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3. CAPÍTULO III: MARXISMO E CULTURA

3.1. Materialismo Cultural

O materialismo histórico-dialético proposto por Karl Marx parte da concepção de que os fenômenos sociais estão diretamente ligados à produção material e, consequentemente, submetido aos processos históricos. O materialismo entende que a história é dialética e está em constante transformação, portanto não pode ser admitida uma forma estática ou definitiva. Na verdade, a perspectiva é abandonar uma concepção idealista do homem e da sociedade.

Essa concepção marxista permite a constatação da problemática que envolve a sociedade e sua organização capitalista, na qual a massa de trabalhadores é constantemente explorada pela burguesia que detém a posse dos meios de produção material. Neste processo, os trabalhadores, que não possuem nada além da força de trabalho, precisam vendê-la para conseguir recursos materiais básicos para sobrevivência. Dessa situação decorre o fato de que os próprios trabalhadores, que produzem os diversos objetos e serviços essenciais em nossa sociedade, não podem usufruir deles.

A partir daí o materialismo cultural faz uma adição à obra de Marx de forma que se possa compreender melhor o fenômeno cultural, com toda a sua complexidade. Para isso, a obra de Raymond Willians é fundamental, pois permite a reflexão sobre os aspectos culturais dentro da dinâmica social, conectado com os desejos, concepções e conflitos inerentes à sociedade. Cevasco (2008) explica que

O impulso de sua obra era dar um passo além dessa tradição – estabelecendo os instrumentos teóricos (o materialismo cultural) e conceituais para pensar além dela -

que transformava a cultura em algo abstrato e absoluto, desconectado do chão social onde se realiza. No mesmo movimento, reelaborou uma teoria marxista de cultura, levando as últimas consequências o legado de Marx de pensar a cultura como uma atividade material da sociedade. Além disso, vai se posicionar contra os limites do “estruturalismo crítico” de inspiração althusseriana, considerando então a forma dominante de crítica literária marxista (CEVASCO, 2008, p. 109). (grifos do autor)

Poderia supor que um curso superior de música, que muitas vezes parece estar distante dos problemas da sociedade, estaria localizado em espaço abstrato desligado da produção cultural da sociedade, imerso na produção erudita. Ao contrário, para nós é fundamental a compreensão de que a produção cultural no curso de música da Unimontes não está desligada desse “chão social” onde se localiza, recebendo influência das diversas produções locais, e se construindo e reconstruindo de acordo com os acadêmicos e com os professores que frequentam este espaço. Isso já se percebe na apresentação dos entrevistados, por meio dos quais percebemos várias concepções sobre a produção musical, bem como o papel das vivências anteriores na compreensão daquilo que é apresentado pela universidade. Ademais, os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas naquela instituição de formação não têm destino pré-determinado por ela, os graduados poderão atuar nos espaços sociais e culturais que lhe agradem ou que tiverem oportunidade.

Dessa forma, compreendemos que as construções culturais se estabelecem num movimento dinâmico e contínuo da economia, da política e dos grupos sociais. É preciso, portanto, localizar a questão da arte no materialismo histórico e compreendê-la sob a perspectiva de produção de sentido que se utiliza dos meios de produção material no processo comunicativo. Assim, o que os Estudos Culturais propõem é contrapor-se à concepção de cultura como algo idealista, alheio a dinâmica social. Melhor dizendo,

[...] a produção artística é ela mesma material, não só no sentido de que produz objetos e notações, mas também no sentido de que trabalha com meios materiais de produção. A questão central é levar às últimas consequências a contribuição do materialismo histórico, acabando de vez com descrições idealistas e logrando ver as artes como práticas reais, elementos de um processo social totalmente material, e não como “um reino separado das artes e das ideias, da ideologia, da estética ou da superestrutura, mas de muitas práticas produtivas e variáveis, com intenções específicas e condições determinadas” (CEVASCO, 2008, p.67). (grifos do autor)

Nessa direção, os Estudos Culturais chamam a atenção para a questão da ideologia que os meios de comunicação estariam a propagar na fabricação de seus produtos culturais. Escosteguy (2010) afirma que se deve pensar a partir de duas questões primordiais, “[...] entender a cultura em relação à estrutura social e sua contingência histórica; assumir que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida desigualmente e que a cultura é um dos principais níveis em que esta divisão é estabelecida e, também contestada” (ESCOSTEGUY,

2010, p. 66), ou seja, a cultura se comunica por meio das suas diversas linguagens, aspectos das relações sociais e de classe, as divisões sexuais, raciais que foram construídas historicamente. E também, a cultura é um fator de desigualdade que aparece de acordo com a classe social.

Nesse sentido, observa-se que no curso de música da Unimontes há uma variedade de formações culturais e que elas não se referem necessariamente a uma decisão própria de cada acadêmico ou professor, mas são oferecidas, ou limitadas pelas condições materiais e sociais de cada indivíduo. Assim, a cultura participa dos processos materiais da sociedade e, portanto, está submetida a condições semelhantes de desigualdade. Nesse sentido, alguns possuem acesso à cultura por meio das instituições de ensino especializadas, outros tiveram acesso à cultura com os familiares, outros ainda procuraram por outros meios.

No entanto, é preciso destacar que a crítica dos Estudos Culturais em relação ao marxismo está relacionada a certo reducionismo e economicismo que levam a uma contestação do modelo base-superestrutura. Destarte, “Os Estudos Culturais atribuem à cultura um papel que não é totalmente explicado pelas determinações da esfera econômica” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 66). Neste sentido, a cultura age com uma “autonomia relativa” que permite compreender que ela não é dependente das relações econômicas, nem reflexo, mas tem influência e sofre consequências das relações político-econômicas. Cevasco (2008) explica a proposta de Raymond Williams e apresenta uma concepção de que as artes participam ativamente na vida social.

A metáfora da base/superestrutura tem o inconveniente de favorecer um pensamento que postula a arte em domínio separado e impedir a percepção de seu caráter concreto. Para Williams é necessário complementar o legado de Marx. Não há dúvida de que a arte na sociedade está sujeita a determinações econômicas (as relações interpessoais são determinadas pelo estágio de desenvolvimento das forças materiais produtivas) e sociais (a das relações de classe, por exemplo, em que os significados e valores de uma classe dominante tendem a ser os formalizados pelas artes). Mas as artes e as práticas culturais em geral não apenas refletem essa situação determinante: elas também produzem significados e valores que entram ativamente na vida social, moldando seus rumos. Nesse aspecto, são forças produtivas que operam, como, por exemplo, as da indústria, segundo as pressões e os limites exercidos pelo modo de produção dominante (CEVASCO, 2008, 112-113).

Nesse segmento, a cultura como força produtiva atual de maneira fundamental nas sociedades não é um domínio separado que paira sobre as comunidades como uma instância independente, como quer os idealistas, pois “Ao pensar a cultura como força produtiva, o materialismo cultural coloca-a no mundo real, como uma consciência tão prática quanto a linguagem em que é veiculada e interpretada” (CEVASCO, 2008, p. 114). Pensar dessa maneira parece estar mais adequado ao modo que a sociedade hoje trata os produtos culturais, através dos seus meios de produção e de reprodução. Assim, “o objetivo do materialismo

cultural é definir a unidade qualitativa do processo sócio-histórico contemporâneo e especificar como o político e o econômico podem e devem ser vistos neste processo” (CEVASCO, 2008, p. 114).

Envolve, portanto, uma mudança de pensamento na concepção de cultura e da adoção de uma visão “de cultura como um modo de vida justamente para demonstrar que se trata de algo comum a toda a sociedade, que inclui além das grandes obras [...] os significados e valores que organizam a vida” (CEVASCO, 2008, p.110). Ao mesmo tempo, compreende uma tomada de posição em relação à cultura, assumindo que não são os produtos da alta cultura que devem ser disseminados à classe popular, mas que é preciso viabilizar o acesso a qualquer produção da cultura a todos os sujeitos e promover assim uma discussão em termos igualitários. E esta discussão faz todo o sentido numa época em que a expansão dos meios de comunicação poderia possibilitar a inversão do fluxo normal de produção cultural15. Assim, o materialismo

cultural concebe, a cultura como forma de luta para construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Ademais, a cultura é um elemento fundamental para a sociedade e, portanto, também um campo de luta para modificar o modelo de organização capitalista, ou seja, “a questão é pensar uma teoria materialista da cultura que leve em conta seu papel social e contribua para a construção de uma alternativa de sociedade mais justa igualitária” (CEVASCO, 2008, p. 111). E essa igualdade não se refere apenas ao acesso às condições básicas de sobrevivência como moradia e alimentação, mas também oferecer um “letramento cultural”, abrindo a possibilidade para que todos tenham a possibilidade de conviver com qualquer produto artístico e poder usar seus signos para se expressar. (CEVASCO, 2008)

Portanto, a realidade humana está sim submetida às relações de produção material que geram as desigualdades e a divisão da sociedade em classes. No entanto, há aí um elemento que pode escapar da dinâmica pré-estabelecida: o sujeito, que participa de grupos sociais e que pode questionar essas estruturas vigentes, e construir posicionamentos e ações críticas, tanto no que se refere à questão econômica e social, quanto em relação à cultura. Quanto a isso, Williams (2011) explica que “[...] nenhum modo de produção e, portanto, nenhuma sociedade dominante ou ordem da sociedade e, destarte nenhuma cultura dominante pode esgotar toda a gama da prática humana, da energia humana e da intenção humana” (WILLIAMS, 2011, p.59).

15 Este fluxo normal envolve “[...] um número pequeno de produtores controlando e impingindo sua versão de

Desse modo, ao abordar o ambiente cultural da Unimontes, sobretudo os entrevistados, buscaremos enxergar a cultura nesta perspectiva de produção de sentido em meio a organização social baseada no capitalismo. Nesse enfoque, o papel da cultura é fundamental, pois embora sofra influência constante da esfera econômica, estabelece-se como espaço de sentidos diversos que são disputados ou negociados dependendo do contexto.