Lequerica), de França (Mr. Armand Berard), da China (Dr. Tingfu S. Tsiang), da África do Sul (Mr. Bernardus Fourie) e dos Estados Unidos (Mr. Adlai E. Stevenson). Na missiva, afirmava que tomou conhecimento pela imprensa da possível saída de Portugal da ONU e temia que Lisboa tomasse uma decisão a respeito tão tardiamente que não valeria pena. Outrossim, aconselha Salazar a, se quiser abandonar a ONU, fazê-lo em bloco, juntamente com vizinhos europeus como a Espanha e a França, e outros aliados nos outros continentes, como a África do Sul e a China. A se concretizar, essa saída massiva provocaria o início da destruição da ONU, que a considerava organização comunista e cavalo de Troia da época63.

Todavia, Portugal consegue manter-se na ONU, com o apoio da França, da Alemanha Federal e com a retomada do apoio de Washington. Conta ainda com apoio da África do Sul e do Malawi na África Austral e com o apoio do Brasil, bem como de outras nações ocidentais, mas também aguentando a oposição de um pesado bloco afro-asiático.

Portanto, o fim da IIGM provocou uma alteração radical da política externa portuguesa, pois teve que lidar com os riscos reais do desmantelamento do Império, sendo obrigada a adotar todas as medidas para manter o status quo. O apoio da administração Kennedy, nos primeiros momentos da sua execução, ao bloco afro-asiático contra Portugal na ONU, bem como os contactos com Holden Roberto, com Henrique Galvão e com Botelho Moniz, fizeram Portugal ensaiar novas alianças na sua política externa, com destaque para a França e a República Federal da Alemanha, mas também, e mais importante ainda, com a África do Sul, o Malawi e a Rodésia do Sul, devido à política africana antiportuguesa na OUA e na ONU.

Por conseguinte, uma vez analisada as linhas gerais da política externa portuguesa, importa abordar, também, o aspecto particular de África, direcionada no sentido de impedir a perda das possessões ultramarinas sob seu domínio, para depois se estudar os casos particulares da RDC/Zaire e da Zâmbia.

32 Capítulo II – Portugal e as independências africanas

Após analisar os principais pontos da política externa portuguesa depois do término da IIGM, importa abordá-la na sua direção à África.

Como o foco principal do presente capítulo recai sobre as tentativas de independência das colónias portuguesas, estando todas na África a Sul do Sara, é esta parte do continente berço que vai estar no cerne do presente capítulo. As independências africanas ganham um novo impulso depois que o Gana surge como Estado independente em 1957. Com a vaga de independências em 1960 e a criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963, a pressão para a descolonização será maior para Portugal, tanto em África como na ONU. Como Portugal vai reagir diante desta nova realidade?

2.1 – Fatores subjacentes às independências dos Estados africanos

A Segunda Guerra Mundial é um dos fatores mais importantes na descolonização da Ásia e de África. O mundo que se pretendeu desenhar para o pós-guerra seria um mundo sem colónias. A Carta da ONU reservou três capítulos – os capítulos XI, XII e XIII – para regular o processo de transição às independências.

Durante a IIGM, muitos cidadãos dos territórios colonizados combateram nas fileiras das potências colonizadoras. Segundo Ki-Zerbo, «centenas de milhares de negros participaram nela em teatro de operações tão variados como a Líbia, a Itália, a Normandia, a Alemanha, o Médio Oriente, a Indochina, a Birmânia, etc»64. O mesmo autor acrescenta que «em 1940 havia 127 320 atiradores da África Ocidental Francesa, 15 500 da África Equatorial Francesa e 34 000 de Madagáscar»65. Essa participação direta no conflito mundial deu aos africanos uma experiência no campo da defesa dos seus direitos e terá sido um dos fatores subjacentes ao início das independências.

Um outro fator relevante para as independências africanas é a ação das duas superpotências surgidas no pós-guerra, nomeadamente os EUA e a URSS. Surgida a Guerra Fria, as duas superpotências vão pugnar pela conquista do espaço que estava a ser deixado pelas potências colonizadoras. Todavia, o papel da URSS vai ser mais evidente devido, primeiro, à relação privilegiada dos EUA com as potências colonizadoras, mormente no âmbito da OTAN, como Portugal e, segundo, o facto de a URSS manter uma posição de

64 KI-ZERBO, 2002:158.

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