• Nenhum resultado encontrado

Existem muitas pesquisas focando os mecanismos de atuação do etanol e de outras drogas de abuso. Quanto aos estudos sobre as ações do etanol, ainda não se desvendou exatamente qual é seu mecanismo de ação. Sabe-se que ele atua, além de em outras partes do organismo, no sistema nervoso central (SNC). Há muitas investigações científicas mostrando que, na maioria das vezes, baixas doses de etanol levam a efeitos estimulantes (DANIELL e PHILLIPS, 1994; CAMARINI et al, 1995; ARAUJO et al, 2003; TAMBOUR et al., 2006;WALLNER et al., 2006; TU et al., 2007). Estes se caracterizam pela desinibição comportamental, diminuição da atenção, da autocrítica e do nível de preocupação, aumento da afetividade e da fala (EKMAN et al, 1963, 1964; KORNETSKY et al., 1988; SCHNEIDER et al., 2001; MARINKOVIC et al., 2004). No entanto, altas doses de etanol acabam por ocasionar um efeito inverso, ou seja, deprimem o SNC (CAMARINI et al., 1995; ARAUJO et al., 2003; TAMBOUR et al., 2006). Isto é caracterizado pelo aparecimento de cansaço e grande debilidade ocasionada por fadiga (EKMAN et al., 1963; 1964; KORNETSKY et al., 1988; SCHNEIDER et al., 2001; MARINKOVIC et al., 2004).

A exposição prolongada aos efeitos proporcionados pelo etanol pode resultar em sérias conseqüências. Desse modo, os efeitos depressores do etanol, se persistirem, podem resultar no aparecimento do fenômeno da tolerância (o organismo responde cada vez com menor intensidade aos efeitos da droga consumida, necessitando-se aumentar a dosagem para obtenção dos mesmos efeitos). Já a exposição prolongada aos efeitos estimulantes do etanol está relacionada ao surgimento do fenômeno de sensibilização (o organismo responde cada vez com maior intensidade aos efeitos da droga consumida). Embora, neuroquimicamente, envolvam diferentes mecanismos no SNC, tanto a tolerância como a sensibilização

são fenômenos importantes para se caracterizar o desenvolvimento da dependência. Além disso, a sensibilização ao etanol está intimamente relacionada com o desejo compulsivo dos dependentes pela droga de abuso (CAMARINI et al, 1995; VALENZUELA e HARRIS, 1997).

Sabe-se que no SNC não existe um receptor específico para atuação do etanol. Sendo assim, grande parte dos efeitos centrais do etanol é explicada pela interação com diferentes sistemas de neurotransmissão, tais como: sistema catecolaminérgico, opioidérgico, glutamatérgico, serotoninérgico, GABAérgico e colinérgico. Além destes, muitos estudos apontam que o etanol também pode atuar sobre as ações do agente neuromodulador adenosina (FENG e FAINGOLD, 2000), do neuropeptídeo neurotensina (TAJUDDIN e DRUSE, 1998; BAN et al., 2001), do hormônio arginina-vasopressina (CHIU et al., 1998; LASZLO et al, 2001), da enzima adenilato ciclase (YAO et al., 2001; MASS et al., 2005; YOSHIMURA et al., 2006), em canais de cálcio (LIU et al., 2003; KATSURA et al., 2005) e membranas plasmáticas (LACERDA et al, 1996; CAMARINI et al, 1995; VALENZUELA e HARRIS, 1997; WEISS e PORRINO, 2002).

A base neuroquímica da ação estimulante do etanol tem sido estudada com atenção especialmente voltada para o sistema de neurotransmissão catecolaminérgico. Dentro deste contexto, observa-se com especial atenção a neurotransmissão dopaminérgica.

As vias dopaminérgicas (figura 1) são divididas didaticamente em três grandes vias:

• Via nigroestriatal: apresenta os corpos de neurônios localizados na substância negra e com eferências para o corpo estriado;

• Via mesolímbica/mesocortical: apresentam os corpos de neurônios localizados na área ventral do tegmento mesencefálico (AVTM) e com eferências

direcionadas para áreas límbicas (o septo, área paraolfatória, epitálamo, núcleo anterior do tálamo, porções dos núcleos da base, hipocampo e amígdala) e neocórtex (áreas sensoriais e motoras);

• Via túbero-infundibular: apresentam os corpos de neurônios localizados no núcleo arqueado e periventricular emitindo eferências para a eminência média e lobo intermediário da hipófise.

Figura 1.Vias dopaminérgicas

As vias dopaminérgicas, principalmente no córtex pré-frontal (CPF), encontram-se bastante imaturas em adolescentes, em processo de desenvolvimento. O etanol age em vias dopaminérgicas, ativando a via mesolímbica-cortical (podendo levar à dependência e emissão de comportamentos com base em reforço) e a via nigro-estriatal (podendo levar ao condicionamento sensório-motor baseado em recompensa e a respostas motoras a drogas de abuso) (ROBINSON & BECKER, 1986; KALIVAS & STEWART, 1991; SELF et al., 1995; GRAYBIEL, 1995).

ESTRIATO CÓRTEX EMINÊNCIA MÉDIA MESOLÍMBICO/ MESOCORTICAL NIGRO-ESTRIATAL NÚCLEO ARQUEADO AVTM TÚBERO-HIPOFISÁRIA SN Áreas

A dopamina (DA) mostra suas ações por se ligar a receptores de membrana específicos (GINGRICH e CARON, 1993). Os receptores de DA localizados no SNC fazem parte do grande grupo de receptores que estão acoplados à proteína G (CIVELLI et al., 1993; JARVIE e CARON, 1993; VALLONE et al., 2000). Essa grande família de receptores foi classificada em receptores da subfamília D1 e receptores da

subfamília D2. A subfamília de receptores D1 engloba os receptores dopaminérgicos

D1 e D5, enquanto que a subfamília de receptores D2 engloba os receptores

dopaminérgicos D2, D3 e D4. Esta classificação foi realizada baseando-se nas

seqüências homólogas e nos efeitos farmacológicos (CIVELLI et al., 1993; SEEMAN e VAN TOL, 1993; MISSALE et al., 1998). Os receptores da subfamília D1 estão

associados à estimulação da enzima de membrana adenilato ciclase (UNDIE et al., 2000) e estão localizados principalmente no corpo celular e dendritos, sendo chamados de receptores somatodendríticos (SIBLEY et al., 1993; JABER et al., 1996; HARTMAN e LANAU, 1997; CENTONZE et al., 2001; BORDET, 2004). Já os receptores da subfamília D2 estão associados à inibição ou não dessa enzima de

membrana (SIBLEY et al., 1993; TANG et al., 1994; JABER et al., 1996; HARTMAN e LANAU, 1997; RODRIGUES-SANCHEZ et al., 1997; BORDET, 2004; VANGVERAVONG et al., 2006; FAN e HESS, 2007).

Reforços naturais como comida, água e a oportunidade sexual aumentam a atividade da via mesolímbica/mesocortical, e estes efeitos são mediados em parte pela DA no NAc (MURRIN e ZENG, 1986; FIBIGIR et al., 1992; MARK et al., 1992; MITCHELL e GRATTON, 1994; EVERITT e WOLF, 2002). Além disso, muitos estudos mostram que a estimulação central e a euforia induzida pelo etanol estão relacionadas com a ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico/mesocortical. Como resposta a este efeito, ocorre aumento da atividade locomotora (WISE e BOZARTH, 1987).

Estudos neuroquímicos mostram que o etanol aumenta a concentração de dopamina (DA) extracelular no núcleo accumbens (NAc) e no núcleo caudado (NCau) de roedores (DI CHIARA e IMPERATO, 1988), promovendo liberação predominantemente no NAc, em roedores (SOUZA-FORMIGONI et al, 1999; BASSAREO et al, 2003, 2006; JONES et al, 2006; MORZORATI e MARUNDE, 2006).

Na AVTM observa-se a existência de interneurônios GABAérgicos que, quando estimulados, inibem os neurônios dopaminérgicos que estão localizados nesta área e que emitem eferências para diversas estruturas do sistema mesolímbico/mesocortical (LI et al., 1994; PEOPLES et al., 1996; MIHIC et al, 1997; DIAMOND e GORDON, 1997; WICK et al., 1998; DAVIES 2003). Sendo assim, sem estímulos exógenos, este sistema encontra-se inibido pela ação do neurotransmissor GABA liberado pelos interneurônios GABAérgicos (LI et al., 1994; PEOPLES et al., 1996; MIHIC et al, 1997; DIAMOND e GORDON, 1997; WICK et al., 1998; DAVIES 2003).

O etanol, quando administrado em baixas doses, estimula a síntese, o metabolismo e a taxa de renovação de dopamina (TUPALA E e TIIHONEN J, 2004) e atua em sítios específicos de ligação localizados nos receptores de GABA do tipo A de interneurônios GABAérgicos presentes na AVTM (DAVIES, 2003). Estes interneurônios, uma vez estimulados, favorecerão a desinibição de neurônios dopaminérgicos da AVTM (DAVIES, 2003), aumentando a taxa de disparos na AVTM, com conseqüente aumento de liberação de DA nas estruturas que recebem aferências dopaminérgicas, principalmente no NAc (DI CHIARA e IMPERATO, 1985; GESSA, 1985; BRODIE, 1990; BLANCHARD, 1993; WEISS et al., 1993).

As principais estruturas que sofrem estimulação direta pelo aumento de liberação de DA são aquelas que compõem o sistema mesolímbico/mesocortical,

como: NAc, HIP, CPF, amígdala (AMIG) e CoM (DAHLSTROM e FUXE, 1964; GONZALES et al., 2004), destacando-se o NAc, estrutura responsável por integrar os processos motivacionais com as respostas motoras (MORGENSON et al., 1980). Da AVTM também partem projeções dopaminérgicas que atingem a AMIG e o CPF.

A AMIG é uma estrutura límbica que está particularmente envolvida em respostas emocionais (CLEMMESEN et al., 1988; RASSNICK et al., 1993; KNAPP e CREWS, 1999; KOOB et al., 1998; CHANDLER et al., 2006; HILL et al., 2006; HAMLIN, 2007; FENG et al., 2007). Neste trabalho, foram focadas duas áreas da AMIG: Área Dorsal da Amígdala (ADA) e Área Ventral da Amígdala (AVA). Dentro de cada parte da AMIG ainda pode ser observada a existência de diversos núcleos, cada um deles com funções específicas. Dentre outras funções, a AMIG também apresenta o papel de modular parte das informações que atingem o NAc e o CPF, pois, desta estrutura, partem projeções glutamatérgicas que atingem o NAc e o CPF (OADES e HALLIDAY, 1987; HAMLIN 2007, FENG et al., 2007).

O NAc, além de receber projeções dopaminérgicas da AVTM, também recebe projeções glutamatérgicas do CPF, da AMIG e do HIP (FINCH, 1996; MASTERMAN e CUMMINGS, 1997; ROLLS e TREVES, 1998; O’DONNELL et al., 1999; CHAMBERS et al., 2001; 2003). O NAc integrará todas as informações recebidas e as enviará por meio de projeções GABAérgicas ao Pálido Ventral (PV) e, daí, para o Hipotálamo (HIPt) e Córtex Motor (CoM) (PENNARTZ et al., 1994; FINCH, 1996; MASTERMAN e CUMMINGS, 1997; ROLLS e TREVES, 1998; O’DONNELL et al., 1999; SWANSON, 2000; KOLOMIETS et al., 2001; BECHARA, 2001; CHAMBERS et al., 2003). No HIPt e no CoM ocorrerá a formação de respostas motoras frente aos estímulos motivacionais ocorridos no sistema mesolímbico/mesocortical (MORGENSON et al., 1980; FINCH, 1996; ROLLS e TREVES, 1998; EVERITT e WOLF, 2002; CHAMBERS

et al., 2003). Na figura 2, podemos observar um pouco melhor a organização e a integração do sistema mesolímbico/mesocortical.

Figura 2. Resumo esquemático da organização existente entre as estruturas do sistema mesolímbico/mesocortical e sistema motor. Esquema baseado em: Fadda e Rossetti (1998); Spears (2000); Chambers e cols (2003); Chao e Nestler (2004); e Nestler (2004).

Área Ventral do Tegmento Mesencefálico Núcleo Accumbens Córtex Pré-Frontal Amígdala Hipocampo Córtex Motor Pálido Ventral Núcleo Dorsomedial do Tálamo Hipotálamo Dopamina GABA Glutamato

Documentos relacionados