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2 MARY WOLLSTONECRAFT: UMA FEMINISTA ESCREVENDO SUAS IDEIAS

2.1 MARY WOLLSTONECRAFT: FORMAÇÃO E FAMÍLIA

A Londres da metade do século XVIII tinha os sons e os cheiros de uma cidade em crescente expansão. Pelo estreitume das ruas, ouvem-se os passos apressados de homens e mulheres, acotovelando-se e esbarrando os ombros na dobradura das esquinas, ao belo ritmo da modernidade. Em meio ao ressoar dos sinos e ao grasnar dos gansos, feirantes gritam o preço das frutas e verduras e fazendeiros tentam vender suas aves que ruflam suas asas nas saias dos longos vestidos das miladies. As vendedoras de flores perfumam o ar juntamente com as sarjetas fétidas de uma cidade com pouco saneamento e muita vontade de prosperar. O palco onde se fechavam negócios e logravam-se prazeres era o mesmo: a rua. A barafunda nas vielas refletia o gosto londrino pelo out-of-door, onde tudo era celebrado com barulho, agitação, malabaristas e música (BRODY, 2000, p. 11).

O local de festejos também foi cenário de um período de reflexão intelectual de onde surgiram grandes trabalhos literários e científicos que conduziram homens e mulheres a saírem da escuridão das superstições e da tradição medieval e rumarem à luz da razão: o Iluminismo (BRODY, 2000, p. 12). Uma nova forma de pensar o ser humano e de enaltecer as faculdades intelectuais do homem, promovida por nomes como John Locke e Edward Gibbon, que louvavam a razão como seu guia supremo. Foi nos arredores dessa atmosfera musicada pelo tumulto de sinos, gansos e multidão, e perfumada por rosas e esgoto, progresso e razão, que veio ao mundo uma das primeiras defensoras dos direitos das mulheres.

Em abril, mês em que há a celebração do padroeiro da Inglaterra, São Jorge, com suas tardes de temperatura amena e jardins cheios de flores, Elizabeth Wollstonecraft deu à luz, em Spitalfields, à sua segunda filha, um bebê de olhos ferozes a quem deu o nome de Mary. Antes dela, havia nascido Edward, apelidado carinhosamente de Ned, a quem penderam toda a preferência e todo o amor da família. Ele era o menino dos olhos dos pais. Não encontrei em minhas leituras nenhum apelido carinhoso dado à filha.

Elizabeth, nascida em uma cidadezinha próspera e bonita da costa oeste irlandesa, chamada Ballyshannon, era intolerante, exigente e não era dada a muitas demonstrações de afeto, ao menos no que concernia a Mary e aos outros cinco bebês que vieram depois dela (TOMALIN, 2004, posição 196). Era difícil conseguir um naco de atenção e afeto com tantos “rivais” chegando. Em 1756, Elizabeth Dixon casou-se com Edward John Wollstonecraft, o

filho de um grande empresário da seda, também chamado Edward (a predileção pelo nome já fez-se evidente na família), um homem trabalhador com grande tino para os negócios (BRODY, 2000, p. 21). Infelizmente, Edward, the young, não herdara nenhuma das qualidades do pai; ao ao contrário, foi um homem fracassado com grande tino para a bebida. Preferia o esporte ao trabalho e pulava de cidade em cidade, com a desculpa de fechar um grande negócio ou abraçar uma oportunidade inegável. Tinha um temperamento muito difícil e inconstante que alternava- se em rompantes de bondade e crueldade; em um dos últimos, Edward enforcara um de seus cães (BRODY, 2000, p. 22).

Acredito que, para Mary, o comportamento violento do pai, despertado pelo álcool, era o que lhe provocava maior terror. Foram muitas as noites em que a frágil criança saía de seu quarto, rastejando sob o piso frio, com a respiração espaçada com o intuito de não fazer nenhum ruído e com as pequeninas mãos a emoldurar a bochecha gelada, postava seu ouvido à porta da alcova dos pais, em prontidão para salvaguardar Elizabeth. Caso um acesso de brutalidade acometesse o pai, ela se jogaria, no meio dos dois, em defesa da mãe negligente (BRODY, 2000, p. 22).

Interessante não encontrar quaisquer relatos dos seus quatro irmãos, meninos – muito menos do adorado Ned – tendo essa preocupação com a genitora. Talvez, aos olhos deles, era natural o comportamento agressivo do pai e a submissão da mãe. Não era de se estranhar, pois não era raro aos maridos darem um “corretivo” nas esposas, por vezes, incontroláveis, fosse por não quererem satisfazer seus desejos ou por um jantar não tão elaborado. Ao casarem, homem e mulher tornavam-se uma só pessoa: no caso, o homem. A autonomia quase inexistente da mulher enquanto filha, era completamente anulada pelo casamento, como se sua vida, sua alma, seu corpo fossem absorvidos pelos do marido. Ela passa a existir através dele. Nas palavras de Blackstone:

By marriage, the husband and wife are one person in law: that is, the very being or legal existence of the woman is suspended during the marriage, or at least is incorporated and consolidated into that of the husband: under whose wing, protection, and cover, she performs every thing; and is therefore called in our law-french a femecovert, fœminaviro co-operta; is said to be covert-baron, or under the protection and influence of her husband, her baron, or lord; and her condition during her marriage is called her coverture. Upon this principle, of a union of person in husband and wife, depend almost all the legal rights, duties, and disabilities, that either of them acquire by the marriage59 (1753, p. 279).

59 “Pelo casamento, o marido e a mulher se tornam uma só pessoa perante a lei; ou seja, o próprio ser ou a existência

legal da mulher é suspendida durante o casamento, ou, pelo menos, é incorporada e consolidada à do marido: sob cuja proteção e cobertura ela executa tudo; e é, assim, chamada em law-french femecovert, fœmina viro co-operta; é dito ser covert-baron, ou sob a proteção e influência do marido dela, seu baron, ou senhor; e a condição dela durante o casamento é chamada coverture (cobertura/abrigo). Sob esse princípio, da união da pessoa em marido e

O pensamento de Sir Matthew Hale, expresso em seu The History of the Pleas of the

Crown, publicado nos idos de 1736, de que o marido não podia ser punido pelo estupro

conjugal, uma vez que, ao casar, a mulher deu-lhe o consentimento de uso de seu corpo, permaneceu por muito tempo ainda vivo na sociedade patriarcal inglesa (1847, p. 628), quiçá até hoje. Ao ranso dessa ideia somava-se o pronunciamento, em 1782, de Francis Buller (um respeitável jurista inglês) a favor do direito dos maridos baterem em suas esposas não só com tapas, socos e pontapés, mas, inclusive, com o auxílio de algum tipo de instrumento, desde que esse apetrecho não ultrapassasse a espessura de seu dedo polegar (GARCIA; MCMANIMON 2011, p. 3). Provavelmente, os meninos, na posição confortável que Deus lhes ofertou, já tivessem internalizado essas ações como algo corriqueiro e natural. Mary, não.

By the English common law, her husband was her lord and master. He had the sole custody of her person, and of her minor children. He could ''punish her with a stick no bigger than his thumb," and she could not complain against him. The common law of this state held man and wife to be one person, but that person was the husband. He could by will deprive her of every part of his property, and also of what had been her

own before marriage60 (ROBINSON, 1881, p. 116).

A infância da pequena menina não foi nada feliz. Além de um pai violento e perdulário, ela sempre sentiu-se solitária e preterida em uma casa repleta de pessoas. Tudo era para o

precious Ned, aquele tirano, cheio de si que só servia para atormentá-la e humilhá-la

(TOMALIN, 2004, posição 320): o amor, o carinho, as atenções, as oportunidades e até mesmo a herança do avô. Antes de falecer, the old Edward, dividou sua fortuna entre todos os netos, menos entre as meninas que não receberam um só trocado.

Then he [grandfather] divided his estate into three parts: one third for his daughter by the first marriage [...], another third to his son Edward John, and the final third to six- year old Ned. Ned also inherited his grandfather’s portrait, a solemn reminder of the ambitions that were being laid on his shoulders. There was nothing for the little girls,

not so much as a silver spoon a piece61 (TOMALIN, 2004, posição 190).

mulher, dependem quase todos os direitos, deveres e inaptidões que ambos adquirem com o casamento” (tradução nossa).

60 “Pela lei comum inglesa, o marido dela era seu senhor e mestre. Ele tinha a custódia exclusiva da pessoa dela, e

de suas crianças menores de idade. Ele poderia ‘puni-la com uma vara que não fosse maior que o seu polegar,’ e ela não poderia queixar-se contra ele. A lei comum deste estado considerava homem e mulher como uma pessoa, mas essa pessoa era o marido. Ele poderia, de acordo com sua vontade, privá-la de todas as partes de sua propriedade, e também do que era de propriedade dela antes do casamento”

61 “Então ele [avô] dividiu seu estado em três partes: um terço para sua filha pelo primeiro casamento [...], outro

terço para o seu filho Edward John, o último terço para o filho de seis anos, Ned. Ned também herdou o retrato de seu avô, uma lembrança solene das ambições que estavam sendo colocadas em seus ombros. Não havia nada para as pequenas garotas, nem sequer uma peça de uma colher de prata” (tradução nossa).

Seu relacionamento com as figuras masculinas da família não foi nada auspicioso. Do avô, não tinha mais nada a dizer além do fato de ter sido um “respectable manufacturer” que não pensou em um momento sequer no futuro das netas (TOMALIN, 2004, posição 169). Nenhuma recordação feliz ou carinhosa, nenhuma proteção ou colo. Do pai, a memória de um cão enforcado, tapas direcionados à mãe, autoridade irracional inflamada pelo álcool. Nenhuma recordação de afeto ou amor. Do irmão, todas as humilhações e perturbações oferecidas, os privilégios não compartilhados, as atenções repudiadas. Nenhuma recordação de ternura ou estima. Todas essas injustiças foram guardadas, organizadamente, uma a uma, nas gavetas da memória do peito de Mary.

A autora permanecia muito tempo em sua própria companhia, já que era preterida ou indesejada em sua maior parte, o que a estimulava a sair ao ar livre e brincar fora de casa. Em Berkeley, já com seus quinze anos de idade, tinha o costume de vagar pela orla das árvores em Westwood, onde compunha canções e falava com anjos, tentando tomar da natureza um pouco de felicidade (BRODY, 2000, p. 16). Era uma criança sensível e imaginativa que tinha sede por conhecimento, o que era visto pelo pai com desprezo. Nessa cidade, ela recebeu a primeira e única educação formal de sua vida, quando aprendeu o básico de matemática, uma míngua de francês, aulas de dança e música – enquanto o precious Ned foi enviado para uma instituição (onde havia inclusive uma grande biblioteca à sua disposição), com o intuito de receber uma verdadeira formação escolar, o que, obviamente era demandado por seu gênero (BRODY, 2000, p. 17). Afinal, tudo era para ele. Mary, segundo Rousseau, tinha que aprender muitas coisas, mas só aquelas que lhe convinha saber (1995, p. 432). Seu desenvolvimento intelectual, portanto, deu-se por conta da sua curiosidade e pelo encontro de pessoas inteligentes, letradas e bondosas, bem diferentes de seu pai.

Em Beverley, Mary conheceu Jane Arden, sua primeira grande amiga. Era de uma família pobre, mas muito distinta e reconhecida na cidade, com uma bagagem intelectual e religiosa muito sólida (BRODY, 2000, p. 18). O pai da menina, John, era membro da Royal

Society, fundada em 1660 como um lugar de estudo e reflexão sobre o mundo natural e as leis

que governavam as formas de vida, onde homens liam uns para os outros e debatiam sobre as questões da humanidade (BRODY, 2000, p. 18). Como um bom pensador iluminista, ele acreditava que a sociedade progredia na medida em que seus membros fossem instruídos, e para tanto, adquirira o hábito de ler para seus vizinhos não tão afortunados de berço, dando-lhes a oportunidade de conhecimento e reflexão (BRODY, 2000, p. 18). John lia para homens e mulheres, indistintamente. O conhecimento, para ele, talvez não tivesse gênero. Foi ele quem

deu a Mary o estímulo que faltava, entregando em suas mãos vários ensaios e livros para estimular-lhe a leitura.

Jane acabou indo para uma cidade próxima visitar uma tia e elas fizeram a promessa de se corresponderem. Mary ficou muito excitada e ansiosa para escrever sua primeira carta, preocupada com a reação de sua destinatária (BRODY, 2000, p. 19). Isso a consumiu por alguns dias e algumas noites. Para Jane, eram apenas cartas. Para Mary era a dolorosa expectativa de não decepcionar a única pessoa que tinha lhe demonstrado um pouco de afeto. Jane tinha várias outras amigas. Mary não tinha mais ninguém. Aos olhos dos Wollstonecraft a amizade era bem- vinda, uma vez que viviam em uma época na qual os adultos incentivavam esse tipo de relações entre as meninas solteiras, desde que as afastavam de possíveis intimidades românticas com os meninos (BRODY, 2000, p. 19); o que salvaguardava sua integridade e boa reputação para um futuro casamento. Afinal, esse era o destino traçado para elas:

O casamento não era visto apenas como um destino natural da mulher, mas como um agente específico de uma metamorfose que transformava a mulher num sér económico e social diferente enquanto parte de um novo agregado familiar, a unidade primária sobre a qual se baseava toda a sociedade. A função do seu marido era proporcionar- lhes abrigo e sustento. Ele pagava os impostos e representava o agregado na comunidade. O papel da mulher era o de companheira e de mãe (HUFTON, 1991, p. 47-48).

Entre os quatorze e quinze anos de idade as mulheres já estavam preparadas, polidas e doutrinadas para servirem ao casamento e a seus novos donos e não à reflexão; já estavam aptas para a reprodução, para parirem a sua prole, não precisando, para tanto, serem indivíduos pensantes, mas graciosos e agradáveis (BLACKSTONE, 1753, p. 342). Estavam prontas, domesticadas para o “comércio social” (RUBIN, 1993, p. 8). Sim, comércio, pois raros eram os casamentos por amor ou afeição até os anos 1790, constituindo-se em transações que teriam de trazer ganhos para toda a família62. Como o princípio da reciprocidade das sociedades

primitivas estudado pelo antropólogo Marcel Mauss, onde o trinômio “dar-receber-retribuir” presentes como mantimentos, peles e bens preciosos, celebrava a paz e acordos entre diferentes tribos. Trocando a palavra “tribos” por “famílias”, adequamos o princípio ao período que nos interessa. A esse conceito, “Lévi-Strauss acrescenta a idéia de que os casamentos são a mais fundamental forma de troca de presentes, na qual as mulheres são os mais preciosos dentre eles” (RUBIN, 1993, p. 9).

62 No século XVIII começaram a aparecer alguns casamentos baseados na compatibilidade de sentimentos e na

atração sexual mútua, nos quais não se levava em consideração os benefícios financeiros ou sociais que adviriam de sua celebração; eram os primeiros passos de uma reconciliação entre amor, sexo e casamento (GRIECO, 1991, p. 116).

Como na concepção patriarcal de sociedade as filhas eram propriedades dos pais, elas eram a moeda de troca da família. Seu habitat, portanto, seria o ambiente privado, enclausuradas ao lado dos maridos escolhidos por seus patriarcas na forma do melhor negócio, e não em meio aos homens a discutirem política, problemas sociais ou revoluções. O convívio entre o grupo de meninas devia visar a troca de conhecimentos sobre pontos de bordado, a última moda em Paris, como serem agradáveis e bajuladoras. Definitivamente, elas não necessitavam pensar, precisavam sim, manter sua integridade e sua doçura.

Toda a educação das mulheres deve ter o homem como ponto de referência. Agradar- lhes, ser-lhes útil, fazer-se amada e honrada por eles, educá-los enquanto pequenos, cuidar deles quando crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida agradável e doce: eis os deveres das mulheres em todos os tempos e o que se lhes deve ensinar desde a infância (ROUSSEAU, 1995, p. 433).

Mary decepcionou-se com a inassiduidade de Jane em responder suas missivas, entendendo que a afeição que despendia não tinha o retorno merecido. Talvez Jane não a considerasse tanto. Talvez lhe respondesse, mas não com a frequência desejada. Talvez Mary tenha lhe dedicado tanto amor e depositado tanta expectativa que acabara por sufocar todo o resto. Para Wollstonecraft foi mais um episódio de rejeição a ser enfrentado. A vida parecia estar-lhe ensinando a não depender do amor de ninguém. A autora era uma pessoa de difícil trato que, infelizmente, herdara a natureza imprevisível do pai (BRODY, 2000, p. 22). Magoava-se facilmente, tinha alternâncias de humor repentinas e era impetuosa (BRODY, 2000, p. 19). Não aceitava ordens sem contestação, era impulsiva e por vezes malcriada, mas sempre, sempre desculpava-se depois de explodir (TOMALIN, 2004, posição 1371).

Wollstonecraft não dedicava tempo à costura, nem ao desenho, e gritou aos quatro ventos que nunca se casaria por dinheiro, queria algo mais nobre e profundo do que a relação de seus pais (TOMALIN, 2004, posição 294). Esses tinham esperança de arranjarem às filhas bons casamentos, caso elas tivessem sorte, fossem doces e bonitas (TOMALIN, 2004, posição 211). Mary não tinha sido afortunada por nenhuma dessas três virtudes. Era dona de olhos grandes, castanhos e ferozes, assim como seu temperamento63. Os lábios pequenos e apertados de cantos pendentes, nariz comprido e rosto alongado tecido por traços tristes e severos, nada atrativos (TOMALIN, 2004, posição 213). O cabelo meio desgrenhado demonstrava seu desinteresse pelo maquinário feminino. Seus pais sabiam que havia algo de peculiar na filha, mas não sabiam o que fazer com isso, nem ela sabia o que fazer consigo mesma. Ela tinha um

63 Seu retrato pintado por John Opie está disponível em:

espírito atormentado e uma única certeza, a de que não realizaria o que tinham planejado para ela (TOMALIN, 2007, posição 309). Ela queria alcançar sua própria independência e autonomia, apenas não sabia como. Ainda.

Na primavera de 1775, quando os Wollstonecraft mudaram-se para Hoxton e as ruas começaram a ficar livres da neve, Mary viu-se sozinha mais uma vez. A cidade ostentava academias fundadas pelos Dissidentes religiosos que foram impedidos de frequentar Oxford e Cambridge por rejeitarem a fé anglicana, assim como clubes, cafés e pubs barulhentos (JACOBS, 2001, p. 25). Nada disso foi atrativo à solitária Mary. Em um primeiro momento, a melancolia tomou conta de sua alma infeliz e a desesperança de seu corpo que passou a definhar.

Deprived and bored, she threw her energies into defying propriety - letting her shint, thick hair bang limp, wearing dull, rough clothes, and refusing all but the most meager portion of food and eating almost no meat. she showed early signs of her lifelong tendency to depression, complaining to her sister about "gloom", violent headaches, and nervous fevers. She was grappling with the great question of adolescence - Who am I? - and had an easier time deciding was she was not - not powerful, not free to

choose, not loved or happy or value at her worth64 (JACOBS, 2001, p. 25-26).

Mary se via impotente, desprezível, sem saber o que fazer ou para onde rumar, sentimentos e questões peculiares do tormento dos grandes espíritos. Mas, um dia, despiu-se da tristeza, vestiu os sapatos e pôs-se a caminhar por entre as vielas da pequena cidade. E uma das poucas bençãos recebidas aconteceu, na porta ao lado da sua, moravam duas pessoas que viriam a ser muito importantes em sua vida: o casal Clare.

With nothing congenial in her family, she looked about for new friends. Neighbours welcomed her, in particular an elderly couple called Clare who had no children of their own; he was a retired clergyman with a taste for poetry, so delicate that he almost never left the house, and mildly proud that his physical deformity was supposed to make him resemble Pope. Mrs Clare was active and hospitable, and they were both

fond of the companionship of girls65 (TOMALIN, 2004, posição 325).

64 “Destituída e entediada, ela dedicou suas energias a desafiar a propriedade – deixando o cabelo grosso dela

balançar solto, usando roupas indiferentes e grosseiras, e recusando tudo, menos a porção mais escassa de comida e comendo praticamente nenhuma refeição. Ela mostrou sinais prévios da sua tendência vitalícia à depressão, reclamando para a sua irmã sobre melancolia, violentas dores de cabeça e febres nervosas. Ela estava lutando com a grande questão da adolescência – Quem sou eu? – e foi mais fácil deduzir quem ela não era – não poderosa, não livre para escolher, não amada, ou feliz, ou considerada por seu devido valor” (tradução nossa).

65 “Com nada agradável em sua família, ela procurou entre seus novos amigos. Vizinhos a acolheram, em particular