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Maria Mies e Vandana Shiva e o ecofeminismo espiritualista

2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IDEOLÓGICAS ENTRE HOMEM E MEIO

2.2. Filosofia ecofeminista e sua relação com a natureza

2.2.1. Maria Mies e Vandana Shiva e o ecofeminismo espiritualista

Em 1993, Maria Mies e Vandana Shiva publicam Ecofeminismo. Elas se unem com o objetivo de lançar um livro que busca colaborar com a elaboração de uma crítica sobre os problemas nas sociedades globais, tais como: controle de pessoas e recursos naturais, acumulação de capital e resistência ao patriarcalismo. Os ensaios contidos no livro tratam das questões que interferem numa base para a autonomia, como as diferenças de gênero, étnicas, nacionais, raciais, culturais e religiosas. As autoras preocupam-se, principalmente, com atitudes universalistas dos grupos feministas.

[...] no Sul, muitos movimentos de mulheres veem o feminismo como uma importação do Ocidente/Norte e acusam as feministas brancas (europeias e norte-americanas) de partilhar dos privilégios dos homens nos respectivos países. Talvez fosse mais sensato aceitar essas diferenças, em vez de tentar integrá-las num termo tão universalista como o “ecofeminismo” – e, em vez disso, cada uma de nós devesse encontrar-se no seu próprio trabalho, no seu próprio país e nos respectivos contextos culturais, étnicos, políticos e econômicos e tentar efetuar mudanças localmente. (MIES & SHIVA, 1993, p. 10)

A referida tentativa de efetuar as mudanças objetiva particularizar certas lutas locais, caracterizadas por essas diferenças. As autoras creem na possibilidade de

tornar visível ‘outros’ processos globais que se tornam cada vez mais invisíveis à medida que uma nova ordem mundial se emerge, baseada no controle das pessoas e dos recursos em todo o mundo, a bem da acumulação de capital (MIES & SHIVA, 1993, p. 10).

Unidas num propósito de exprimir a diversidade, as autoras salientam as “desigualdades inerentes às estruturas mundiais”, a exemplo de o Norte dominar o Sul, o homem a mulher, os recursos naturais, a natureza.

Uma das formas das mudanças em ação provém de organizações locais, liderados por mulheres e movimentos ecológicos. O trabalho desse grupo diz “respeito à sobrevivência e à conservação da vida neste planeta, não só das mulheres, das crianças e da humanidade em geral, mas também da vasta diversidade da fauna e da flora” (MIES & SHIVA, 1993, p. 11). Essa iniciativa permite que mulheres advindas de sociedades explicitamente patriarcalistas possam direcionar suas atividades para a libertação do domínio masculino simbólico, pois coube à mulher a iniciativa de chamar a atenção da sociedade para as destruições ambientais. Assim justificam sua atuação:

Enquanto ativistas dos movimentos ecológicos, ficou claro para nós que a ciência e a tecnologia não eram de gênero neutro; e, de comum com outras mulheres, começamos a verificar que o relacionamento do domínio explorador entre o homem e a natureza (moldado, desde o século XVI, pela moderna ciência reducionista) e o relacionamento explorador e opressivo entre o homem e a mulher, que prevalece na maior parte das sociedades

patriarcais, mesmo as modernas industriais, estavam intimamente ligados. (MIES & SHIVA, 1993, p 11)

Sob esse aspecto, as autoras debruçam seus olhares para o estímulo e impulso para as inúmeras iniciativas locais que lutam contra a destruição e deterioração ecológica. Dentre vários movimentos dessa instância, destaca-se, por exemplo, o Movimento Green Belt, no Quênia. Independente da causa social ecológica, é possível verificar o mesmo objetivo: “confirmou-se que muitas mulheres, por todo o mundo, sentam a mesma fúria e ansiedade, o mesmo sentido de responsabilidade em preservar as bases da vida, e de pôr termo à sua destruição” (MIES & SHIVA, 1993, p. 12).

Sob a perspectiva ecofeminista, as autoras reconhecem “que a vida na natureza (incluindo os seres humanos) mantém-se por meio da cooperação, cuidado e amor mútuos” (MIES & SHIVA, 1993, p. 15). Ao integrar ecologia e feminismo, o Ecofeminismo é incorporado ao objetivo, por exemplo, “de preservar a diversidade de todas as formas da vida, bem como das suas expressões culturais, como fontes verdadeiras do nosso bem-estar e felicidade” (MIES & SHIVA, 1993, p. 15). Em consonância com esse aspecto, as autoras atentam para uma integração dos grupos com o objetivo de formarem um sistema holístico.

Para as autoras, entende-se como ecofeminismo o tratamento “da interligação e da abrangência da teoria e da prática” (MIES & SHIVA, 1993, p. 25). Tal princípio requer um posicionamento que exige não apenas uma identidade feminina, como também a crença de uma tarefa especial a desempenhar nestes tempos ameaçados, como a destruição ecológica e/ ou a ameaça de extermínio atômico. Tais preocupações estabelecem uma “relação entre a violência patriarcal contra as mulheres, contra indivíduos e contra a natureza” (MIES & SHIVA, 1993, p. 25). As autoras elegem as mulheres como desafiadoras contra o patriarcado, a fim de manter lealdade com as futuras gerações, com a vida e com o planeta.

Nessa linha de raciocínio, Mies e Shiva propõem o ecofeminismo espiritualista. Tal abordagem tem como origem “o desejo de recuperar, de regenerar esta sabedoria como um meio de libertar a mulher e a natureza” (MIES & SHIVA, 1993, p. 28), outro ponto a ser ressaltado é que não mantém vínculos com as religiões monoteístas (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo), pois, acredita-se que elas contribuem para a manutenção de um sistema patriarcal; portanto, tomam como orientação a tentativa de “reviver uma religião baseada numa deusa; a espiritualidade foi definida como a Deusa” (MIES & SHIVA, 1993, p 28).

a relevância ecológica desta ênfase na ‘espiritualidade’ reside na redescoberta do aspecto sagrado da vida, de acordo com o que a vida na Terra só pode ser preservada se as pessoas começarem de novo a ver todas as formas de vida como sagradas e a respeitá-las como tal(MIES & SHIVA, 1993, p. 29).

As autoras orientam que esta qualidade encontra-se nas ocorrências cotidianas do indivíduo, pois as manifestações que celebram o sagrado criam vínculos com a Terra-Mãe.

Para finalizar, Mies e Shiva ressaltam que as bases filosóficas do ecofeminismo espiritualista agem nas transformações do cotidiano, sejam elas em grandes centros urbanos ou em pequenas comunidades. Esta posição afeta diretamente o sistema mundial explorador existente. Logo, entende-se que a mulher está mais apta e próxima a atender as necessidades globais e/ou locais em relação ao homem.