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Capítulo IV – Modernização e competitividade industrial: as escolhas da

2. Market-oriented-reforms e competitividade Industrial

Os discursos, pesquisas, boletins e relatórios produzidos e veiculados pela Confederação Nacional da Indústria após 1989, via de regra, contemplam um conjunto de temas interdependentes que correspondem aos interesses do segmento industrial privado quanto ao desenvolvimento econômico e inserção internacional do Brasil. Assim sendo, para facilitar a compreensão, recorremos à divisão da matéria em dois blocos que serão apresentados em separado, sendo que, um logo a seguir e o outro no capítulo subseqüente a este. Cabe esclarecer que, o primeiro bloco de temas corresponde a Agenda das Reformas, notadamente os aspectos relativos à abertura econômica; as condições de competitividade da indústria; bem como, a imputação de prejuízos causados à indústria pelo chamado “Custo Brasil”. O segundo bloco contempla os temas concernentes às Negociações Internacionais do Brasil, designadamente o Mercosul, a União Econômica Européia (UEE) e a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Para a indústria, em fins dos anos 80, o processo de transição para a modernidade significava acabar com o ciclo de inflação, pacotes e choques econômicos, assim como o baixo crescimento econômico. Denotava instituir um novo padrão produtivo e tecnológico para acompanhar os níveis de produtividade internacional e melhorar as condições de competitividade, bem como restringir as ações do Estado na economia, a partir das privatizações, desregulamentação da economia e ajustes macro econômico. Ou seja, uma concepção coerente com os propósitos das reformas aplicadas pelo e para o Mercado.

No primeiro biênio dos anos 90, quando o governo brasileiro deu inicio ao conjunto de reformas voltadas para o mercado94, o apoio do segmento empresarial, em destaque o da CNI, pautava-se pelo objetivo de difundir novas bases para a produção nacional. A época, o país caminhou no sentido da estabilidade monetária e diminuiu vertiginosamente a taxa de inflação para um digito ao ano, não obstante, as empresas nacionais ficaram expostas à competição mundial, particularmente a pequena e média empresa.

Nesse contexto, as indústrias começaram a rever seus índices de produtividade e a encampar modificações relacionadas ao denominado processo de flexibilização produtiva que, novamente, atingiu as relações Capital x Trabalho. A diferença é que, dessa vez, acordos como demissão voluntária, banco de horas, contratação temporária, entre outros, passaram a acontecer diretamente entre empresas e trabalhadores, isto é, sem a mediação do Estado no desempenho do papel de conciliador. Adicionalmente, a própria intervenção dos sindicatos de classe e centrais sindicais aconteceu de maneira distinta, conforme demonstrado anteriormente.

Registra-se a ocorrência de mudanças na maneira de mobilização da classe trabalhadora, já que, diferentemente da estratégia utilizada na década de 80, as ações sindicais apontam para a descentralização da negociação95. Nesse sentido, do ponto de vista das relações trabalhistas, vê-se a desarticulação do poder de mobilização dos sindicatos e centrais sindicais; retratada na segmentação setorial em termos de negociação de salários ou benefícios; no aumento de negociações diretas entre a empresa e seus empregados; entre

94Conforme apresentado no capítulo II quando demos tratamento ao tema das reformas

95Para aprofundar, consulte: ZYLBERSTAJN, Hélio. et al.. “Mudanças no Mercado de Trabalho e Reformulação dos Sistemas de Relações Trabalhistas.” PARTE 2. pp. 101-219. (1996); VIGEVANI, Tullo. MERCOSUL: Impactos para Trabalhadores e Sindicatos. São Paulo: Ltr, 1998.

outros. Claro está à intensificação da tendência de desregulamentação dos direitos trabalhistas e precarização das condições de trabalho e do vínculo empregatício.

A amplitude desta reflexão ganha expressão maior na medida em que incorporamos à argumentação a distinção entre fatores de produção e variações de renda, visto que, os ganhos quanto a eficiência econômica alcançados pela liberalização econômica, necessariamente não correspondem ao aumento dos postos de trabalhos, nem elevação da renda da classe trabalhadora. Segundo considerações de Tullo Vigevani, a questão envolve uma dimensão de outra natureza:

“A liberalização contém uma lógica que escapa à razão de ser da organização sindical, que ainda se constituiu em veículo de reivindicação salarial e de defesa do emprego em âmbito nacional. Conclui-se, portanto, que da forma em que se encontram organizados hoje, os sindicatos não tem condições de interferir, com capacidade real de interlocução e legitimidade de representação, em processos tão complexos como a abertura da economia e a liberalização/ globalização.” (VIGEVANI & VEIGA, 1996; 227)

Se adotarmos a lógica liberal de interpretação em que, qualquer país ou cultura, sempre haverá forças políticas beneficiadas por instituições que favorecem o desenvolvimento econômico e outras que serão prejudicadas por elas, concluiremos que, de alguma maneira, o desenvolvimento acaba por ser determinado pela forma como se equaciona esse embate político.

Conforme Carlos Pio, as instituições são cunhadas para convir aos interesses daqueles que possuem poder de barganha para criar novas regras. (PIO, 2002) Nesse sentido, tomando por base que os grupos de interesse têm preferências institucionais, no caso de empresas privadas, a expectativa quanto ao papel que essas instituições

desenvolvem em relação ao desenvolvimento, entre outros preceitos, destacam-se as regras que:

“Asseguram um amplo leque de liberdades individuais, especialmente direitos de propriedade, para que os indivíduos sejam estimulados a usar eficientemente seus ativos (materiais e imateriais) a fim de realizar suas preferências, assumindo plenamente os riscos desse emprego, mas dispondo de garantias de apropriação de maior parte dos benefícios gerados pelo uso que fizer desses ativos.” (PIO, 2002; 64)

Para confirmar o quanto é significativo o papel das instituições nas condições do desenvolvimento e em relação aos respectivos grupos de interesse, registra-se que na solenidade de posse da Presidência da CNI, Fernando Bezerra, dirigiu-se ao então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e protestou. Na ocasião, reclamou da falta de diálogo entre o setor privado e o governo, sobretudo em torno das políticas de liberalização comercial no Brasil. Em discurso, proferiu:

“Como entidade de cúpula do setor industrial, o nosso programa estará centrado nas questões macro que afetam o desenvolvimento da indústria e do país, isto é, a prioridade de criação de incentivo ao desenvolvimento produtivo.”96

Mais adiante, asseverou:

“A CNI faz parte da sociedade organizada e agiremos como um grupo de pressão que se orienta pela lógica da ação coletiva e não pela fragmentação de interesses que terminam por ameaçar as modernas sociedades industriais.”97

96

Discurso de Fernando Bezerra na posse da Presidência da CNI, Brasília, 18/10/1995. 97Idem, 1995.

Em todos os momentos que o tema das reformas voltadas para o mercado ocupou lugar central na agenda nacional, de maneira recorrente a Confederação Nacional da Indústria defendeu componentes da modernização específicos. Desde meados dos anos 90, em diferentes fóruns, meios e veículos de comunicação, a instituição empresarial passou a defender que para o país impetrar a estabilidade da moeda, seria preciso alcançar o equilíbrio de receita nas contas públicas, reformas institucionais, regulamentação da ordem econômica, bem como redução do “Custo Brasil”.

Observa-se que o arco de questões respectivo às condições de modernização defendida pela CNI, desde então, apresenta como elementos edificadores da modernização a desregulamentação econômica; a revisão da legislação trabalhista; a redução da taxa de juros para financiamentos e empréstimos na rede bancária; a revisão da carga tributária; melhoria da infra-estrutura nacional; prioridade a educação, enquanto um direito inalienável.

Assinale-se que no Fórum “Reformas: a Nação tem Pressa”, a CNI encaminhou as discussões no sentido de aceleração das condições de modernização, já que, no entendimento da instituição, a morosidade no processo de reformas paralisaria a competição da indústria brasileira nos moldes da globalização. Nas palavras da Presidência da entidade:

“Nossas exportações estão caindo, num tempo em que as economias se abrem. [...] E não é por falta de empenho da classe empresarial e dos trabalhadores, pois a produtividade industrial aumentou 30% nos últimos cinco anos e o Brasil é campeão de ISO 9000 em toda a América Latina. A modernização da indústria é um fato. E, mesmo assim, crescemos pouco – 3 % ao ano." 98

98Anais do Fórum “Reformas: a Nação tem Pressa”, realizado na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em 23/06/1997. São Paulo - São Paulo, Brasil.

Na avaliação da CNI, a capacidade de concorrência da indústria brasileira foi - e continua a ser - limitada pelo custo de transporte, tributos e encargos sociais que inviabilizam a comercialização e, em conjunto, compõe o Custo Brasil e ainda prejudicam as exportações brasileiras no quesito concorrência. Pode-se afirmar que, em dado momento, a instituição empresarial pautou suas preocupações e interesses a partir dos indicativos da pesquisa realizada pela CNI/CEPAL 1996/9799 , como segue:

i. 14% dos industriais brasileiros diziam estar investindo o necessário para fazer crescer os seus negócios;

ii. 46% acreditavam que os investimentos estariam muito aquém do potencial de mercado;

iii. 40% dos entrevistados consideraram seus investimentos razoáveis.

Mediante os dados da pesquisa, que revelou o baixo investimento dos industriais brasileiros, a CNI rebateu críticas ao segmento produtivo argumentado que, embora o mercado interno, potencialmente, possua uma massa de 160 milhões de consumidores, o dobro do México; 5 vezes mais do que a Argentina e mais de 9 vezes do Chile, nada poderia ser modificado sem a contrapartida do governo. Contrária ao adiamento das reformas econômicas para 1999, proposta do Governo FHC, a entidade confederativa protestava ao afirmar que uma espera por dois anos seria intolerável para a indústria brasileira, porque neste prazo se perderia terreno para os competidores internacionais.

No relatório da pesquisa sobre Investimentos na Indústria Brasileira100, a CNI denominou a primeira metade dos anos 90 como o período em que se erigiu um “miniciclo

99

Pesquisa sobre características e determinantes do investimento da indústria, realizada pela CNI/CEPAL de 1996/97.

de modernizações”. A expressão denota o tipo de investimento que predominava, ou melhor, inversões voltadas à redução de custos e melhoria de qualidade da produção, pela via da modernização. Some-se a interpretação da entidade, a suposição de que foram os problemas macroeconômicos que dificultaram a entrada em um ciclo longo de modernização voltado à expansão da capacidade produtiva privada. Em termos de desenvolvimento nacional, a atuação da CNI pró-reformas conjugou o novo e o velho, já que, de um lado, saudou a valorização da indústria brasileira associada ao potencial exportador do país; de outro, houve reclamações quanto à escassez de crédito e uma política de financiamento com juros baixos e a longo prazo para capitalizar os investidores nacionais e privados.

Durante a “Jornada de Competitividade”101

promovida pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, a atuação da CNI demonstrava certa preocupação com o processo de internacionalização da produção. A época, advertia o segmento industrial sobre o domínio de um padrão tecnológico internacional muito a frente do padrão nacional, que ameaçava a produtividade da indústria brasileira. Além disso, a entidade confederativa manifestava preocupação com a expansão de investimentos diretos advindos de empresas transacionais. Não por acaso, naquele momento, foi lançada uma campanha de orientação estratégica para a indústria brasileira que pretendia garantir o andamento de três ações objetivas.

i. A primeira, deveria gerar novas competências no campo tecnológico e educacional.

101Anais da “Jornada de Competitividade”, promovida pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, em 7/11/1995. Porto Alegre - Rio Grande do Sul, Brasil.

ii. A segunda, obedecia a intenção de criar condições de concorrência no mercado internacional e ampliar a participação dos produtos brasileiros no exterior.

iii. A terceira, com efeito, referia-se ao empenho em demonstrar que determinados obstáculos ao desenvolvimento industrial decorrem do “Custo Brasil”.

A titulo de interpretação, a primeira diretiva visava aumentar a produtividade, concomitante a formação de mão de obra qualificada para trabalhar em novos equipamentos e tecnologias. Para a efetivação do intento quanto à concorrência internacional, a Confederação Nacional da Indústria intensificou os argumentos a favor da desoneração das exportações, melhores condições nos financiamentos bancários e ainda, mais acesso as oportunidades de negócios e tecnologias. Adicione-se a solicitação da criação de instrumentos de proteção e salvaguardas concernentes à abertura comercial. Quanto ao Custo Brasil, conforme elaborado pela entidade, congrega “as péssimas condições das estradas no país; hidroelétricas deficitárias ou paralisadas; e, entre outros, excesso de regulamentações e taxas tributárias sobre a produção.”102

A tentativa de homogeneização do discurso empresarial, visava não somente aumentar a coesão entre diferentes setores, mas também fortalecer o poder de pressão e negociação do grupo junto ao governo e instâncias de decisões.

Elucidados os objetivos acima, fica mais fácil estimar que o slogan da Confederação Nacional da Indústria batizado como posicionamento para a ação em prol da modernização, objetivamente significou a mobilização por mais reformas. Cabe mencionar um pequeno trecho do documento que corrobora para esse entendimento, como segue:

“As ineficiências e distorções associadas às relações entre Estado e setor privado, estão expressas em graves deficiências no provimento de bens públicos e em uma legislação inadequada.”103

Registra-se ainda que, em boa parte da década de 90, o tema do Custo Brasil foi recorrente no âmbito da Confederação Nacional da Indústria, comumente discutido numa vinculação com a plataforma de reformas defendida para o país, visando maior participação internacional da indústria.