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CONHECIMENTO NA UNIDADE DE INTERNAÇÃO

NEONATAL DO HU/UFSC

Nesta seção, busca-se caracterizar os mecanismos e meios usados por aqueles que atuam na Unidade de Internação Neonatal do HU/UFSC para se comunicar e trocar conhecimento.

Com vistas a atingir tal finalidade, a primeira solicitação feita aos pesquisados foi para que comentassem se o conhecimento que usam no dia-a-dia, na unidade Neonatal, está registrado em algum lugar (como em manuais, em relatórios ou em livros e artigos) ou vem da interação com colegas de trabalho, ou se refere às duas situações. Em verdade,

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trata-se de verificar, por meio das respostas dadas, se os citados atores trabalham mais intensamente com conhecimento tácito ou explícito.

As respostas a tal questionamento trazem um significado particular, na medida em que se verifica um consenso sobre o tipo de conhecimento mais utilizado pelos pesquisados. Todos eles afirmam usar, em primeira instância, o conhecimento explícito, como se pode exemplificar por meio das seguintes falas:

Usamos manual, livros, sites específicos na área de neonatologia, artigos na especialidade e também interagindo com outros colegas de trabalho. (Médico A). Existe um padrão de atendimento e um protocolo a ser seguido. Geralmente, todos seguem o padrão, quando há alteração ocorre uma explicação sobre ela. [...] Sempre consultamos manuais, livros, principalmente quanto temos alguma dúvida. (Médico B).

Apenas o terceiro entrevistado (médico C) acrescenta, ao hábito de obter conhecimento não somente a partir da leitura de livros e de revistas especializadas, mas também da sua participação em congressos médicos, da prática, e “quando aparece um caso diferente”, costuma recorrer “à discussão com colegas”. Tal postura sinaliza que o conhecimento tácito tem, para ele, importância ímpar.

De modo geral, contudo, é possível se depreender que a predileção pelo uso do conhecimento explícito advém do fato de que, como recordam Almeida; Freitas e Souza (2011), tal tipo de conhecimento é transmitido entre as pessoas com mais facilidade, sobretudo para organizações do mundo ocidental.

Já as enfermeiras apresentam uma postura marcante e, simultaneamente, diferenciada, se comparada a dos médicos, conforme pode ser verificada nos relatos destacados, a seguir:

[...] a nossa experiência de anos de trabalho na área conta muito, pois, os demais profissionais nos ensinam muito, como aqueles da área de medicina, as enfermeiras, do serviço social, as psicólogas e os alunos também. Trabalhar multiprofissionalmente é muito gratificante, tem um retorno muito produtivo, é como se tivesse uma aula por dia, todos os dias. Eu não fiz mestrado, só fiz especialização. [...]. Estou sendo agora preceptora de residência de enfermagem, eles vêm com muito conhecimento

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formal, coisas que eu não vi na faculdade, que eles estão vendo agora porque muita coisa modifica. Ter esse envolvimento no trabalho e com todas essas pessoas, aproveitar isso é como fazer cursos de atualização. (Enfermeira A).

O que eu uso de conhecimento aqui é o que o próprio trabalho me proporciona. Usamos as próprias ocorrências e vivencias do setor. Foram feitas oficinas de estudo, com a última turma de residência, tipo um fórum ou Semana da Enfermagem, quando os residentes apresentaram aqui relatórios de estágio [...]. Ficou muito bom. A ideia é juntar estes relatórios e instituir, aqui no setor, um manual de práticas, que deve funcionar como um livro guia e, assim, tudo o que é feito de determinado assunto está sendo colocado nele, de modo que os procedimentos possam ser consultados ali posteriormente. (Enfermeira B).

As Técnicas em Enfermagem, seguindo o mesmo princípio das enfermeiras, também costumam recorrer ao conhecimento explícito, disponibilizado em manuais, porém, ressaltando-se a fala de uma delas (Técnica C), é comum o compartilhamento do conhecimento tácito, em decorrência “da interação com os vários profissionais da unidade, no dia-a-dia”. E, continua, afirmando: “baseio minha prática em estudos, artigos, livros, manuais do Ministério da Saúde e, também, aprendo muito com a prática dos colegas que possuem mais experiência”. Particularmente, esta última profissional valoriza tanto o conhecimento explícito, como o tácito.

Para as Enfermeiras, portanto, é essencial a busca de conhecimento tácito. Apesar de autores - tais como Nonaka e Takeuchi (1998) e Almeida; Freitas e Souza (2011) - julgarem ser mais complexo o compartilhamento do conhecimento tácito, ao mesmo tempo, compreendem-no como sendo fundamental para a gestão do conhecimento. Afinal, a exemplo do que alertam Rodriguez e Rodriguez (2010), o que caracteriza a gestão desse tipo de recurso é a existência de processos que garantam a transformação do conhecimento tácito em explícito e vice-versa, experiência esta relatada pelo corpo de enfermagem, incluindo os técnicos.

Soma-se a isso a concepção de Nonaka e Takeuchi (1998), para os quais a criação do conhecimento organizacional pressupõe a realização de 5 fases distintas no tratamento desse recurso, indo desde a etapa referente ao compartilhamento do conhecimento tácito até a

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relativa à sua difusão. No caso em estudo, observa-se o compartilhamento de conhecimento tácito por meio das interações entre profissionais que ocorrem no dia-a-dia da Unidade Neonatal e, ainda, em eventos como o citado pela Enfermeira A, denominado Semana da Enfermagem, quando residentes e corpo clínico da Unidade se reúnem para discutir e difundir suas experiências. O sucesso de tal encontro está em permitir que os profissionais que atuam na Unidade Neonatal possam, não apenas compartilhar suas experiências, mas, mormente, suas emoções, sentimentos e modelos mentais, detalhes difíceis de serem explicitados em manuais, ou em qualquer outro meio de registro formal.

Depois, ao serem questionados sobre quais são os mecanismos mais frequentemente usados para compartilhar conhecimento na Unidade Neonatal, chamou a atenção o que os Médicos B e C afirmaram:

Sempre uso base de dados. É importante, ainda, conversar com as equipes, porque há pessoas que adquirem conhecimentos antes de você e podem transmitir e aí vem a interação informal. Em relação às conferências internas, nós fazemos no HU, às vezes, para traçar novos protocolos. Storytelling não existe. Dias das melhores práticas não existe [...]. Treinamento, sim, quando há uma mudança de algo importante. O aperfeiçoamento profissional sempre. O uso da literatura mais frequente é a base de dados de periódicos, publicações, muito mais do que o livro texto. (Médico B).

O compartilhamento se dá durante o horário do trabalho, através de conversas informais e discussões dos casos clínicos. Uso também o Medline ou PubMed3 para pesquisar. Temos um caderno onde anotamos as pendências, para quem começa nos próximos horários. (Médico C).

3

De acordo com a USP (2010), a diferença entre Medline (Medical Literature Analysis and Retrievel

System Online) e o PubMed é que o primeiro corresponde a uma “base de dados online que oferece

acesso gratuito a referências e resumos de revistas científicas da área Biomédica. São indexados nesta base aproximadamente 5.400 periódicos dos Estados Unidos e de mais 80 países”. Já, o “PubMed é um recurso gratuito desenvolvido e mantido pela Biblioteca Nacional de Medicina (NLM®) dos Estados Unidos. Além de oferecer acesso aos recursos relacionados ao Medline, o PubMed também contém: registros de artigos em fase de indexação, informações sobre os publicadores das revistas, Mesh® (Vocabulário controlado da NLM), OLDMEDLINE, registros de livros disponíveis no NCBI Bookshelf, links para sites que possuam artigos com texto completo e outros assuntos relacionados, filtros especiais para consultas específicas, Single Citation

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As enfermeiras e técnicas de enfermagem, por seu turno, trouxeram respostas semelhantes, o que motivou a escolha daquela mais completa para representar o conjunto. Desse modo, a Enfermeira A fez os seguintes comentários sobre as possibilidades de mecanismos de compartilhamento de conhecimento:

a) Sobre bases de dados, ela alega que as utiliza frequentemente, além da Internet;

b) Contato pessoal: “Temos total liberdade de enviar mensagens e telefonar sempre que for preciso quando, por exemplo, o colega está de licença, de férias ou viajando”;

c) Troca de conhecimento: “Trocamos ideia o tempo todo, na reunião, no cafezinho, corredores. Entendo que quanto maior o número de pessoas com as quais temos afinidade no trabalho, maior é a possibilidade de falarmos sobre assuntos profissionais, como dos casos, dos pacientes [...]”;

d) Comunidade de prática: “O hospital oferece, de tempos em tempos, esta atividade. Nela, é feita a apresentação de assuntos que interessam tanto à comunidade externa, de modo geral, como aos profissionais. Como não existe um auditório específico para isso, este evento é feito em áreas comunitárias, onde os convidados sentam em círculos, para ficar mais informal, e para que todos se sintam a vontade de falar e participar, ou, até, em outro hospital”;

e) Conferências internas: “As conferências são realizadas para que conceitos novos sejam apresentados. Assim, acontecem palestras no auditório do HU, onde são exibidos filmes que trazem algum interesse didático: ano passado, teve o filme americano A dieta do palhaço, sobre fast food, quando nutricionistas aproveitaram para falar da importância da alimentação equilibrada, para evitar diabetes, hipertensão e síndrome metabólica, entre tantas outras doenças com causas conhecidas que invadem o hospital, devido ao crescente número de obesos na nossa sociedade. Em eventos como estes, temos a oportunidade para debater o assunto logo após, [...], o que ocorreu na telemedicina sobre transplantes de órgãos, por exemplo.”;

f) Storytelling – “Não sei se encaixa aqui, mas, uma vez por ano, no HU, há uma exposição, com cartas de pacientes, acompanhantes tratados no Hospital, e de familiares, contando sobre a sua experiência durante o tratamento e agradecendo pela acolhida [...]”;

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g) Dia das melhores práticas: “Não sei se encaixa aqui, [...], mas quando o aluno que passou pela unidade fez estágio ou acompanhou algum médico, no final, ele deve apresentar um relatório, incluindo os de mestrado, doutorado e residência, que precisam também apresentar aqui a sua pesquisa. Então, todos são convidados para assistir, tirar dúvidas, fazer críticas ou elogios. Outra coisa é que o HU é referência em atendimento de vítimas de violência, e, também, de interrupção de gestação. Com isso, todo ano tem um fórum, que acontece em lugares diferentes, sobre tais assuntos. Eu fui agora em fevereiro em um evento desses, em São Paulo [...]”; h) Treinamento: “[...] nós estamos agora usando um método bem

interessante: quando as meninas chegam para fazer uma residência, como a Unidade é multiprofissional, elas pegam um estudo de caso sobre um paciente, que engloba profissionais de todas as áreas envolvidas, isto é, o residente de enfermagem trabalha esse paciente na parte clínica, o de psicologia pega o mesmo paciente, mas trata da visão neurológica de expressões traumáticas e manifestações emocionais, e o de serviço social estuda o lado social desse paciente. Assim, vemos o bebê como um todo, o paciente não é um doente ou um órgão, mas um ser por inteiro, completo (sistêmico e holístico) [...]”;

i) Aperfeiçoamento: “[...] sempre tem cursos e isso é inevitável, pois é preciso se aperfeiçoar sempre, o profissional da saúde tem que se atualizar, é quase natural para nós. Para isto, só basta ter boa vontade. [...] na capacitação do HU, lá tem cursos sugeridos pelas chefias e planejados para as necessidades e dificuldades vistas durante o serviço”;

j) Uso da literatura: “às vezes recorro aos meus livros didáticos, ou algum material ou artigo que a chefia indica [...]”.

A despeito de se saber, como já comentado anteriormente, que o compartilhamento do conhecimento tácito é tido como a etapa mais complexa do processo de criação de conhecimento, segundo alegam especialistas, como Nonaka e Takeuchi (1998), descobre-se que, novamente, os investigados pronunciaram-se positivamente a respeito dela nas suas respostas. Neste contexto, destaca-se que todos mencionaram sobre a importância em estabelecer contato com outros profissionais, seja da sua unidade de trabalho ou não, para compartilhar conhecimento, especialmente em horário de trabalho.

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Ainda no campo do conhecimento tácito, são indicados, tanto pelos médicos como pelo pessoal de enfermagem, meios fundamentais como a realização de reuniões, de conferências e de treinamento internos, coincidindo com o concebido por Bhirud, Rodrigues e Desai (2005). Afinal, também na Unidade Neonatal do HU/UFSC, tais meios são usados para garantir o aprendizado dos novatos a partir da interação deles com os mais experientes.

Em contrapartida, o conhecimento explícito é compartilhado, sobretudo, via mecanismos mais estruturados, a exemplo das bases de dados e de pesquisas em fontes literárias (livros e periódicos) e em bases médicas (Medline e PubMed). Além desses, o médico C lembra acerca da função de um dispositivo em particular – um caderno – que torna possível ao profissional de um turno de trabalho compartilhar com outros de outro turno “pendências” a serem resolvidas, isto é, a dar continuidade ao que o profissional anterior estava realizando.

Entre os mecanismos de compartilhamento de conhecimento citados pela Enfermeira A, chama a atenção à falta de informações que os pesquisados tem a respeito de algumas alternativas, como o storytelling - restrição também evidenciada na fala do Médico B. Este fenômeno pode ser resultado, conforme lembra Brusamolin (2008), do fato de haver desconhecimento de como aplicar a técnica, já que existem poucas fontes em português.

Diante deste cenário, identifica-se que há outros meios recomendados pelos especialistas (BHIRUD; RODRIGUES; DESAI, 2005; ALCARÁ et al., 2009; DAVENPORT; PRUSAK, 1998; DIXON, 2000) para compartilhar conhecimento, contudo, não estão amplamente disponíveis àqueles que atuam na Unidade em foco, como o Storytelling e o Dia das Melhores Práticas – estes dois assinalados pelos médicos entrevistados -, as Comunidades de Prática, o evento conhecido como show de tecnologia e aquele denominado Dia da Inovação e, por fim, o uso de tecnologias mais avançadas, a exemplo dos Repositórios de Conhecimento. Todos estes mecanismos, todavia, constituem-se em oportunidades para o aperfeiçoamento da gestão do conhecimento, e mais precisamente do seu compartilhamento, na Unidade Neonatal do HU/UFSC, tendo cada um deles características e funções diferenciadas, segundo especificam Bhirud; Rodrigues e Desai (2005).

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