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1.2. As proteínas de choque térmico Mdj1 e Lon

1.2.2. Mdj1 e a família DnaJ das Hsp

DnaJ é a denominação dada a um grupo de proteínas de estrutura modular que compartilham similaridades entre 35 e 59 % (revisão em Cry, 1997). Atualmente chamadas de proteínas com domínio J (“J-domain proteins”), estão localizadas em vários compartimentos celulares, onde seu papel primário é regular a atividade da Hsp70 cognata (revisão em Walsh et al., 2004). Foi demonstrado que a DnaJ de Escherichia coli é uma proteína de choque térmico (Lidquist e Craig, 1988), cuja síntese encontra-se dez vezes aumentada após indução a 43 ºC (Bardwell et al.,1986). Além disso, a DnaJ de bactéria apresenta atividade de tiol-dissulfito oxidoredutase (Crouy-Chanel et al., 1995; Tang et al., 2001).

Tipicamente, a molécula DnaJ de E. coli possui um segmento de 70 aminoácidos próximos ao N-terminal chamado de domínio J, seguido de um segmento rico em glicina e fenilalanina (G/F). Ocupando localização mais central, estão quatro repetições do domínio CxxCxGxG, ligante de Zn++, seguido de uma região C-terminal menos conservada. O domínio J e o segmento G/F são suficientes para interação e estimulação da atividade de ATPase das DnaK (Hsp70). A DnaJ também é capaz de se ligar a substratos não dobrados ou agregados, o que a qualifica como uma “chaperone” propriamente dita. Esta interação requer o domínio ligante de zinco e a região C-terminal da molécula (Szabo et al., 1996). O domínio ligante de zinco também funciona como sítio ativo para a atividade redutase de DnaJ em bactérias (Tang et al., 2001). Recentemente foi demonstrado que o domínio C-terminal está diretamente envolvido na dimerização de DnaJ, a qual é necessária para exercer a atividade de chaperone autônoma (Shi et al., 2005).

O domínio J é a região que caracteriza a família. Sua estrutura secundária é formada por 4 α-hélices, sendo que a região da segunda é formada por vários resíduos básicos. Entre a hélice II e III é encontrado um tripeptídeo HPD (histidina-prolina-ácido aspártico) essencial para interação da proteína com Hsp70. Além disso, nas hélices II e III existem resíduos hidrofóbicos em posições conservados da molécula (revisão em Walsh et al., 2004). O motivo HPD está presente em todos os domínios J conhecidos.

A ligação da DnaJ estimula a atividade ATPase da DnaK, que passa a apresentar um ADP no sítio, o qual leva à mudança conformacional da proteína. Nessa forma, a DnaK consegue reter a proteína alvo no seu sítio ligante de pepídeo. A DnaJ abandona o complexo DnaK-proteína alvo e a GrpE (fator de troca de nucleotídeo) estimula a dissociação do ADP do domínio de ATPase, permitindo a substituição por ATP e o retorno ao estado inicial. Este processo pode levar ao reinício do ciclo ou pode ocorrer a associação da proteína alvo com

outro sistema de “chaperones” como, por exemplo, o sistema GroEL/ES. Um ciclo similar ocorre com Hsp70 de eucariotos na presença de Hsp40 e do fator de troca de nucleotídeo. Aparentemente o homólogo de GrpE não está presente no citosol de eucariotos, embora tenha sido detectado na mitocôndria (Hennessy et al., 2005). As chaperones da família Hsp70/DnaK estão envolvidas em inúmeros processos celulares, entre os quais dobramento de proteínas recém-sintetizadas, passagem através da membrana, formação de complexos oligoméricos e facilitação da degradação de proteínas instáveis ou desnaturadas.

Com base na constituição da DnaJ de E. coli e de sua homóloga em humanos Hdj1, a família das Hsp40 foi dividida em três categorias, nas quais o tipo I contém todos os domínios conservados da DnaJ de E. coli, o tipo II não contém a região ligadora de zinco e o tipo III apresenta apenas um domínio J que pode estar localizado em qualquer parte do polipeptídeo (Fliss et al., 1999). Aparentemente as proteínas do tipo I são aquelas responsáveis pelo dobramento de proteínas (Terada et al., 1997; Lu & Cyr, 1998).

Atualmente são conhecidas vinte e duas ORFs no genoma de S. cereviseae que codificam proteínas com domínio J conservado, entre as quais 5 pertencem ao tipo I (Ydj1, Apj1, Xdj1, Mdj1 e Scj1), 4 ao tipo II (Sis1, Djp1, Caj1 e Hlj1) e a grande maioria ao tipo III (Zuo1, Swa2, Jjj1, Jjj2, Jjj3, Cwc23, Mdj2, Pam18, Jac1, Jid1, Jem1, Sec63 e Erj5). Apenas 5 delas apresentam localização mitocondrial, a saber: Mdj1, Mdj2, Pam18, Jid1 e Jac1. A Mdj2 e a Pam18 auxiliam a translocação de proteínas para a matriz mitocondrial, Jac1 está envolvida na biosíntese de “clusters” de Fe/S enquanto que a função de Jid1 ainda não está clara (Walsh, et al., 2004; Voos et al., 2002).

Em levedura, a Mdj1 é a única DnaJ mitocondrial do tipo I e é essencial na biogênese da mitocôndria funcional (Rowley et al., 1994). A proteína é composta de 511 aminoácidos e apresenta uma massa molecular de 49 kDa na sua forma madura. Mutantes mdj1, apesar de não serem letais a 30 ºC mostraram-se inviáveis a 37 ºC. Estes mutantes somente cresceram em meio contendo fonte de carbono não fermentável (glicerol) a 24 ºC, apresentando um fenótipo frágil com defeito no processo de respiração celular. A proteína Mdj1 não está envolvida no processo de importe mitocondrial, mas sim com o dobramento correto de proteínas mal formadas evitando a formação de agregados proteicos na matriz mitocondrial (Westermann et al., 1997; Prip-Buus et al., 1996). Além do seu papel na biogênese das proteínas mitocondriais, Mdj1 também participa da manutenção da integridade do DNA mitocondrial (mtDNA). Os mutantes mdj1 apresentaram diminuição na atividade da DNA polimerase mitocondrial em condições de temperatura mais elevada, resultando em perda rápida do mtDNA. Aparentemente a DNA polimerase mitocondrial seria um alvo de Mdj1

nestas condições (Duchniewicz et al., 1999). O domínio J e o segmento G/F são suficientes para interação e estímulo da atividade de ATPase da Hsp70 e para a manutenção da integridade do DNA mitocondrial (Lisse & Schwarz, 2000). A função da região C-terminal de Mdj1 não é totalmente conhecida.

Em levedura, o sistema da Ssc1 (mtHsp70)/Mdj1 (mtHsp40) está envolvido na manutenção da configuração correta das proteínas mitocondriais, mas também tem a função de manter sua solubilidade em estado desnaturado para degradação pela proteinase Lon e outras proteinases ATP-dependentes induzíveis pelo choque térmico (Wagner et al., 1994; Savel’ev et al., 1998).

A importância da DnaJ mitocondrial foi explorada também em organismos superiores. Em Drosophila melanogaster foi identificado um gene supressor de tumor que codifica uma DnaJ da matriz mitocondrial do tipo I de 56 kDa, denominada Tid56, para a qual os mutantes exibiram um fenótipo letal (Kurzik-Dumke et al., 1995). O homólogo humano é o hTid-1, cujo gene sofre processamento diferencial possivelmente por “splicing” alternativo que leva à formação de duas proteínas, uma com 43 kDa e outra com 40 kDa (respectivamente hTid-1L e

hTid-1S), ambas capazes de interagir com Ssc1 (Syken et al., 1999). A expressão de cada uma

das duas variantes provocou efeitos opostos na habilidade da célula responder a um estímulo apoptótico exógeno: enquanto a expressão de hTid-1L aumentou a apoptose desencadeada

por TNFα e por mitomicina c, hTid-1s foi capaz de suprimi-la. Ambos os efeitos foram

revertidos por mutação nos respectivos domínios J. Desta forma, o produto do gene TID1

modularia o sinal transducional de apoptose (Syken et al., 1999).

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