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Marcos Histórico-Sociais da Educação Profissional no Brasil

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2 CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

2.1 Marcos Histórico-Sociais da Educação Profissional no Brasil

No Brasil, a organização do ensino secundário e a implementação da educação profissional nos vários níveis de ensino acompanharam as transformações ocorridas na sociedade, principalmente na segunda metade do século XX, e de forma mais acelerada, na sua última década. Essas transformações evidenciaram a necessidade de se dispor de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica tendo por base o desenvolvimento econômico e social do país, já apontando para a necessidade deste ocorrer de forma sustentável. Nesse contexto, a elaboração de novas políticas educacionais para o ensino técnico, implicou em superar a dicotomia entre formação profissional e formação propedêutica, associando o ensino a uma nova cultura do trabalho e da produção.

Para fundamentar essa discussão, é importante realizamos uma abordagem histórica da trajetória da educação profissional no Brasil, a partir do entendimento do trabalho como categoria ontológica, bem como apresentamos uma discussão sobre o desafio da inclusão de pessoas com necessidades especiais no ensino profissional visando uma qualificação profissional para acesso ao mercado de trabalho. Nesse sentido, apresentamos, ainda que de forma sucinta, o Programa de Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais – TEC NEP (MEC, 2010), ora proposto pelo Governo Federal.

Sabemos que o conceito de formação profissional utilizado durante muitos anos no país, vem sofrendo mudanças ao longo do tempo, principalmente nas últimas décadas. Até pouco tempo, a educação profissional limitava-se a uma concepção instrumental e pragmática, à transmissão ordenada e sistemática de conhecimentos tecnológicos, alicerçada na dualidade educacional, e voltada quase que exclusivamente para os filhos das camadas populares.

Desde o início, todavia, fica evidente uma contradição insolúvel entre a estrutura político-econômica, as relações sociais da sociedade nascente e a necessidade de uma educação dual: uma escola clássica, formativa, de ampla base científica e cultural para as classes dirigentes e outra pragmática, instrumental e de preparação profissional para os trabalhadores. Trata-se de ensinar, treinar, adestrar, formar ou educar na função de produção adequada a um determinado projeto de desenvolvimento pensado pelas classes dirigentes. Uma educação em doses homeopáticas, para Adam Smith, ou que prepare para "o que serve" numa função adequada ao sistema produtivo já que o que for a mais, como ensina Stuart Mill, é supérfluo e oneroso. (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS. 2004, p. 03).

É relevante retornar às políticas da educação profissional para compreender o contexto em que elas surgiram nas instituições federais de ensino agrícola e a finalidade para a qual foram

17 criadas. A difusão de tecnologias, no ensino profissional agrícola, foi marcada por uma concepção de agricultura com alta entrada de insumos externos e voltada para a exportação, desde os seus primórdios.

No Brasil Império, o ensino técnico profissional tem sua história fundamentada por uma concepção separatista que distinguia os que almejavam o saber, e podiam cursar o ensino secundário e o superior, e os que apenas executavam tarefas manuais, aos quais no máximo se destinava o ensino profissional. O ensino profissionalizante originalmente foi destinado às classes menos favorecidas, aos „desvalidos da sorte‟, aos menores carentes, com o sentido de ofertar-lhes, como uma benesse do Estado, uma possibilidade de inclusão à força de trabalho (CUNHA, 2000).

Durante o Império, tanto as práticas educativas promovidas pelo Estado como as da iniciativa privada pareciam refletir duas concepções distintas, mas complementares: uma de natureza assistencialista e compensatória, destinada aos pobres e desafortunados, de modo que pudessem, mediante o trabalho, tornar digna a pobreza; a outra dizia respeito à educação como um veículo de formação para o trabalho artesanal, considerado qualificado, socialmente útil e também legitimador da dignidade da pobreza (MANFREDI, 2002, p 78). Segundo Cunha (2000, p. 16), como na agricultura predominava o latifúndio e o trabalho escravo, o trabalho manual (labor) era relegado a uma categoria de inferioridade. Assim, o ensino das atividades manuais também era inferiorizado, com cunho segregacionista, voltado para a oferta de educação rudimentar aos órfãos e pobres, inicialmente ministrado em instituições13 de caráter filantrópico, criadas para oferecer aprendizagem em ofícios manufatureiros a crianças desvalidas, recolhidas de preferência, entre a população rural, educadas na disciplina e nos hábitos necessários ao desenvolvimento posterior do trabalho, como mão-de-obra barata para as oficinas e indústrias. Em oposição, as crianças originárias das famílias mais abastadas, após a instrução primária ministrada por preceptores no âmbito do próprio lar ou em colégios internos, iriam cursar um ginásio ou Liceu, após o que se destinavam aos cursos superiores, no país ou na Europa, onde adquiriam o título de bacharel. O dualismo estrutural que dividia não só a educação, mas a sociedade inferiorizava as atividades manuais, o trabalho produtivo, e da mesma forma a preparação para este, valorizando a formação acadêmica voltada para o saber desinteressado, para o trabalho intelectual.

A formação profissional associada à inferioridade laboral do trabalho agrícola, e posteriormente do comercial ou industrial, era destinada aos necessitados nunca aos abastados. Vale mencionar que em 1816, já existia formação técnica na Escola de Belas Artes, integrando o ensino das ciências e do desenho para os ofícios mecânicos. O Arsenal da Marinha da Corte também recebia, desde 1837, menores abandonados para serem profissionalizados, tornando-os “úteis à nação”. O treinamento sistemático de menores órfãos, abandonados ou desvalidos, para serem incorporados como força de trabalho aos arsenais militares foi regulamentado em 1857, nas Companhias de Aprendizes Menores dos Arsenais de Marinha (MANFREDI, 2002).

Dentro dessa concepção e no mesmo contexto histórico do Império, foram construídas ainda dez “Casas de Educandos e Artífices” (MANFREDI, 2002, p. 76), em capitais de

13 Um dos mais antigos estabelecimentos de que se tem notícia é a Casa Pia de São José (1804), mais tarde, em

18 província, senda a primeira delas em Belém do Pará, com o objetivo prioritário de atender os menores abandonados, “diminuindo a criminalidade e a vagabundagem”. Posteriormente, em 1854, o Decreto Imperial criou estabelecimentos especiais para menores abandonados, denominados Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos.

De acordo com Miranda (1949, p. 12), no Rio de Janeiro, por meio do Decreto nº. 15, de 01 de abril de 1848 foi criada a primeira escola de agricultura, localizada na Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de Freitas e que deveria possuir um caráter teórico-prático. Em 1864, o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura fundou um Asilo Agrícola, destinado a menores órfãos, cuja preocupação era treinar os desvalidos da sorte. Em 1885, foi criada a Escola de Santa Cruz, por D. Pedro II, com a finalidade de profissionalizar os filhos dos ex-escravos da Corte.

A criação dos “Liceus de Artes e Ofícios”, sendo os mais importantes localizados no Rio de Janeiro (1866), Salvador (1872), Recife (1880), Maceió (1884) e Ouro Preto (1886), deu início ao ensino industrial e comercial no Brasil Império. Os Liceus de Artes e Ofícios eram instituições, mantidas com auxilio governamental e por sociedades particulares através de quotas de sócios e doações de contribuintes membros da burocracia do Estado, nobres, fazendeiros e comerciantes, destinadas a “amparar crianças órfãs e abandonadas” e prepará-las para o exercício profissional. (MANFREDI, 2002, p 78).

Segundo Miranda (1949, p. 12), ainda no período imperial, em 1875, foi criada a primeira escola agrícola de nível superior, a Escola Agrícola na Bahia, voltada para formação de engenheiros agrônomos, com o objetivo de realizar pesquisas e experimentações para a agricultura, em virtude da necessidade de sustentar a economia cafeeira, que era à base da riqueza do país, com vistas a formar profissionais adequados as novas exigências da colônia e ao aparecimento de novas tecnologias. Também foram fundadas nesse período escolas agrícolas em Pelotas/RS, Piracicaba/SP, Lavras/MG. Todas foram posteriormente transformadas em Liceus de Agronomia e Veterinária.

Ainda segundo Manfredi (2002, p 85), somente no século vinte, em 1906, o ensino profissional passou a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, quando foi criado pela Lei 1.606, de 12 de agosto de 1906, o ensino agrícola profissionalizado. Três anos depois, através do decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, foram criadas 19 Escolas de Aprendizes e Artífices por iniciativa do Presidente Nilo Peçanha, que possuíam um objetivo muito mais social do que técnico, com um caráter terminal e não se articulavam com os demais graus de ensino. Vejamos o que diz o referido Decreto:

Considerando: que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes operárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação” (Decreto Lei nº 7.566, de 23 de setembro de 1909).

Em 28 de fevereiro de 1918, o Decreto nº. 12.893, criou os 23 Patronatos Agrícolas, em vários Estados brasileiros, que se destinavam a oferecer o Ensino Profissional Primário - elementar, médio e complementar junto a noções de práticas de agricultura, zootecnia e veterinária, destinavam-se, em especial, ao aproveitamento de “menores abandonados ou sem

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meios de subsistência por falta de ocupação legítima”, objetivando uma obra de “previsão social e econômica” (Cf. Decreto 12.893, de 28 de fevereiro de 1918).

O Decreto nº. 15.706, de 25 de janeiro de 1919 transformou esses patronatos em espécie de orfanatos, que deveriam funcionar como “centro de aprendizagem e, ao mesmo tempo, de

divulgação dos métodos culturais, processos de manipulação concernentes à agricultura e indústrias rurais de aplicação imediata à zona agrícola que serviu” (Brasil, 1919). Os cursos

exigiam dos alunos o trabalho nos diversos setores do Patronato e aos alunos de boa conduta eram reservados pequenos lotes para cultivo, sendo que estes teriam direito a renda líquida obtida com a venda dos produtos.

Estas primeiras iniciativas oficiais de oferta de educação aos não qualificados, de qualificação profissional de técnicos e, ainda, de educação continuada tinham o objetivo de atualizar, aperfeiçoar, especializar e requalificar trabalhadores, entretanto não foram bem sucedidas. A manutenção de instituições dedicadas à educação profissional não eram de fato consideradas prioridade, nem para o governo, nem para a iniciativa privada, e algumas instituições criadas pelos Decretos 12.893/1918 e 15.706/1919 não chegaram a ser implantadas, refletindo o descaso da República Velha com a educação em geral e com a educação profissional em particular.

O cenário começaria a mudar a partir da Revolução de 1930, quando o país inicia um processo de modernização da economia e da sociedade brasileira, com o incremento da urbanização das grandes capitais, da industrialização, a par de significativas reformas políticas. Para atender as demandas da industrialização que exigia mão de obra qualificada, em 1942, a formação profissional começou a ocorrer em nível médio de segundo ciclo, em cursos técnicos agrícola, comercial e industrial. Surgem, assim, as escolas técnicas e o sistema privado de educação: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) ambos com vistas a atender às demandas do crescente desenvolvimento industrial pautado no paradigma taylorista-fordista. Entretanto, continuava-se mantendo a dualidade estrutural da educação no Brasil, com uma educação profissional voltada para a classe trabalhadora, e uma educação propedêutica para as camadas médias e altas (RIOS, 2010).

O crescente desenvolvimento dos setores secundário e terciário, já a partir da década de 1950, segundo Rios (2010, p.17), gerou mudanças contínuas no mundo do trabalho, provocando por sua vez mudanças também no sistema educacional, principalmente no que tange à educação

profissional: saberes não acadêmicos precisavam ter sua legitimidade reconhecida. A

promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, finalmente estabeleceu a equivalência entre os cursos propedêuticos e profissionalizantes, permitindo a ambas as modalidades à continuidade nos estudos, até então restrita aos primeiros, e o acesso ao nível superior. Cabe, no entanto registrar, que a dualidade educacional persistia, visto que continuavam existindo dois distintos ramos de ensino, um para a formação de trabalhadores instrumentais e outro para a formação de trabalhadores intelectuais, estes últimos mais prestigiosos, destinados aos cargos de chefia e melhor remunerados.

A educação profissional agrícola permaneceu até 1967 a cargo do Ministério de Agricultura, sendo neste ano assumida pelo Ministério da Educação. Na década de 1960, o Brasil vivia o recrudescimento das contradições políticas, econômicas e sociais, assim como ocorria em quase toda a América latina, sofria com a implantação de uma ditadura militar, que prometia acelerar o crescimento econômico „em ritmo de Brasil Grande‟. A face agrícola do „milagre brasileiro‟, como em outros países periféricos, teve como carro-chefe a chamada “Revolução

20 Verde14”. Para implantar a “Revolução Verde” no Brasil rural era necessário investir na formação de técnicos agrícolas que disseminassem esse modelo pelo campo, daí a implantação da metodologia do sistema escola-fazenda15 nas instituições dedicadas ao ensino agrícola.

O sistema escola-fazenda, durante muito tempo, norteou a organização estrutural e didática das escolas e colégios agrícolas, baseada no principio do “aprender a fazer e fazer para aprender” (BRASIL, 1975). Na década de 1970, a utilização do sistema Escola-Fazenda, consolidou-se no âmbito das Escolas Agrícolas, com o objetivo de formar técnicos capazes de colaborar na solução de problemas de abastecimento, produzir gêneros alimentícios de primeira necessidade e matéria prima da melhor qualidade, de maneira econômica, para a indústria, assinalando um perfil profissional de agente de produção, visto como um agente de serviço, que atuaria no mercado de trabalho, em empresas que prestam serviço aos agricultores (SOARES, 2003, p.81).

Sob a euforia do „milagre brasileiro‟ o regime militar implantou uma reforma educacional que visava preparar a mão-de-obra qualificada exigida pelo crescimento econômico acelerado vivido pelo país, e „docilizar‟ o segmento estudantil, retirando dos currículos disciplinas que poderiam provocar senso crítico, fechando entidades e proibindo a organização estudantil. O período de restrições democráticas e crescimento econômico marcou a política educacional, principalmente com a Reforma Universitária de 1968 e a Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, que fixava as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus. Dessa forma, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2004, p.08) “efetiva-se um novo ciclo de reformas educativas, no plano organizacional e pedagógico. Passamos da ditadura civil-militar à ditadura do mercado”.

O contexto econômico e produtivo do país nas décadas de 1960 e 1970 demandou uma formação profissional mais qualificada, principalmente de nível técnico. A partir daí, os marcos legais da educação consideraram a necessidade de mudanças na trajetória da educação profissional, a exemplo da Lei Federal nº 5.692/71, que reformulou a Lei Federal nº 4.024/61, no que se refere às orientações sobre de primeiro e segundo graus. A Lei 5.692/71 estabeleceu a profissionalização compulsória do ensino secundário, tendo como fundamento a teoria do capital humano, baseada no Taylorismo16, definindo uma nova política do ensino técnico e médio, complementada pelo Decreto nº 72.434 de 9 de julho de 1973. Os decretos propunham a plena articulação entre os graus de ensino, através de um núcleo comum e de uma parte diversificada, numa tentativa, pelo menos no nível do discurso oficial, de acabar com a dualidade estrutural entre ensino acadêmico propedêutico e técnico profissionalizante, em uma tentativa ineficaz de unir trabalho manual e trabalho intelectual (BRASIL, 2007).

14 A “Revolução Verde” visava desenvolver ao máximo a produção agrícola, visando a exportação e se

caracterizava pelo plantio de grandes áreas, dedicadas especialmente à monocultura de grãos, implicando na retirada da vegetação natural e intensivo preparo do solo, mecanização de todo o processo de produção, com impactos ambientais e sociais nocivos, como a aceleração da erosão, contribuindo de forma significativa para o assoreamento dos rios e riachos, e provocando ainda desemprego nas áreas rurais. (BRASIL, 2007).

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O sistema escola-fazenda foi introduzido no Brasil em 1966, como conseqüência da implantação do Programa do Conselho Técnico Administrativo da Aliança para o Progresso-Contap II (Convênio Técnico da Aliança Para o progresso). O sistema sustentava-se no processo ensino/produção, e visava conciliar educação, trabalho e produção, fazendo do trabalho um elemento integrante do processo ensino/aprendizagem. O objetivo de proporcionar a vivencia da realidade social e econômica e da comunidade rural, obviamente era direcionado para a implantação da „Revolução verde‟ no mundo rural brasileiro. (BRASIL, 2009)

16Taylorismo ou Administração científica é o modelo de administração desenvolvido pelo engenheiro estadunidense

Frederick Winslow Taylor (1856-1915), que é considerado o pai da administração científica. Caracteriza-se pela ênfase nas tarefas, objetivando o aumento da eficiência ao nível operacional. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Taylorismo.

21 Obviamente, a iniciativa estava fadada ao fracasso sem uma ampla destinação de recursos públicos e uma adequada formação de professores, mesmo por que uma mudança de tal vulto não se implementa por decreto. Assim, após uma década de estratégias de escamoteamento da profissionalização compulsória, principalmente nos estabelecimentos privados, que continuaram a ministrar o ensino propedêutico apesar de forneceram certificados de cursos técnicos de fato não realizados, é editada a Lei 7.044, em 18 de outubro de 1982, alterando os dispositivos da Lei 5692/1971, referentes à profissionalização do ensino de 2º grau. Assim, findava em fracasso a tentativa de implantação de um sistema de ensino que buscou, pelo menos na teoria, unir trabalho manual e trabalho intelectual, devido tanto à crônica discrepância prática do sistema educacional em relação ao sistema ocupacional quanto à resistência passiva da clientela, oriunda tanto das camadas média e alta quanto da classe trabalhadora.

A mudança da legislação não se seguiu a correspondente mudança de mentalidade sobre a importância da educação técnica profissional. Infelizmente, as funções formativa, propedêutica e profissionalizante atribuídas ao ensino médio e técnico, no Brasil, ainda são encaradas como contrapostas e excludentes, o transforma em desafio a necessidade de integrá-las (PAULA, 2010).

Como podemos observar, nas duas últimas décadas do século XX, o país ingressou em uma nova fase econômico-social. A educação profissional adquiriu característica diferenciada do sistema educacional. A reforma da educação profissional no Brasil nasceu em função da mudança da base tecnológica do processo produtivo, dentro de uma visão neoliberal, na qual a qualidade estava vinculada a relação custo/benefício (SOUZA, 2004, FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2004; MAUÉS, 2008; FERRETI, 2008).

A fim de atender as determinações propostas da nova Constituição Federal de 1988, que preconizavam o princípio da igualdade de oportunidades educacionais com vistas ao mundo do trabalho e da inserção no meio social como direito de todos os cidadãos, os governos estaduais começaram a instituir verdadeiras redes de escolas de educação profissional. As iniciativas implementadas pelos Governos Estaduais, em atendimento às diretrizes da Carta Magna de 1988, seguindo o mesmo rumo do Governo Federal, no que tange ao processo de inclusão, apesar do avanço significativo não necessariamente representaram uma mudança qualitativa na educação profissional, pois continuaram mantendo o traço assistencialista, sendo que o objetivo prioritário passou a ser preparar operários para o exercício profissional.

Na última década do século XX, as mudanças no mundo produtivo demandaram uma crescente necessidade de elaboração de novas políticas educacionais para o ensino profissional. Em 12 de abril de 1990, o ensino técnico passou a ser subordinado à Secretaria Nacional de Educação Tecnológica (SENETE), até 1993 quando veio a ser a Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC), sendo então responsável pelas políticas do ensino médio e da educação profissional tecnológica.

Sobre essa questão, Souza (2004) acrescenta que:

[...] a educação profissional tem respondido, de modo específico, às necessidades de valorização do capital, ao mesmo tempo em que tem se constituído em um espaço de significativo potencial contra-hegemônico para a classe trabalhadora, na medida em que, através da ampliação das oportunidades de acesso ao conhecimento, abre novas possibilidades de organização e luta por educação para a classe trabalhadora (SOUZA, 2004, p. 13).

A edição do Decreto 2.208/97, que regulamentou o parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da Lei nº 9394/1996, que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

22 legitimam mais uma vez a dualidade estrutural da educação brasileira, ao estabelecer a separação conceitual e operacional entre o Ensino Médio e a Educação Profissional e Tecnológica. Esta separação foi à base para a reforma do ensino médio e profissional no Brasil, entendida como forma de garantir identidade própria tanto para educação profissional como para o ensino médio. O primeiro com premissas ancoradas à lógica do mercado e a segundo com perspectivas de preparação para continuidade dos estudos em nível universitário; contrapondo-se a perspectiva de especialização profissional. Vejamos:

Art. 3º A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhos, independentes de escolaridade prévia;

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