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Durante o percurso intelectual e militante de Marcuse encontramos uma pergunta recorrente: por que as revoluções acabam traídas? – um questionamento típico de quem vivenciou as esperanças sufocadas de um novo mundo12. No entanto, para além do campo biográfico, podemos notar esta questão como parte de uma teoria da revolução presente em toda a obra de Marcuse. Esta preocupação teórico-prática seria o mote de seu envolvimento com várias fontes da filosofia alemã nos tempos de sua juventude, da fenomenologia à dialética marxista. Neste terreno, o que o presente capítulo pretende mais especificamente é compreender a aproximação entre Marcuse e Heidegger. Afinal, entender esta passagem permite-nos vislumbrar qual o grau de comprometimento mantido por nosso pensador com os princípios ontológicos apreendidos em sua leitura de Ser e Tempo (1927) e que se desdobram posteriormente em E&C.

Ao aprofundarmos nossas leituras dos artigos de Marcuse acerca da fenomenologia, descobrimos que a relação entre o homem e o mundo (natural ou social) é seu principal operador. No entanto, trata-se de um caminho complexo na medida em que nosso autor não dispensa a perspectiva materialista histórica que perdura seja na crítica ao status quo capitalista, seja nas possibilidades abertas de emancipação social a partir da análise das condições objetivas de seu presente. Assim, a tentativa de sustentar o materialismo histórico ao lado da fenomenologia apresenta uma série de controvérsias na relação entre filosofia e marxismo, um percurso que se expressa em auto-críticas constantes pelo próprio Marcuse. Enfim, diante desta aproximação, fica ao leitor de Marcuse a seguinte questão: por que um marxista dirigiu um enorme esforço teórico para dialogar com a fenomenologia?

Tal questão exige compreendermos o que significava ser marxista na República de Weimar: um momento sui generis de conquistas e crises dos movimentos emancipatórios. Nossa hipótese é a de que Martin Heidegger se apresenta como peça central na reflexão

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É interessante explicitarmos aqui alguns elementos biográficos de Marcuse, que justificam esta questão. Em plena Revolução de 1918, participou do Conselho de Soldados de Berlim. Durante pouco tempo, até janeiro de 1919, filiou-se ao Partido Social-Democrata Alemão, retirando-se após o assassinato de Rosa Luxemburg e Karl Liebknicht – muito embora nunca tenha militado nas frentes spartakistas, percebera a conivência do partido com o crime. Nos anos 30, não deixou de expressar criticamente as frustrações quanto às massas de trabalhadores em apoio a Hitler, bem como quanto às políticas soviéticas. Isso não significa que Marcuse havia deixado de lado as críticas ao capitalismo. Quando exilado nos EUA (desde 1934), junto com seus colegas do Instituto de Pesquisas Sociais, bem no coração da sociedade da opulência, não deixou de ver que o máximo de desenvolvimento das

forças produtivas acompanha o máximo de miséria. No entanto, esta fórmula da crítica marxista não resultava na revolução prevista. Pois tal necessidade das condições objetivas da crise do capitalismo convivia com muitos mecanismos subjetivos de controle social. Assim, até 1955, quando escreveu E&C, as perspectivas de uma revolução traída eram muito maiores do que as de uma revolução efetiva - temática recorrente no plano da história das idéias do século XX, presente também em outros autores, como os próprios colegas frankfurtianos, ou mesmo pensadores de diferentes vertentes, como Hannah Arendt, em seu Entre o Passado e o Futuro e Da Revolução, e Merleau-Ponty, em seu As Aventuras da Dialética.

marcuseana sobre o austro-marxismo, principal tendência do Partido Social Democrata Alemão (PSDA) neste período, responsável em grande medida pelas propostas reformistas que se consolidavam pela via parlamentar da República de Weimar, um movimento que renderia crises epistemológicas e políticas entre as diversas tendências do marxismo. Afinal, o que significava a ocupação do poder de Estado por movimentos de emancipação social? Quais os fundamentos teóricos para uma prática política? Marcuse se apropria destas questões e apresenta uma leitura peculiar da ontologia heideggeriana, um empreendimento de nível equivalente ao encontrado no neo-kantismo do austro-marxismo, ou mesmo nas reflexões dialéticas de Georg Lukács. Esta investigação se desdobra em quatro itens principais.

Para desenvolvermos tal hipótese, analisaremos primeiramente o artigo Marxismo Transcendental? (1930), no qual Marcuse utiliza-se das filosofias heideggeriana e lukacsiana para combater as bases epistemológicas do neokantismo vigente. Trata-se de uma estratégia marcuseana intrincada, pela qual opõe Heidegger, leitor de Kant, ao kantismo pregado por Max Adler. O saldo final deste combate entre interpretações de Kant é a perspectiva de uma nova composição para a dialética, denominada por nosso autor de "filosofia concreta", cujo objeto "é a existência contemporânea, a existência humana no modo de seu existir" (Marcuse, Sobre a Filosofia Concreta, 1969b, p. 143).

A "filosofia concreta" expressa a busca marcuseana pelos fundamentos do marxismo, demonstrada em Contribuições para uma Fenomenologia do Materialismo Histórico (1928) - objeto de nosso segundo item. É um texto estratégico tanto para compreendermos as relações entre Marcuse e Heidegger, quanto para levantarmos as especificidades e os limites da "filosofia concreta" marcuseana. Em sua interpretação de Ser e Tempo, Marcuse tematiza a existência concreta como articulador revitalizante do marxismo oficial enrigecido e distante de sua principal matriz teórico-prática, a saber, a dialética. Nisto, o projeto da fenomenologia do materialismo histórico mostra-se, ao mesmo tempo, próximo e crítico de Ser e Tempo. Por um lado, a ontologia heideggeriana mostra-se como fator questionador e dinâmico da práxis da existência; por outro, a ausência de um conteúdo material neste dinamismo leva Marcuse às críticas desta filosofia. Enfim, a filosofia concreta nasce de uma relação tensa entre o marxismo e a fenomenologia, até que por fim mostre sua insuficiência, uma vez que o projeto de Marcuse não escapa às abstrações desenvolvidas no principal operador de sua crítica: a revolução autêntica como anteparo da revolução traída.

Este resultado seria reconhecido por Marcuse em 1932 – o que será assunto do terceiro item deste capítulo. Este ano marca uma ruptura do autor com as matrizes da filosofia concreta, muito menos pela filiação surpreendente de Heidegger ao nazismo do que pela edição dos

Manuscritos Econômico-Filosóficos de Karl Marx. Através da leitura desta obra, Marcuse pode desenvolver uma nova orientação para a ontologia existencial inicialmente desenvolvida, dirigindo-a para uma "ontologia sensível", em que o conceito marxista de trabalho apresenta novas articulações na relação fundamental entre o homem e o mundo. Assim, analisaremos este terceiro momento da relação entre a fenomenologia e o marxismo, através da leitura detida do ensaio marcuseano Novos Fundamentos do Materialismo Histórico (1932).

Tal projeto foi, ao menos parcialmente, interrompido no mesmo ano. Isso porque, em primeiro lugar, Marcuse sofreu as conseqüências da ascensão de Hitler ao poder, quando viver na Alemanha era a última alternativa para um marxista judeu. Em segundo, nosso autor se envolveu com o Instituto de Pesquisas Sociais, onde encontrou não apenas a saída para o cenário tenebroso que se formava, mas também, um projeto de teoria crítica que marcaria sua experiência intelectual. Uma nova perspectiva se abre e, junto dela, um novo modo de formular suas questões.

Através do Instituto, Marcuse migra para os Estados Unidos, onde acompanha o desenrolar trágico da história do nazismo. A partir de então, o autor analisa não apenas a nova ordem capitalista em tempos de guerra, como também os fenômenos de resistência européia a tal horror. Após o fim da Guerra, em 1947, Marcuse publica uma resenha crítica de Ser e Nada de Jean-Paul Sartre, à qual dedicamos nosso quarto e último item deste capítulo. Nesta resenha, podemos notar uma reflexão marcuseana que não apenas carrega consigo a bagagem da teoria crítica, mas também estabelece uma auto-avaliação da fenomenologia mais distanciada do projeto de filosofia concreta e seus riscos de abstrações. Procuramos abordar mais esta característica do que as relações com o Instituto, fato que merece um capítulo à parte. Deter-se no acerto de contas mais direto com a fenomenologia, possibilita conferir novos significados ao percurso anterior de Marcuse e sua aventura na fenomenologia. O que resta? Tais reflexões podem nos auxiliar na caracterização ontológica de Eros posteriormente em E&C? Eis o itinerário da investigação deste capítulo. Aprofundemos, então, nossos passos.

1.1) Primeiras aproximações: Marcuse e Heidegger

Questionado acerca do significado da influência heideggeriana sobre sua geração, Marcuse responde a Frederick Olafson, em uma entrevista de 1977:

Eu devo dizer francamente que durante este tempo, vamos dizer entre 1928 e 1932, havia relativamente poucas reservas e criticismo de minha parte [em relação a Heidegger]. Eu diria antes, de nossa parte, porque Heidegger naquele tempo não era um problema pessoal, nem mesmo filosoficamente, mas um problema de grande parte da geração que estudou na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Nós víamos em Heidegger o que havíamos visto antes em Husserl, um novo começo, a primeira tentativa radical de colocar a filosofia sobre fundações realmente concretas - filosofia correspondente à existência humana, à condição humana e não às idéias e princípios meramente abstratos… Eu estava muito interessado no [aspecto social da filosofia de Heidegger, suas implicações para a política e a vida e ação sociais] durante aquela época, e ao mesmo tempo, escrevia artigos de análises marxistas para o então órgão teórico dos socialistas alemães, Die Gesellschaft. Então, eu certamente estava interessado e antes de mais nada acreditava, assim como todos os outros, que haveria alguma combinação entre o existencialismo e o marxismo, precisamente por causa de suas insistências sobre a análise concreta da existência humana efetiva, dos seres humanos e seu mundo (Marcuse in Wolin, 2005, pp. 165-166).

Destas linhas podemos extrair algumas considerações importantes. Primeiramente, Heidegger representava um marco para o pensamento do período, influenciando a geração dos estudantes alemães do pós-Primeira Guerra ao oferecer uma filosofia de abertura para o mundo, colocando a existência como questão. Paralelamente, podemos notar também o envolvimento direto de Marcuse com a frente teórica do socialismo, mais propriamente, do PSDA.

Entretanto, tais colocações conferem-nos apenas a camada superficial do problema que devemos enfrentar. Apesar desta entrevista indicar o caminho pelo qual nosso autor transita, nada esclarece a respeito dos motivos pelos quais opera a combinação entre o existencialismo e o marxismo. Se pensarmos bem, são duas linhas teóricas com questões bastante diversas. Afinal, Marx não afirmaria a questão heideggeriana sobre o ser como mais uma interpretação contemplativa do mundo? Qual seria o sentido ontológico de uma ação ou da vida social? Quais suas implicações políticas? Haveria uma possibilidade de transformação social em Heidegger? Na verdade, esta combinação teórica resultará de imediato em mais complicações do que esclarecimentos ao pensamento de Marcuse. Isto porque, ao manter-se na posição materialista histórica, muito da concretude do marxismo pode ser diluída pela ontologia existencial heideggeriana.

Contudo, é preciso lembrar de antemão que esta tentativa combinatória tem sua importância e marcará o percurso intelectual marcuseano. De fato, a influência de Ser e Tempo foi intensa a ponto de Marcuse mudar-se para Freiburg em 1928, a fim de ser orientado por Heidegger e completar seus estudos acadêmicos13. Além disso, muitas das questões fenomenológicas que aparecem neste período, como a relação entre homem e mundo, reaparecem posteriormente em E&C. Enfim, é preciso compreender esta combinação como uma "primeira filosofia", matriz não de princípios, mas de tensões, contradições e interrogações, talvez ainda imaturas naquele período, mas que demonstram sobretudo o espírito do pensamento crítico de Marcuse, alimentado por tendências intelectuais e práticas que lhe servem de suportes para o questionamento da sua contemporaneidade.

Assim, para aprimorarmos nossa compreensão acerca das opções filosóficas na juventude de Marcuse, é preciso ler seus artigos deste período com a seguinte interrogação: o que estava acontecendo com a principal matriz crítica daquele período, a saber, o marxismo, para que Marcuse buscasse linhas alternativas de pensamento externas ao quadro teórico do partido? Para tanto, é preciso reconstituir em grande medida o debate da época.

Eric Hobsbawm fornece dados importantes para compreendermos o contexto intelectual marxista na II Internacional. Na Alemanha, poucos eram os que se dedicavam teoricamente ao marxismo. No meio acadêmico, eram relativamente poucas as teses defendidas sobre os assuntos relativos, além de despertarem pouca simpatia e muito temor entre os intelectuais e acadêmicos alemães14. Além disso, ao menos antes de 1914, dentre os marxistas, muitos eram os que defendiam uma posição moderada ou revisionista, o que fazia do PSDA um partido cujos quadros políticos que lutavam pelos direitos emancipatórios no reino prussiano em transformação pertenciam em grande maioria à massa proletária, ao lado da militância de uma pequena parcela de intelectuais, dentre os quais, muitos de proveniência estrangeira, como por exemplo a polonesa Rosa Luxemburg e os austríacos Max Adler, Karl Kautsky e Rudolf Hilferding (Hobsbawm, 1985, p. 90).

Após a Primeira Guerra Mundial, reencontramos um PSDA onde muitas tendências teóricas, mais revolucionárias do que reformistas, foram expurgadas ou enfraquecidas em seu interior, que era estruturado então pelos debates de perspectivas programáticas entre

13 Marcuse é orientado por Heidegger para desenvolver a tese de Habilitation em filosofia, pela qual torna-se

possível pleitear o cargo de Privatdozent, o que significa tornar-se um professor universitário independente da supervisão de outro professor efetivo (Soares, 1999, p. 36). Nosso autor apresenta A Ontologia de Hegel e a

Teoria da Historicidade, em que os conceitos de Heidegger e Dilthey são ordenados pelo conceito de

historicidade desenvolvido em Hegel. Veremos como este conceito será de fundamental importância nas reflexões de Marcuse no ensaio sobre fenomenologia dialética que analisaremos adiante.

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Hobsbawm afirma que entre 1889 e 1909, enquanto nas universidades francesas foram defendidas 31 teses sobre socialismo, social-democracia e Marx, na Alemanha eram apenas 11.

neokantianos austro-marxistas como Max Adler e os mais ortodoxos como Karl Kautsky e Georgi. Plekhânov. Este debate colocava em disputa a justificativa central do envolvimento do PSDA nas políticas de consolidação da República de Weimar. Neste período, procurava-se responder à ausência de uma dimensão moral e à insuficiência epistemológica do determinismo positivista de uma emancipação “orgânica” ao processo natural da história promovido pelo marxismo de Kautsky e Plekhânov15. De outro modo, os austro-marxistas, influenciados pela filosofia neokantiana de Hermann Cohen16, passaram a se contrapor ao dogmatismo positivista do PSDA através da crítica kantiana, traduzida para o universo da perspectiva marxiana da crítica da economia política, resultando em projetos radicais como os de Max Adler que objetivava "reconstituir inteiramente os conteúdos do materialismo histórico (…) sobre a base de uma epistemologia crítica" kantiana (Arato in Hobsbawm, 1984, vol. 4, p.112). Deste modo, abrem-se duas fortes tendências no interior do PSDA, o que levaria a uma crise política e epistemológica interna ao marxismo. É no interior deste debate e, sobretudo, contra a tendência austro-marxista e sem tomar partido pelo dogmatismo, que Marcuse escreve a maioria de seus artigos no Die Gesellschaft17.

Decerto, Marcuse não seria pioneiro na crítica aos marxismos determinista-positivista e neokantiano que atuavam na II Internacional, mas seguia de maneira peculiar as reflexões luckacsianas sobre a dialética. Georg Lukács já havia desempenhado papel-chave nos primeiros anos de formação de Marcuse18. Mais tarde, Lukács manteria sua influência sobre o pensamento marcuseano com a publicação de História e Consciência de Classes (1927), pela

15

Cf. Andrew Arato, "A Antinomia do Marxismo Clássico: marxismo e filosofia" in Hobsbawm, História do

Marxismo, vol. 4, 1984.

16

Membro-fundador da Escola de Marburg, em que se concentravam, nas décadas de 20 e 30, as principais reflexões sobre a filosofia kantiana.

17

Ver entre os artigos de Marcuse principalmente "Marxisme Transcendental?" (1930) na coletânea Philosophie

et Révolution, em que expressa a crítica ao pensamento austro-marxista de Max Adler.

18

Com O Romance de Arte Alemão - tese de doutorado defendida em Freiburg sob a orientação do germanista Philip Witkop - Marcuse já havia aderido à estética lukacsiana não apenas da Teoria do Romance, como também

d'A Alma e as Formas, ambas de cunho estético hegeliano. Marcuse defendia a tese "de que o romance é a moderna epopéia burguesa, epopéia de um tempo onde a totalidade extensiva da vida não nos é dada de forma imediata. Este mesmo tempo, porém, vive a sua própria e particular angústia, na medida em que não cessa de atingir esta totalidade" (Soares, 1999, p. 15). A própria estrutura do romance de arte, em que se narra os anos de formação do artista, como nos casos que seguem de Wilhelm Meister de Goethe à Gustav von Aschenbach de Thomas Mann, expressa a angústia inerente desta trajetória entre a transcendência própria à alienação do artista em relação ao mundo cotidiano em busca de uma totalidade da vida e a impossibilidade de efetivação deste projeto sublime. Apoiado nas idéias de Ernst Bloch, Marcuse opera uma crítica à modernidade a partir deste caso estético, sobretudo na cisão entre sujeito e objeto presente na oposição entre a arte e a vida, produto da racionalização moderna denunciada pela arte e sua versão unificada da vida (idem, p. 15). Neste panorama, enfim, já podemos destacar alguns traços de influência sobre o marxismo de Marcuse, como o retorno às fundamentações filosóficas do Marx leitor de Hegel, bem como a exploração marxista de outros temas que vão além da cisão economicista entre estrutura e superestrutura, como as inflexões subjetivas na racionalidade moderna. Aqui já despontam alguns elementos que serão muito explorados no percurso de Marcuse, como a "angústia", fundamental tanto para Heidegger quanto para Freud e, como veremos, para o asceta intramundano; bem como a visão unificada da vida, tema explorado por excelência em E&C.

qual recupera a tradição dialética hegeliana para compreender o sistema e o método da crítica marxista ao capitalismo (Lukács, 2003, p. 57). Nestas mesmas páginas, Lukács dirige suas críticas ao núcleo intelectual dominante do PSDA, apontando para o tratamento que estes senhores conferiam à matriz hegeliana do método marxista. Chega a criticar o neokantiano Karl Vorländer por tornar secundárias as questões dialético-hegelianas, interpretadas como um mero “flerte” de Marx (idem, p. 56). Contrariando esta tese, Lukács percebe a necessidade de revisitar Hegel. Afinal, o hegelianismo vivenciado por Marx não teria mais o mesmo sentido no início do século XX (idem, p. 57), pois, para declará-lo como "cachorro morto", como Marx havia feito, seria necessário primeiro considerar tal pensamento em sua "potência viva para o presente", notando o que há de "metodologicamente fecundo" nele, tal qual Marx também havia feito (idem). Tratava-se enfim de encaminhar uma discussão para a dialética em sua dinâmica viva, preservando as tendências múltiplas que se entrecruzam em Hegel19.

Assim, Marcuse acompanha em grande medida o empreendimento lukacsiano, frisando o alvo de seus ataques: a compreensão austro-marxista da teoria de Marx como um projeto desenvolvido pela matriz transcendental kantiana. É nestes termos que podemos interpretar a série de artigos de Marcuse publicados entre 1928 e 1932, sobretudo Marxismo Transcendental? (1930), em que tais questões são postas mais diretamente – base de apoio de nossa análise presente.

Entretanto, lembremos, o que mais nos importa é o resultado deste movimento: a concepção marcuseana de uma fenomenologia materialista-histórica, estruturada em seu Contribuições para uma Fenomenologia do Materialismo-Histórico (1928), quando assume a aproximação nebulosa entre Heidegger e Marx. Não nos parece estranho este resultado? Afinal, como insistimos até então, se Lukács oferecia uma matriz crítico-dialética da contemporaneidade, ou ainda, se Marcuse reconhece este passo desde o início dos anos 20, com suas leituras da Teoria do Romance, quais os motivos para uma transição pela ontologia de Heidegger? Seria um afastamento ou uma radicalização do projeto dialético de Lukács?

Morton Schoolman, em seu The Imaginary Witness: The Critical Theory of Herbert

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