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Mecanismos erosivos associados às águas subterrâneas

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.2 Hidrologia subterrânea e os fluxos subsuperficiais saturados

3.2.3 Mecanismos erosivos associados às águas subterrâneas

Dois mecanismos erosivos envolvendo os fluxos subterrâneos são amplamente conhecidos e vêm sendo citados por muitos autores, que os citam usando nomes diferentes. Dunne (1990) os definiu como: (1) desenvolvimento de uma força crítica que remove partículas de solo ou rocha a partir da exfiltração (emersão) da água de dentro do meio poroso, causando liquefação; (2) a aplicação de uma força de cisalhamento nas margens de um macroporo, que pode ter sido formado independentemente da ação da água (rachaduras do solo, origem biológica ou até mesmo por exfiltração).

O mesmo autor discute a terminologia aplicada a esses mecanismos erosivos pela literatura e defende o uso dos termos erosão por exfiltração ou por percolação (“seepage erosion”) para o primeiro processo e lavagem em túneis (“tunnel scour”) para o segundo. A superfície de solo por onde o fluxo exfiltra será denominada face de exfiltração, podendo acontecer em um determinado trecho da encosta, em cortes de estrada, paredes de voçorocas, margens de rios, entre outros.

Ainda segundo Dunne (1990), ambos mecanismos podem causar o recuo das encostas através da formação de túneis erosivos e posterior solapamento do teto dos mesmos. Esse processo de recuo lateral de encostas pode acontecer de diferentes formas, envolvendo movimentos de massa e voçorocas.

Onda (1994) criou um modelo de formação de cabeceiras de drenagem em anfiteatro, para a região de Obara no Japão, baseado no solapamento do sopé das encostas provocado pela exfiltração de fluxos subterrâneos, que geram um aumento

do gradiente topográfico, instabilizando a encosta a montante e causando pequenos movimentos de massa, que ocorrem sucessivamente encosta acima. Já no vale do rio do Bananal, Coelho Netto (2002) relaciona a incisão de voçorocamentos com a instabilização das encostas adjacentes, pelo aumento dos gradientes de declividade, catalisando movimentos de massa.

Segundo Dunne (op.cit.), vários trabalhos (FLETCHER et al., 1954; CHORLEY, 1978; JONES, 1981; BRYAN & YAIR, 1982; HIGGINS, 1982; 1984) vêm utilizando o termo “piping” para designar simplesmente a formação de túneis, sem especificar o processo erosivo envolvido. Para acabar com as confusões em torno dos termos, ele propôs a terminologia citada anteriormente, que será utilizada nesse trabalho, já que esta parece definir bem o processo envolvido em cada mecanismo. Além dessa terminologia, o termo “túnel erosivo” será utilizado para designar as feições chamadas de “pipe” pela literatura internacional.

Os túneis erosivos, que podem ter origem biológica (fauna escavadora, raízes mortas, entre outras) ou mecânica (erosão por exfiltração, rachaduras do solo, entre outras) têm um papel muito importante na drenagem das encostas que apresentam essas feições. O tamanho dos túneis pode variar bastante, desde poucos milímetros até vários metros. A esse respeito, Zhu (1997 e 2003) relata um sistema de túneis com diâmetro médio de 4,8m, com túneis de até 20m de diâmetro no norte da China.

Segundo Carey & Woo (2000), os túneis servem de caminhos preferenciais e que, através deles, os fluxos atingem os canais rapidamente. No entanto, esses autores indicam que o fluxo dentro dos túneis é efêmero e só acontece quando o nível da água, na encosta, está acima ou no mesmo nível dos túneis. Uchida et al. (1999) monitoraram túneis erosivos em diferentes altitudes em uma cabeceira de drenagem localizada na parte central do Japão e estabeleceram uma relação entre a

precipitação e a descarga dos túneis. Á medida que a quantidade de chuva precipitada aumentava, os autores encontravam descarga em túneis cada vez mais altos em relação ao canal de drenagem.

Uchida et al. (2001) fizeram uma revisão de vários trabalhos relacionados aos túneis erosivos e, a partir dessa revisão, tiraram algumas conclusões: a descarga máxima de um túnel varia em função do diâmetro do mesmo; os túneis erosivos podem contribuir para a estabilidade das encostas, drenando as mesmas e prevenindo a formação de zonas saturadas, ou podem contribuir para a instabilidade das encostas quando a concentração de água nos túneis é superior a sua capacidade de transmissão, o que gera um aumento da poro-pressão na matriz do solo que envolve o túnel; a erosão dos túneis muitas vezes têm um papel importante na geração de movimentos de massa rasos. Terajima et al. (2000), ao examinar a estrutura interna de túneis erosivos localizados em encostas florestadas no norte do Japão, identificou que a orientação dos túneis principais era paralela ao gradiente das encostas.

Deus (1991), em estudo experimental no anfiteatro da Bela Vista, associou a formação de dutos escavados pelas formigas saúvas com o processo de erosão em túneis. Nesse trabalho, foram mensuradas as vazões de um conjunto de túneis localizados em um corte de estrada. Nessa porção do anfiteatro, Deus (op cit.) encontrou túneis de 1 a 10 centímetros de diâmetro, com descargas médias variando de 0 a 1.000ml, sendo que determinados túneis chegaram a apresentar volumes superiores a 5.000ml em resposta a um único evento de chuva. Ainda a exfiltração de fluxos com descarga crítica foi observada nas paredes da voçoroca durante eventos chuvosos extremos.

O papel da fauna escavadora tem sido relatado por diversos autores em diferentes ambientes. Onda (1994) associou a exfiltração de fluxos subsuperficiais à atividade escavadora dos caranguejos de rio encontrados comumente na região de Obara, no Japão. Onda & Itakura (1997) desenvolveram um experimento realizado em um flume equipado com piezômetros, onde eles fizeram testes com e sem os caranguejos de rio. Nesse experimento eles mostram que os túneis escavados pelos caranguejos atuam aumentando a velocidade dos fluxos subsuperficias, além de disponibilizar o material retirado na escavação dos túneis.

Um outro processo diretamente ligado aos mecanismos citados anteriormente, o “spring sappig”, vem sendo citado na literatura e foi definido por Laity & Malin (1985) como o solapamento de blocos ou porções de solo causado pelo enfraquecimento ou remoção do solo localizado abaixo da parte solapada. Baker (1990) faz uma análise entre esse processo e a formação de vales e defende que, apesar do processo e sua ação erosiva ainda não serem definidos com exatidão e mesmo sendo uma interpretação subjetiva, o “spring sappig” deve ser reconhecido como responsável pelo desenvolvimento de vales e canais de drenagem. Esse autor espera que futuras pesquisas permitam o refinamento desse termo. Uchupi & Oldale (1994) indicaram o “spring sappig” como processo mais significativo na formação de vales em formato de anfiteatro.

Os mecanismos descritos anteriormente (erosão por exfiltração, lavagem em túneis e solapamento de bases) ocorrem nas paredes da voçoroca da Bela Vista e são responsáveis pelo recuo remontante da mesma. Túneis erosivos e de origem biogênica são observados em grandes quantidades em toda a extensão das paredes e da cabeça da voçoroca.