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MARIA: “a gente não se mudou, destruiu a casa”, um caso de desapropriação parcial

4 CAPÍTULO III (RE) CRIANDO O LUGAR PARA MORAR

5. MARIA: “a gente não se mudou, destruiu a casa”, um caso de desapropriação parcial

Maria é casada, tem 38 anos e mora com seus dois filhos e o marido. O terreno dela foi desapropriado parcialmente, ou seja, demoliram sua casa, mas restou uma parte do terreno. O comércio dela, localizado no terreno, também foi demolido. Ela recorreu à casa da mãe, localizada ao lado do Loteamento.

A gente teve que morar na casa da minha mãe. Porque as advogadas do governo... é..como é o nome... os oficias de justiça todos os dias lá em casa pressionando para a gente sair. Só que a gente não tinha para onde ir, a gente foi obrigado a ir para casa da minha mãe, porque até o meu comércio também saiu, que era no Parque São Francisco. E eu fui pagar aluguel do meu outro salão, que eu tenho salão de beleza. E triplicou o valor, então eu não podia pagar o aluguel do salão e uma casa para

morar. Ou bem o salão, ou uma casa para morar. Então eu fui alugar e não tive condições de ir aí fui para casa da minha mãe. Ela operou a cabeça duas vezes e ela não é normal, então a gente passou tempos terríveis né (Maria, 38 anos)

Os oito meses que morou com a mãe foram considerados “terríveis” por ela, que morou lá com toda sua família. Durante esse tempo, sua nova casa estava sendo construída no restante do terreno dela no Loteamento. Maria enfatiza só ter conseguido construir essa casa porque tinha material de construção guardado, segundo ela, o valor da indenização não daria para erguer uma nova casa.

Irrisório, um valor muito pequeno, só deu para construir porque eu já tinha material para construir. Tinha muito material, que eu tinha vendido uma casa minha e eu tinha material há muitos anos que tava lá guardado e eu consegui construir por amizade. Uma pessoa construiu muito barato para mim e chegou onde está, o patamar que está. Mas não é uma moradia, como eu posso dizer a você, que tenho o conforto. É só o básico dos básicos, mas graças a Deus a gente conseguiu com muito esforço. Não pelo dinheiro que foi recebido, mas sim com muito esforço, tá onde a gente tá hoje como está (Maria, 38 anos).

Ela enfatiza diversas vezes o fato de a construção ter sido fruto de esforço próprio e não resultante do valor da indenização. Sobre a ajuda na construção da casa, ela afirma que o preço só foi acessível por ter sido feito na “amizade”.

Tem um amigo meu que ele trabalhava construindo casas e ele disse “ó vou fazer um preço irrisório para vocês”. Cobrou um preço X e levantou. Mas não levantou com o valor daqui, porque eu já tinha o material. Se fosse só o valor que saiu (indenização) não ia dar pra construir nada (Maria, 38 anos).

Para ela, não houve uma mudança, mas uma destruição da casa.

Lá em casa meus móveis se acabaram, a gente não se mudou, destruiu a casa. Destruiu tudo. Eu não vou comprar um móvel agora para botar na casa do jeito que está. Porque eu não vou comprar uma coisa para se acabar amanhã. Então estamos só com os quartos mesmo montados, fogão, e o necessário. Nós não estamos com nossa casa montada (Maria, 38 anos).

Mais uma vez, a deterioração dos móveis é citada com tristeza, assim como a falta de motivação para comprar nova mobília para a casa que não está “montada”. Segundo Maria, a casa nova é maior que a antiga.

Hoje a gente tentou construir uma coisa melhor né. Eu disse “vamos construir logo uma casa grande”, porque minha mãe é doente. Ai eu fico logo pensando que ela vai morar comigo. Porque não tem quem fique com ela. As minhas irmãs não tem condição de ficar com ela. Assim eu vou construir três casas, visando minha mãe morar comigo ou minha sogra morar comigo. Porque elas também são só e minha mãe também é viúva (Maria, 38 anos).

A possibilidade de acolher a mãe e a sogra futuramente foi um dos elementos que motivou a construção de uma casa maior. Como ela continuou morando no Loteamento, os filhos não tiveram que mudar de escola, mas ela relata a perda do ano letivo.

Alice: E no caso teus filhos não precisaram mudar de escola né?

Maria: Não. Mas meus filhos perderam o ano por conta disso. Alice: Por que?

Maria: Porque ....eu não tenho tempo para nada na minha vida, só tenho tempo para a desapropriação. E foi contado isso. Teve uma documentação. Não sei se você viu, Bruno Moreno81, ele foi ver em que situação se encontravam os alunos dessa

desapropriação em todo o Brasil. E ele ganhou um prêmio, porque ele frisou. Lá em casa, meu filho perdeu não só o ano letivo, os dois, um ficou em estado de choque. Ele morava dentro da obra. O meu de 17 anos. Ele não conseguiu sair de lá, ele não se adaptou na casa da minha mãe. A gente morava em área, a gente não morava numa casa com acesso de 10 por 15, 10 por 30 não. Era área, era um local que ele não precisava ir para casa do vizinho. Lá tinha campo de futebol, lá tinha uma área do passarinho dele e ele criava bicho, galinha.

Além de perder o ano letivo, ela conta que o filho ficou em estado de choque depois da remoção. Como vimos no capítulo II, o sogro dela faleceu durante o processo de desapropriação, antes de receber a indenização “meu sogro dizia sempre, a frase dele era crucial, dizendo que ia morrer e não ia ver esse dinheiro”. Seu filho viu o avô morrer, em casa, e depois disso teve “várias crises nervosas”. A remoção é apontada como causadora desses transtornos psicológicos. Maria diz que um dia seu filho ligou, dizendo que o avô estava do lado dele na sala.

Teve dia que ele fugiu dizendo que tava vendo o avô colado com ele. Da última vez que teve, disse “meu avô tá aqui na sala”. E me ligava “meu avô tá aqui na sala comigo mainha, o que é que eu faço, que é que eu digo a ele?”. Quer dizer, um menino que é super inteligente, um menino que tinha noção de vida, se encontra desnorteado. E ele dizendo “vamos sair daqui, vamos embora daqui, eu não quero

81O repórter Bruno Moreno e o fotógrafo Samuel Costa produziram uma série de reportagens especiais intitulada

“Copa sem Escola”, que aborda as desapropriações em obras da Copa do Mundo 2014 e sua influência na vida

escolar dos desapropriados/removidos.” Disponível em:

http://observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=889%3Asérie-especial-copa- sem-escola&Itemid=164&lang=pt Acesso em: 02 mar. 2016.

morar aqui mais não”. Ficou desiludido da vida. Com o giro que deu a vida da gente, não foi fácil não. Destruiu mesmo (Maria, 38 anos)

Ela afirma que o filho não quer mais morar lá, pois tem muitas lembranças traumáticas sobre o processo de remoção. Desde a notícia sobre a desapropriação, os anos de espera, a morte do avô e a demolição da casa. A perda de grande parte do terreno também foi impactante, pois seus filhos jogavam futebol e tinham alguns animais na área.

Sobre o destino dos vizinhos, ela diz que foi fragmentado, alguns ficaram por perto do Loteamento enquanto outros foram para longe.

Muitos foram para perto, outros foram para longe, é diferente né. Tem gente que foi para São Lourenço, outros que foram para Primavera, no começo de Camaragibe. Tem gente que foi para Alberto Maia, como dona Sueli. Tem gente que foi para próximo, perto da estação de metrô. Muita gente ali ao redor e muita gente longe. Uma situação bem complicada. Uma situação que...se for imaginar. Eu não gosto nem de voltar o tempo, é angustiante. E hoje você chega aqui (Fórum de Camaragibe) numa situação como essa e dizem a você “não, não tem previsão, não sei” (Maria, 38 anos).