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MARX E A LEI DE TENDÊNCIA À QUEDA DA TAXA DE LUCRO

Neste capítulo, a partir da base teórica discutida anteriormente, pretende-se analisar a lei de tendência à queda da taxa de lucro de Marx, haja vista sua importância na discussão do Estado capitalista. Discutir-se-á também a distribuição da mais-valia e com ela os mecanismos de sustentação do Estado. Pretende-se ainda discutir as funções econômicas desempenhadas pelo Estado burguês, bem como o significado das leis fabris inglesas de meados do século XIX, por ser uma das primeiras formas de intervenção estatal.

3.1 MARX E A LEI DE TENDÊNCIA À QUEDA DA TAXA DE LUCRO

A lei de tendência à queda da taxa de lucro tem sido utilizada, como vimos, por autores, como Hirsch e os defensores da teoria do Capitalismo Monopolista de Estado, com destaque para Boccara, no sentido de explicar a intervenção do Estado na economia. Nesta seção, pretende-se apreender o conteúdo dessa lei, bem como sua correlação com a intervenção do Estado na economia.

Marx (1980) formula essa lei a partir da premissa de que, no modo capitalista de produção, há um incremento contínuo do capital constante em relação ao capital variável. Para o autor, dados o salário e a jornada de trabalho, um determinado capital variável (v) representa a mobilização de certo número de trabalhadores. No caso de uma taxa de mais-valia m/v = 100%, ou seja, o trabalho necessário à reprodução dessa força-de-trabalho mobilizada é igual ao trabalho excedente; esse certo número de trabalhadores gerará um valor global que é o dobro do valor que lhes é destinado para reproduzir a força de trabalho. Marx alerta, entretanto, que essa taxa de mais-valia se expressará em taxas de lucros diferentes, na razão direta da variação do tamanho do capital constante (c) mobilizado e, em conseqüência, do capital global (C), uma vez que a taxa de lucro é igual a mais-valia (m), dividida, então, pelo capital global (C).

Marx (1980) exemplifica, então, que para essa taxa de mais-valia de 100%, no caso da mobilização de 50 unidades de (c) e 100 unidades de (v), ter-se-á um

lucro de 66,66%, resultado da divisão da mais-valia (m), pela soma de ambos os componentes do capital adiantado. Ou seja, para um c = 50 e v = 100, então o lucro l´ será m/(c+v) = 100/150 = 66,66%. Variando-se (c), para 100, 200, 300 e 400, serão obtidos, respectivamente, lucros l´ de 50%, 33,33%, 25% e 20%.

A partir desses resultados, o autor afirma que a mesma taxa de mais-valia, mantendo-se constante o grau de exploração da força-de-trabalho, expressa em uma taxa decrescente de lucro, pelo fato de que o montante do capital variável, embora possa também aumentar em termos absolutos, aumenta menos do que o capital constante. Seguindo adiante, aventa a suposição de que a variação de grau no capital constante se dê em todos os ramos da indústria, ou pelo menos em seus ramos decisivos, alterando com isso a composição orgânica média de todo o capital de uma dada economia. A resultante desse processo de “aumento progressivo do capital constante em relação ao variável deve necessariamente ter por conseqüência queda gradual na taxa geral de lucro, desde que não varie a taxa de mais-valia ou o grau de exploração do trabalho pelo capital” (MARX, 1980, p. 242, grifos no original).

Uma das leis do modo de produção capitalista ao se desenvolver, segundo Marx, é que o montante de capital variável decresce relativamente em relação ao capital constante e, por conseqüência, a todo o capital posto em movimento. Ou seja, nesse modo de produção uma mesma quantidade de trabalhadores, portanto, de força-de-trabalho, resultante de um capital variável de determinado valor e em função de determinados métodos produtivos, mobiliza, emprega, consome produtivamente, num mesmo período de tempo, uma crescente massa de meios de trabalho, maquinários, de diversos tipos de capital fixo, de matérias-primas e conexos, enfim, capital constante com magnitude cada vez maior de valor. Esse processo de redução relativa gradual do capital variável em relação ao capital constante, e de resto com todo o capital, está interligado com a crescente e progressiva elevação da composição orgânica do capital social médio. Essa é, então, uma forma diferenciada de expressão do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho. Em síntese: com menos trabalho se movimenta mais capital constante, gerando-se com isso mais produtos: “A esse montante crescente do valor do capital constante – embora só de maneira longínqua represente ele o acréscimo da massa efetiva dos valores-de-uso que constituem

materialmente o capital constante – corresponde redução crescente do preço do produto”49 (MARX, 1980, p. 243).

Essa redução de preço dos produtos é devida ao fato de que cada produto tomado individualmente passa a conter menos trabalho que quando produzido anteriormente, em fases inferiores de produção, em que se desembolsavam mais capital variável relativamente ao capital constante. É por essa razão que a taxa de mais-valia, mantido ou não constante o grau de exploração da força-de-trabalho, expressa-se em taxa geral de lucro em queda contínua. Essa tendência gradual de queda da taxa geral de lucro, específica do modo de produção capitalista, é, para o autor, meramente a expressão do progresso da produtividade social do trabalho.

Ressalva Marx que há outros fatores que podem determinar a queda na taxa geral de lucro, mas esse efeito é temporário. O que essa lei põe em evidência é que:

A massa de trabalho vivo empregado decresce sempre em relação à massa de trabalho materializado que põe em movimento à massa dos meios de produção produtivamente consumidos, inferindo-se daí que a parte não paga do trabalho vivo, a qual se concretiza em mais-valia, deve continuamente decrescer em relação ao montante de valor do capital global aplicado. Mas, essa relação entre a massa de mais-valia e o valor de todo o capital aplicado constitui a taxa de lucro, que por conseqüência tem de ir diminuindo (MARX, 1980, p. 243-4).

Outra questão relevante em relação a essa lei é que o lucro é a própria mais-valia, quando se refere ao capital total e não apenas ao capital variável que a gera.

Nesse sentido, a lei independe da distribuição do lucro, ou mais-valia, entre seus diversos segmentos, como: lucro industrial, lucro comercial, juros, renda da terra, impostos etc. Entretanto, de imediato, uma das conseqüências dessa lei é o acirramento da luta entre esses diversos segmentos, visando manter o patamar do lucro, ou da mais-valia, de que ele irá se apropriar, em patamares que lhes seja suficiente.

Significativo é também o fato de que a taxa de mais-valia pode aumentar, em uma quantidade determinada de população trabalhadora, tanto pelo prolongamento ou intensificação da jornada de trabalho, quanto pela redução do valor do salário decorrente do aumento de sua produtividade. Nesse caso, a massa de mais-valia

49 Um exemplo atual, que ilustra perfeitamente essa assertiva de Marx, é a redução expressiva e constante do preço dos microcomputadores e demais equipamentos de informática nos últimos anos, quando calculado, por exemplo em R$/megabite.

obrigatoriamente aumenta e, com isso, cresce também a massa absoluta de lucro, a despeito da redução do capital variável em relação ao capital constante (MARX, 1980).

A partir do exposto, pode-se afirmar que: a lei de tendência de queda da taxa de lucro demonstra que, à medida que as taxas de lucro caem, os capitalistas perdem o interesse de investir, gerando então as crises econômicas do sistema capitalista. Entretanto, como observa Marx, essa queda não se concretiza em derrocada total, porque há forças que atuam em sentido contrário, visando anular os efeitos dessa lei. Como visto, o Estado, para os teóricos do Capitalismo Monopolista de Estado e para autores como Hirsch, é um dos componentes fundamentais dessas forças que se antepõem a essa lei.

A seguir, discutem-se os fatores que se antepõem à lei de tendência à queda da taxa de lucro. Para Marx, dialeticamente, os mesmos fatores que produzem a queda da taxa de lucro são os que moderam a realização dessa tendência. O primeiro desses fatores é o aumento do grau de exploração do trabalho, seja pela ampliação da jornada de trabalho, seja pela intensificação do trabalho. Ou seja, pelo aumento da extração de mais-valia, absoluta ou relativa. Para ele, há diversas formas de intensificação do trabalho, como, por exemplo o aumento da velocidade das máquinas. Nesse caso, apesar de consumir, em um mesmo lapso de tempo, maior quantidade de matérias-primas e aumentar o desgaste dos equipamentos (capital fixo), a relação entre os seus valores e o preço do trabalho que as põem em movimento não é alterada. Outro exemplo é o da expansão pura e simples da jornada de trabalho. A utilização do trabalho feminino e infantil nesse processo se dá por ser seus salários inferiores ao do trabalho masculino. Além disso, quando mais de um membro da família trabalha, o valor dos bens destinados à reprodução da força-de-trabalho é rateada pela quantidade de familiares envolvidos no processo produtivo e não apenas por um trabalhador. O aumento do número de pessoas trabalhando implica o fornecimento maior de excedente. O processo de simplificação do trabalho pelo desenvolvimento de novas tecnologias e métodos de trabalho facilita a utilização de mulheres e menores.

Outro fator importante é a elevação temporária, mas sempre repetida, da mais-valia, decorrente do desenvolvimento de novas tecnologias ou métodos produtivos ou gerenciais. Quanto a esse último, pode-se citar a evolução sofrida nessa área,

desde os tempos da chamada escola clássica da administração de Taylor, Ford e Fayol, de fins do século XIX e início do século XX, até o atual sistema Toyota de produção.50 Em síntese:

A elevação da taxa de mais-valia – mormente quando ocorre em circunstâncias [...] em que não se verifica aumento absoluto ou relativo do capital constante com referência ao variável – é um fator que concorre para determinar a massa de mais-valia e por conseguinte a taxa de lucro. Esse fator, embora não derrogue a lei geral, faz que ela opere mais como tendência, isto é, como lei cuja efetivação absoluta é detida, retardada, enfraquecida pela ação de circunstâncias opostas. Mas, as mesmas causas que elevam a taxa de mais-valia (mesmo o prolongamento da jornada é um produto da indústria moderna) concorrem para diminuir a força de trabalho aplicada por capital dado, e assim essas mesmas causas contribuem para diminuir a taxa de lucro e para retardar essa diminuição (MARX, 1980, p.269).

O segundo fator apontado é a redução dos salários. A despeito de Marx (1980) não ter se estendido nesse ponto, pode-se citar o processo inflacionário como uma das formas de redução dos salários reais. Outra forma é a da demissão de trabalhadores de salários mais elevados e contratação de outros, às vezes até os mesmos, por salários inferiores.

Outro fator, o terceiro, é a baixa de preço dos elementos do capital constante.

Trata-se aqui do crescimento do valor do capital constante em proporção inferior de seu volume material, devido ao incremento da produtividade do trabalho. Ou seja, para Marx, reduz-se o valor do capital existente por meio do desenvolvimento da indústria.

O próximo elemento a ser discutido é o da superpopulação relativa.

Novamente o processo dialético se apresenta. O mesmo fator que contribui para a tendência à queda da taxa de lucro é o que a modera. Uma das formas como ocorre superpopulação relativa é quando em ramos da produção perdura de forma mais ou menos incompleta a subordinação do trabalho ao capital. Para Marx, essa situação decorre da abundância e conseqüente barateamento dos trabalhadores desempregados. Também, pela resistência à mecanização oposta pelos trabalhadores, cujos exemplos concretos podem ser observados na indústria automotiva. A absorção de trabalhadores liberados pela indústria, por parte do setor de serviços, menos intensiva em mão-de-obra, também se enquadra nessa contra,

50 Sobre esse assunto ver Maximiano (2000).

tendência. Nesses casos, o capital variável representa uma proporção maior em relação a todo capital, fazendo com que a taxa e a massa de mais-valia sejam bem maiores nesses setores, ou ramos industriais.

O penúltimo fator é o comércio exterior que, por baratear componentes do capital constante e de meios de subsistência necessários que são transformados em capital variável, ajuda a elevar as taxas de lucro. Ou seja, um determinado país, normalmente mais desenvolvido, vende ao outro, mercadorias acima do valor, apesar de mais baratas que as produzidas pelo país comprador. Junto com o comércio exterior, pode ser arrolada a produção, em países menos desenvolvidos, pelas empresas multinacionais, que utilizam mão-de-obra, cujo tempo necessário à reprodução é menor que nos países desenvolvidos. Nesse caso, podem essas empresas realizar superlucros.

O último aspecto apontado por Marx (1980) é o do aumento do capital em ações. Marx apenas cita esse ponto, limitando-se a afirmar que os dividendos distribuídos são ou podem ser menores que a taxa média de lucro.

Discutido isso, percebe-se que Marx (1980) não inclui diretamente o Estado na discussão da lei de tendência à queda da taxa de lucros. O envolvimento do Estado é feito, como visto, tanto pelos teóricos do Capitalismo Monopolista de Estado, quanto por teóricos como Hirsch, da chamada Escola da Derivação.