• Nenhum resultado encontrado

4.2.1 Corpora e Gravações

Gravamos falantes nativos da língua japonesa pronunciando palavras do português com a sequência: fricativa ou africada seguida de [i]. Na composição do

corpus do experimento, buscamos reduzir a interferência da posição de acento

dentro da palavra com o som a ser estudado. Por esta razão, mantivemos a

estrutura silábica das palavras de nosso corpus, a saber, paroxítonas com o

sons-alvo na sílaba tônica. Também decidimos que a sílaba pós-tônica deveria possuir a estrutura CV e que a consoante nessa posição deveria ser sempre uma oclusiva, com vistas a reduzir efeitos de coarticulação. Essa medida também visa minimizar o efeito das restrições fonotáticas do japonês mencionadas em 3.1 (de que não há encontros consonantais em japonês exceto por consoante + aproximante ou nasal moráica + consoante).

Assim, na medida da disponibilidade do léxico do PB, buscamos quatro palavras para cada fricativa que se adequassem a esses requisitos. Demos

preferência a dissílabos, visando minimizar a possibilidade de as aprendizes encontrarem dificuldades em outras partes da palavra ou de vacilarem durante sua leitura. Mas, como em alguns casos não encontramos palavras que satisfizessem todos os nossos critérios, utilizamos também palavras com mais sílabas, desde que nas sílabas anteriores a estrutura CV fosse mantida. Optamos por não utilizar

logatomas20 para evitar a impossibilidade de, mais tarde, saber se o informante

pronunciou determinado token tentando ou não adaptá-lo à estrutura fônica do PB.

Assim, nosso corpus final se compôs como vemos no quadro 4.2:

QUADRO 4.2 – CORPUS DO PB

[p][p][p][p] [b][b] [b][b] [t][t][t][t] [d][d][d][d] [k][k][k][k] [g][g][g][g] [si]

[si] [si]

[si] -- Recibo Cito Cida -- Sigo

[zi] [zi] [zi]

[zi] -- Exibe Quesito Cozido Zica -- [[[[ʃʃʃʃi]i]i]i] Chipe -- -- Mexida Chico Bexiga [[[[ʒʒʒʒi]i]i]i] Jipe Giba Agito -- -- Giga [[[[ʧʧʧʧi]i]i] i] Tipo Curitiba -- Batida Tique -- [[[[ʤʤʤi]ʤi]i] i] -- -- Dito Medida Dica Digo

Optamos também por, antes da coleta propriamente dita, ler rapidamente

todas as palavras do corpus para as informantes, pronunciando-as quantas vezes

fosse pedido (mínimo uma) e explicando o significado de palavras que porventura não conhecessem (por exemplo, os apelidos “Cida”, “Chico” e “Giba”, estrangeirismos como “giga” e “chipe” e coloquialismos como “zica”). Esta última precaução teve como objetivo evitar que tais palavras fossem tratadas como logatomas pelas informantes.

As palavras foram inseridas na sentença-veículo “digo ... para ele”, minimizando influências de função sintática ou prosódica sobre sua pronúncia. Elas foram escritas em cartões e mostradas às informantes que então as liam. Depois de todas lidas, os cartões eram embaralhados e uma nova repetição realizada, em um total de cinco repetições. Assim, tivemos 24 palavras x 5 repetições, num total de

120 tokens por informante. As gravações foram realizadas em sala com tratamento

20 Logatomas são sequências fonologicamente possíveis para determinada língua, mas que não se constituem como itens lexicais da mesma (por exemplo, “xiba” ou “jico” no PB).

acústico, no Laboratório de Estudos Fônicos (LEFON) da UFPR, com taxa de amostragem do sinal a 44100 Hz.

Demos preferência à leitura sobre tarefas de repetição por não querermos inserir a variável da percepção em nosso experimento: não haveria como nos certificar se, ao pedir para a palavra “Cida” ser repetida, por exemplo, o informante tentaria produzir de fato a palavra “Cida”, ou uma variante percebida de forma diferente, como “Chida” ou alguma outra coisa ainda. Naturalmente, a leitura de palavras envolve, por sua vez, o viés do conhecimento da ortografia do PB. Julgamos, no entanto, que as influências dessas variáveis seriam mais facilmente

identificáveis e que o longo período de estudo de todas as informantes21 minimizaria

estes fatores.

Nosso experimento também envolveu a gravação de falantes do PB lendo o

mesmo corpus descrito acima, e de falantes do japonês lendo um corpus de

palavras do próprio japonês, cujas palavras eram inseridas na sentença-veículo 「私

は … と 言 い ま し た 」“watashi wa ... to iimashita” (“eu disse ...”). Neste corpus, atentamos para evitar o fenômeno do desvozeamento vocálico, mencionado na seção 3.2. Para isso, não incluímos palavras que contivessem a sequência fricativa ou africada surda + [i] + oclusiva (ou africada) surda. Também demos preferência para palavras menores (dissílabas), com a sequência-alvo no início da palavra. Mas,

assim como no corpus do PB, nem sempre encontramos palavras que atendessem a

todas as restrições do experimento, de forma que algumas palavras são

significativamente maiores. O quadro 4.3 traz o corpus do japonês, sendo que no

Apêndice 1 há uma versão mais completa do mesmo, contendo também significado das palavras e sua grafia em japonês.

QUADRO 4.3 – CORPUS DO JAPONÊS

[[[[ɕɕɕɕi]i]i]i] [ɕigo] [ɕiga] [ɕiba] [ɕibɯi] [c

[c [c

[cɕɕɕɕi]i]i]i] [tocɕhigi] [cɕiba] [tacɕiba] [macɕigai] [[[[ɟʑɟʑɟʑi]ɟʑi]i]i] [kaɟʑi] [ɟʑibakɯ] [ɟʑigo] [ɟʑidai]

21 Como citaremos na sequência, as três informantes possuíam 600,180 e 925 horas de estudo de PB no momento do experimento, além de um tempo de moradia no Brasil de 4, 11 e 7 meses, respectivamente.

4.2.2 Informantes

No total, gravamos e analisamos dados de sete informantes adultas do sexo feminino. Três delas, designadas por A1, A2 e A3 (“A” para “aprendiz”), eram

japonesas aprendizes de PB e leram um corpus de palavras do PB que continha as

sequências-alvo. Chamaremos este grupo de “grupo A”. Uma vez que há pouca literatura disponível a respeito da análise acústica de fricativas coronais tanto no PB quanto no japonês, decidimos gravar também dois grupos controle, um formado por

duas brasileiras, designadas por B1 e B2, lendo o mesmo corpus das aprendizes, e

outro formado por duas japonesas (diferentes daquelas do primeiro grupo) lendo um

corpus de palavras do japonês, designadas por J1 e J2. Estes grupos serão

chamados de “grupo BR” e “grupo JP”, respectivamente. As informações sobre todos os sujeitos estão esquematizados nos quadros 4.4 e 4.5, a seguir:

QUADRO 4.4 – DADOS SOBRE AS INFORMANTES JAPONESAS APRENDIZES DE PB A1

A1 A1

A1 A2A2 A2A2 AAAA3333

Idade 26 39 24

Naturalidade Hyoogo Okayama Niigata Tempo de estadia no

Brasil no momento da coleta

7 meses 11 meses 4 meses Tempo aproximado de

estudo do PB 925 horas 180 horas 600 horas Conhecimento de

outras línguas estrangeiras

Inglês intermediário Inglês intermediário Inglês intermediário, italiano intermediário Nível declarado de PB Intermediário Básico Avançado

QUADRO 4.5 – DADOS SOBRE AS INFORMANTES DOS GRUPOS CONTROLE B1B1B1B1 B2B2B2B2 J1J1J1J1 J2J2J2J2

Idade 24 24 20 55

Naturalidade Curitiba Curitiba Tóquio Tokushima Tempo de estadia no

Brasil no momento da coleta

-- -- Dois meses Cinco anos (não sequenciais, divididos em vários períodos menores de tempo) Tempo aproximado de

estudo do PB -- -- 80 horas 700 horas Conhecimento de outras línguas estrangeiras Inglês avançado Inglês intermediário

Inglês básico Inglês básico

Não encontramos na literatura nenhuma referência a variações dialetais ou regionalismos associados às províncias onde cada informante japonesa nasceu e a produção de fricativas ou africadas (AKAMATSU, 1997).

Documentos relacionados