• Nenhum resultado encontrado

Para o estudo do conhecimento local sobre o peixe-boi foram realizadas entrevistas com ribeirinhos da região do Baixo rio Javari, Amazonas, residentes no município de Atalaia do Norte, ou em comunidades e casas isoladas ao longo de trechos dos rios Javari, Itacoaí e Quixito (Figura 1).

9 Município pertencente à Mesorregião do Sudoeste Amazonense e Microrregião do Alto Solimões,

15 Figura 1: Representação da área de estudo, mostrando trechos dos rios Javari, Itacoaí e Quixito e as comunidades e casas isoladas próximas ao município de Atalaia do Norte, pertencente à Mesorregião do Sudoeste Amazonense e Microrregião do Alto Solimões.

A seleção da população local para as entrevistas foi inicialmente dirigida, voltada a atender os objetivos diretos desta pesquisa (Orozco, 2001). Buscou-se contatar e entrevistar homens e/ou mulheres reconhecidamente conhecedores da espécie por terem experiência com a caça de peixe-boi, ainda que pretérita, ou por alguma relação direta com exemplares da espécie. A seleção destes entrevistados se deu pelo método Snowball (Bailey, 1996), que consiste no recrutamento de novos interlocutores pela indicação feita pelos primeiros indivíduos contatados, configurando uma rede de potenciais conhecedores da espécie (Patton, 1990). Dois fatores que influenciaram positivamente nas atividades iniciais da pesquisa, quando foram apresentados os objetivos e atividades da investigação e solicitado

16 o consentimento e participação às populações humanas assentadas dentro da área de estudo, foram o tempo de moradia do pesquisador na região, e o acompanhamento por uma liderança comunitária residente em Atalaia do Norte (Figura 2).

Figura 2: Almério Alves Wadick (Kel), liderança comunitária que acompanhou as atividades iniciais do estudo. Comunidade Palmari (maio/2013). Foto: Arquivo pessoal TMAP.

As entrevistas constaram de diálogos semiestruturados usados na análise qualitativa do status de conservação de uma população natural (Orozco, 2001), partindo para aprofundamentos (in-depth interview), nos momentos em que as informações apresentassem maior interesse para o foco do estudo. As ocasiões em que surgiram conversações adjacentes, porém dentro do tema, permitiram a inserção de perguntas de formulação livre, permitindo flexibilidade na troca de conhecimentos, adequando-se, portanto, às necessidades do entrevistador (Holguín-Medina, 2002; Rodrigues, 2009), mas sempre evitando induzir ou limitar as respostas dos entrevistados. O direcionamento do contato com os interlocutores consistiu numa abordagem que priorizou a sensibilidade para ouvir, o respeito pelos interlocutores, o interesse pelo que o participante tem a oferecer, e um esforço para observar o interlocutor de forma imparcial e desprovida de preconceitos (Furtado & Furtado, 2000).

17 Uma precaução que foi tomada para evitar a indução das respostas consistiu em iniciar os diálogos solicitando ao entrevistado comentar um pouco sobre o que conhecia e pensava sobre o animal. Além disso, as questões das entrevistas foram ordenadas de forma a iniciar com as questões mais gerais sobre a morfologia e hábitos da espécie. Esta medida permitiu ao interlocutor sentir-se mais à vontade e confiante em expressar seu conhecimento e suas opiniões. As entrevistas foram de caráter individual, para evitar a influência das respostas de um entrevistado em relação a outro.

Seguindo estas premissas, foram realizadas 50 entrevistas. A definição do tamanho da amostra levou em conta a quantidade de comunidades e/ou casas isoladas presentes ao longo da área de estudo. Existem três comunidades ao longo do rio Javari, totalizando aproximadamente 50 indivíduos (contabilizando somente adultos). No trecho do rio Itacoaí que segue para o rio Quixito existe uma comunidade e no próprio rio Quixito há cinco casas isoladas, reunindo aproximadamente 19 indivíduos (contabilizando somente adultos). Foram também considerados importantes, e incluídos como interlocutores, pescadores cadastrados na Colônia de Pescadores de Atalaia do Norte (em torno de 251 membros)10. Portanto, de um grupo de 320 pessoas, a amostra de 50

entrevistados representou 15,6% do universo pesquisado.

As entrevistas foram registradas em formatos pré-elaborados11 (APÊNDICE

1), abrangendo os dados gerais de identificação da entrevista (data, local, código) e do entrevistado (idade, local de nascimento, local e tempo de moradia na área, principal atividade econômica exercida e tipo de contato que a pessoa teve com o peixe-boi), e os temas (i) morfologia (coloração, formato de corpo, manchas ventrais, pesos mínimo e máximo, tamanho mínimo e máximo, olho, focinho,

10 Não foram contabilizados os pescadores cadastrados na Colônia de pescadores, mas residentes

em comunidades além da área de estudo.

11 Adaptados de Orozco, 2001; Castelblanco-Martínez, 2004; Aguilar, 2007; Calvimontes-Ugarte,

18 couro, pelos, nadadeiras, cauda, unhas, mamas, ouvido e dimorfismo sexual), (ii) metabolismo e idade (taxa metabólica e idade máxima), (iii), respiração (duração do mergulho, duração da respiração, modo de respiração), (iv) alimentação e migração (de que se alimenta, em que horário se alimenta, variações sazonais da alimentação, para onde se deslocam em função da disponibilidade alimentar nas diferentes estações, itens alimentares utilizados), (v) reprodução (maturidade sexual, comportamento reprodutivo, duração da gestação, número de crias, intervalo entre partos e taxa reprodutiva), (vi) interações intraespecíficas (organização social e formação de grupos, tamanho dos grupos ou associações, comportamento de grupo, comunicação, relação mãe-filhote e estabilidade da relação).

No quesito alimentação, houve uma variação do método padrão de obtenção das respostas, e a informação sobre o conhecimento acerca dos itens alimentares foi levantada por meio de entrevista semiestruturada do tipo projetiva (Silva et al., 2010, Souto, 2010). Este tipo de abordagem consiste na apresentação de recursos visuais (como cartões, fotos, filmes, etc) ao entrevistado, que aponta as imagens correspondentes às suas respostas (Minayo, 1993). Em nosso estudo, o material com as pranchas de fotos das plantas usadas como alimento pelo peixe-boi da Amazônia foi adaptado de livro contendo imagens dessas plantas, segundo estudo desenvolvido em outra área da Amazônia, mas em ambientes similares (Guterres et al., 2008) (Figura 3).

19 Figura 3: Entrevista semiestruturada projetiva com base em material contendo imagens de plantas consumidas pelo peixe-boi da Amazônia.

Além disso, outras espécies vegetais citadas (mesmo sem estarem contidas no material apresentado), e ainda eventuais diferenças na terminologia utilizada para designá-las, foram incorporadas aos dados coletados como fonte eventual de novas informações, e como forma adicional de valorização de conhecimento local.