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Maria Paula Oliveira CEMRI – Universidade Aberta

1. Nota Introdutória

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O ano de 2001 ficou marcado por profundas transformações nos padrões imigratórios em Portugal. Para além do factor numérico, multiplicaram-se os países de origem, os grupos étnicos, os imigrantes com origens urbanas e com maiores níveis de qualificações. A imigração feminina autonomizou-se do reagrupa- mento familiar, diversificaram-se os tipos de imigrantes, surgiram redes informais de recrutamento e auxílio à imigração irregular e de tráfico, registou-se uma dispersão de imigrantes por todo o território nacional, incluindo interior e ilhas.

Estas alterações sociográficas, percebidas a partir do final da década de 90 do séc. XX,65 tornaram-se

“oficialmente visíveis” após a abertura do terceiro processo de regularização extraordinária de imigrantes em situação irregular, implementado pelo DL 4/2001, de 10 de Janeiro. A autorização de permanência (AP), figura jurídica de carácter excepcional, possibilitou a legalização a quem, em território nacional e sem visto adequado, fosse titular de uma proposta de contrato de trabalho com informação da então Inspecção-Geral de Trabalho – IGT (actual ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho).66

O processo decorreu entre 10 de Janeiro e 30 de Novembro de 2001 e no seu termo, tinham sido emitidas 126.901 autorizações de permanência (SEF, 2001).67

No cômputo geral (AR e AP)68 o volume de cidadãos não nacionais com situação regularizada subia de

207.607 indivíduos no ano 2000, para 350.503 em 2001, o que corresponde a um impressionante aumento de 68,8%, apenas num ano. Portugal tornava-se país, também, de imigração (Peixoto, 2004:16).

64 Este artigo resume e apresenta os resultados da pesquisa realizada entre 2002 e 2004, no âmbito da tese de mestrado em Relações Interculturais, especialidade Sociologia das Migrações, defendida na Universidade Aberta de Lisboa, com o título «Percursos Migratórios e Integração Social - Os Ucranianos no Concelho de Leiria. Estudo de Caso».

65 Relatório Sobre a Evolução do Fenómeno Imigratório - Resolução Conselho de Ministros n.º14/2002, de 1 de Março e Baga- nha, 2002:28.

66 Para além deste requisito o art. 55º do DL 4/2001 de 10 de Janeiro, previa ainda a não condenação dos requerentes em sentença com trânsito em julgado com pena privativa de liberdade superior a seis meses; não terem sido sujeitos a medida de afastamento do território nacional e não estivessem indicados no sistema de informações do SIS e do SEF. No seu n.º 2, previa-se a concessão de autorizações de permanência até à aprovação do relatório previsto no art.36º do mesmo de- creto. As AP eram concedidas por um ano, prorrogáveis por iguais períodos, não podendo o total de permanência exceder os cinco anos, contados da primeira emissão (no fim deste prazo o titular poderia requerer a Autorização de Residência). O art.55º foi revogado pelo artigo 20º do DL 34/2003, de 25 de Fevereiro.

67 Em 30 de Novembro de 2001 foi aprovado, conforme previsto no art.36º do DL 4/2001 de 10 de Janeiro, o relatório bianual de previsão de oportunidades de trabalho e dos sectores de actividade com carências de mão-de-obra, fixando-se um limite máximo anual imperativo de entradas de cidadãos oriundos de Estados terceiros para o exercício de uma actividade profissional. O visto de trabalho passou a permitir, ao seu titular, a entrada em território nacional a fim de exercer tempo- rariamente a actividade profissional, subordinada ou não, que justificava a sua concessão.

68 A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei 4/2001, os dados oficiais da população não nacional (SEF), passam a distinguir os indivíduos titulares de autorização de residente (AR) e os titulares de autorizações de permanência (AP).

Os movimentos provenientes da Europa de Leste, sem expressão até então, ascenderam ao primeiro lugar da tabela de comunidades não nacionais mais representadas em Portugal. Dentro deste grupo, os cidadãos ucranianos passaram a figurar no lugar de topo, destronando a tradicional liderança dos cabo-verdianos.

Das 126.901 AP emitidas em 2001, 56% (70.430) foram concedidas a cidadãos oriundos de países da Europa de Leste e 36% (45.233) apenas a cidadãos de nacionalidade ucraniana.

Portugal tornou-se mais multicultural, passando a acolher “outros”, com os quais nunca teve relações históricas, culturais e económicas.

O discurso oficial (Relatório Conselho Ministros, n.º14/2002) apontava a reunião de alguns factores como explicação deste intenso e rápido fenómeno: (I) as alterações geopolíticas, sociais e económicas ocorridas na Europa de Leste; (II) a queda do muro de Berlim; (III) a facilidade de emissão de vistos de curta duração pelos países da UE; (IV) a facilidade de circulação no Espaço Schengen; (V) a escassez de mão-de-obra não qualificada; (VI) a existência de um mercado de trabalho informal em Portugal, com larga capacidade de absorção de trabalhadores; (VI) a presença de sistemas organizados de recrutamento e auxílio de mão-de- obra irregular e de tráfico; (VII) o conhecimento, pelos agentes, do decurso do processo de regularização extraordinária; (VIII) a permissibilidade das autoridades nacionais em face aos indocumentados.

É neste novo contexto de mudança que esta investigação se situa e que este artigo resume e apresenta os principais resultados.

Objectivos e enquadramento teórico

O objectivo central foi identificar e analisar os mecanismos que explicam os percursos migratórios, ou o “[...] o conjunto de passos, acções ou situações, [...] que estão na base e explicam a “[...] intenção de partir,

as expectativas, os preparativos, a viagem, a instalação, a inserção, a fixação ou o regresso” (Rocha-

Trindade,1995:39) e os processos de integração social, em particular, as práticas de inserção no mercado de trabalho dos ucranianos no concelho de Leiria.

No enquadramento teórico, tendo em conta as particularidades deste recente fluxo, privilegiou-se, sem descurar o acervo da sociologia das migrações, os contributos teóricos da globalização e do transnaciona- lismo, enquanto fenómenos que se tornaram, eles próprios, causa e efeito do acontecimento migratório, tornando muitas das tradicionais teorias sociológicas ineficientes se aplicadas, “tout court”, a estes novos movimentos.

Os modelos de integração de imigrantes nas sociedades de destino e os mais recentes debates em torno das questões de cidadania foram também examinados.

Percepcionando o fenómeno migratório como um processo multidimensional e multilateral, onde actores sociais e sociedades interagem, onde diferentes sistemas jurídico-políticos ditam diferentes formas de integração, entendeu-se pertinente completar o estudo com um levantamento transversal, quer da evolução nu- mérica da imigração em Portugal, quer dos vários modelos jurídico-políticos de regulação dos fluxos migratórios e das políticas de integração (discursos, práticas, enquadramento legal e algumas respostas institucionais) do pós-revolução a Junho de 2004. Pretendeu-se, desta forma, contextualizar a investigação na realidade jurídico- -política em que se inseria.

Operacionalizou-se ainda alguns conceitos fundamentais como os de cidadão europeu, cidadão estrangeiro e imigrante que, depois da instituição da Cidadania Europeia, assumem em termos sociológicos e jurídicos recor- tes e fronteiras distintas.

Metodologia, processo de amostragem e recolha de dados

Em face dos objectivos traçados, por estarmos perante uma nova corrente migratória com informação ainda escassa e porque os estudos locais são fundamentais para a compreensão das transformações sociais e da relação ou comparação entre o global e o local (Castles, 2000:20), preferiu-se a profundidade à generalização dos resultados, optando-se por um estudo de caso qualitativo.

A população em estudo é constituída pelos cidadãos de nacionalidade ucraniana, maiores de dezasseis anos, que, independentemente do seu estatuto legal no momento do inquérito, se encontravam fixados no concelho de Leiria.

Entendeu-se que antes da maioridade não é provável que o acto migratório aconteça de forma autónoma mas, a partir dos 16 anos, poderá existir alguma actividade laboral. O termo “fixado” foi preferido ao de “residente”, com o propósito de não ser confundido com o conceito jurídico de “residente legal”, ao tempo, circunscrito apenas aos titulares de autorizações de residência.69 Entendeu-se ainda que a inclusão das situações irregulares

traria uma mais-valia ao trabalho e um conhecimento mais profundo e rico da população em estudo.

A amostra, não probabilística, foi seleccionada através da técnica de “bola de neve” por melhor se adaptar a este universo.

Na recolha de dados quantitativos utilizou-se um inquérito por questionário, com 101 perguntas fechadas tradu- zido para Ucraniano. Dos 115 inquéritos, aplicados entre Outubro de 2002 e Julho de 2003, foram validados 105. Haverá no entanto a assinalar uma maior concentração das freguesias de Leiria, Parceiros, Marrazes e Pousos.

Os dados recolhidos foram sujeitos a um tratamento estatístico, cálculo de frequências e análise bidimensional com cruzamento de algumas variáveis, através do programa - Statistical Package for Social Sciences – SPSS.

As não respostas registaram percentagens diminutas, tendo apenas uma pergunta ultrapassado os 20%. Em todas as outras a percentagem situou-se abaixo dos 5%, pelo que não enviesam os resultados.

2. Leiria - Do Global ao Local

Situado no centro do país, o concelho de Leiria tem uma posição geoestratégica privilegiada. Uma extensa rede viária, transversal e longitudinal e a integração na Região Turismo Leiria-Fátima, com uma ampla oferta turística e de qualidade, são factores que potenciam a atracção e a fixação de pessoas, mercadorias, capitais e investimentos.

No contexto nacional, a região destaca-se com um maior peso relativo, relativamente à estrutura produtiva do país. Dominam as actividades económicas ligadas ao comércio, à construção e à indústria transformadora, com destaque para o vidro, a cerâmica, os moldes, os cimentos e os plásticos.

Em Dezembro de 2002, estavam sediadas e em actividade no distrito 15.878 empresas e no concelho, 4.892 (INE, 2002). Apesar de maioritariamente pequenas e médias, a aposta na inovação, na internacionalização e na competitividade, caracterizam o dinamismo do tecido empresarial, traduzido no maior número de empresas certificadas em Portugal (até ao ano de 2002 – INE, 2002).

69 Os “residentes legais”, titulares de Autorizações de Residência, reuniam um catálogo de direitos e garantias mais alargado relativamente a outras formas, sublinhe-se, também legais, de “viver” e trabalhar em Portugal, como era o caso, entre outros exemplos, das autorizações de permanência.

É no sector terciário (62% das empresas sediadas) seguido do secundário (34,7%), que se concentram os maio- res níveis de empregabilidade do concelho, sobretudo no comércio, na agro-pecuária e na indústria (INE, 2002).

A construção civil acompanha o crescimento económico, registando um incremento e uma excepcional dinâmica. No ano de 2002, foram concluídas 852 obras no concelho e, no mesmo período, concedidas 792 licenças de construção de novos edifícios (INE, Retratos Territoriais).

O sector primário tem uma expressão inferior à média nacional (3,3%) mas será de sublinhar que a pecuária representa mais de um quinto da produção nacional.70

Leiria no contexto nacional 71

No cômputo geral os números globais da população não nacional com situação regularizada (AR e AP) no dis- trito de Leiria, acompanham a tendência imigratória nacional (Figura 4.1).

FIGURA 4.1