• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO BRASIL: O LUGAR

2.3. O MCMV na área da habitação

Antes mesmo do SNHIS se consolidar como sistema e como arranjo institucional da área de habitação, o governo federal lançou dois programas que modificaram o cenário da política habitacional, consolidando uma lógica de atuação “fora” da institucionalidade do sistema (ROLNIK et al., 2014). O lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, e do PMCMV, em 2009, simbolizam o desenvolvimento de duas políticas que, embora fossem essenciais para a área habitacional, se configuraram fora das regras do SNHIS.

O PAC englobou alguns programas e investimentos importantes para a área de habitação e saneamento, denominados PAC Urbano. Especificamente na área habitacional, uma das ações mais importantes do PAC se refere às estratégias de urbanização de favelas (PAC Favelas). O arranjo institucional desenhado garantiu que o volume de recursos alocados no PAC Urbano e no PAC Favelas não precisasse passar pelo FNHIS. Como bem analisa Klintowitz (2015), isto causou “o deslocamento definitivo na centralidade do FNHIS como funding destinado aos recursos orçamentários da política habitacional” (p. 214). Neste sentido, o que a autora mostra é que, além dos recursos do PAC não passarem pela aprovação do Conselho Gestor do FNHIS, uma parte dos próprios recursos do FNHIS começou a ser destinada às obras do PAC, novamente sem precisar da aprovação do Conselho Gestor do Fundo. Assim, o Conselho Gestor perdeu grande parte da autonomia para decidir sobre a alocação dos recursos da política habitacional (KLINTOWITZ, 2015).

Em termos da relação do PAC com o SNHIS, é relevante notar que a destinação dos recursos do primeiro para estados e municípios não observava as regras de adesão dos entes subnacionais ao sistema instituído. Isto é, não eram privilegiados os municípios ou estados que tivessem cumprido todas as condições exigidas para adesão ao SNHIS, gerando um desestímulo, em nível subnacional, a obedecer às contrapartidas exigidas para adesão ao sistema.

Em 2009, o lançamento do PMCMV, seguindo a mesma lógica do PAC, coroou o esvaziamento do SNHIS e a coexistência de duas lógicas de atuação muito diversas na área habitacional. Formulado sem a participação dos atores ligados à reforma urbana ou dos entes subnacionais e concebido no núcleo estratégico do governo federal, o MCMV confirmou a tendência a que a maior parte do investimento em habitação passasse “por fora” do SNHIS, tornando o sistema uma estrutura vazia (KLINTOWITZ, 2015).

Assim, é bastante disseminada na literatura de habitação (ROLNIK et al., 2014; KLINTOWITZ, 2015; KRAUSE et. al., 2013; etc.) a ideia de que o PAC e o MCMV assumiram a maior parte da provisão habitacional no Brasil e o fizeram operando fora do marco institucional estabelecido com a criação do SNHIS e do FNHIS. Em relação a este último, a resolução n. 27/2009 de seu Conselho Gestor subordinou os recursos do fundo ao PAC e ao MCMV. De forma totalmente explícita, a resolução afirma a necessidade de ajustar os critérios de execução dos programas do FNHIS às diretrizes do PMCMV e a necessidade de viabilizar a complementação de recursos para projetos inseridos no PAC (BRASIL, 2009). Na mesma direção, o relatório de gestão do FNHIS no ano de 2009 mostra que cerca de 40% de seus recursos foram utilizados para complementação de obras do PAC (KRAUSE et. al., 2013), o que ilustra o esvaziamento de projetos associados ao SNHIS e a priorização de uma política pública elaborada fora da lógica federativa do sistema.

Esse histórico recente demonstra que o SNHIS ainda não estava consolidado quando o governo federal lançou e priorizou o PAC e o MCMV. Em suma, entende-se que, ainda que a lei que criou o SNHIS tenha continuado em vigor após o lançamento do MCMV, ocorreu uma sobreposição de arranjos, com a priorização do PAC e do MCMV. A sobreposição alterou o direcionamento dos recursos e o foco das ações e dos critérios utilizados para a transferência dos recursos.

Cabe lembrar que o objetivo de analisar o lugar ocupado pelo MCMV no contexto federativo brasileiro e em relação à trajetória da área habitacional é compreender o quadro institucional no qual se desenvolvem as interações estabelecidas entre as burocracias intergovernamentais. Assim, é oportuno compreender melhor as normativas do MCMV em relação ao desenho

federativo do programa. Os detalhes sobre as modalidades, faixas e demais regras do programa podem ser acessados na ampla literatura existente15.

Os normativos do PMCMV definem que a participação dos estados, Distrito Federal e municípios será realizada por meio da assinatura de um Termo de Adesão. Este contém as cláusulas para estabelecimento de uma parceria com o objetivo da execução do PMCMV. No que se refere às atribuições, compete à União oferecer os meios para viabilizar o termo de adesão e acompanhar, avaliar e divulgar os resultados. Enquanto que para os estados, destaca- se a criação de Zonais Especiais de Interesse Social, a garantia da celeridade nos processos, a execução do trabalho social, o cadastro habitacional e a seleção dos beneficiários, entre outros. Sobre o tema especifico da dissertação, cabe mencionar que o Termo prevê a possibilidade de os estados estenderem sua participação no PMCMV, aportando financeiramente ou fornecendo bens, serviços ou obras.

Em relação ao SNHIS, similar ao ocorrido com o PAC, o PMCMV não favoreceu os entes subnacionais que tivessem aderido ao sistema e realizado as contrapartidas solicitadas, mas privilegiou condições pontuais (como a doação de terrenos), gerando incentivos contraditórios nos estados e municípios e deslegitimando o SNHIS. Deste modo, se Grin (2016) mostra como os sistemas de políticas públicas podem ser arranjos que auxiliam no desenvolvimento de capacidades estatais para estados e municípios, novamente o MCMV se configura como uma política externa a essa visão.

Deste modo, o PMCMV nasce como uma política pública formulada e implementada fora da lógica do arranjo sistêmico da área habitacional. Isto significou não só que o próprio arranjo da área perdeu força, mas também uma despriorização da lógica federativa como um todo. Cabe notar que nem a lei e nem o decreto de desenho do PMCMV previram espaços institucionais para canalizar as relações com os entes federativos, deixando aberto o leque de possibilidades para relacionamento entre os entes. Desta forma, se a existência de sistemas de políticas públicas coloca regras mais estáveis de funcionamento entre os entes e, por isso, melhora as condições políticas e institucionais para induzir a cooperação intergovernamental (GRIN, 2016), no caso do PMCMV nota-se uma ausência desta preocupação. Esta ausência de instâncias de pactuação consolidadas permitiu que as relações entre os entes federativos fossem ad hoc, dependendo do caso a caso.

CAPÍTULO 3 – A PARCERIA CASA PAULISTA/MINHA CASA MINHA VIDA: UM