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3.1 O PROFESSOR NA CENA DA AVALIAÇÃO MEDIADORA EM DANÇA: PROCESSOS

3.1.1 Mediação da consciência da modificabilidade cognitiva

Ao professor-mediador cabe a crença na Modificabilidade Cognitiva, inclusive o lema da teoria feuersteiana é o de que “todas as pessoas são modificáveis”. A modificabilidade é a certeza de que as estruturas cognitivas do sujeito estão a todo o tempo se re-arranjando. A mudança é vista como uma condição de permanência no mundo. Vale lembrar que aqui estou tomando estrutura cognitiva enquanto corpo em sua integralidade. Penso que a cognição é muito mais do que uma atividade mental, trata-se de um complexo de informações que se articulam em diferentes níveis e se tornam corpo. É corpo. Segundo Vitor da Fonseca (apud MEIER; GARCIA, 2009, p. 110):

[...] a Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein reforça a natureza do ser humano como um sistema aberto, disponível e flexível à mudança durante toda a sua vida, embora se reconheçam, naturalmente, períodos ótimos e críticos de desenvolvimento. O sistema aberto envolve um intercâmbio.

Para o professor-mediador de processos educacionais em Dança, crer na modificabilidade cognitiva é limar da prática pedagógica a crença de que existem corpos aptos para dançar, corpos que de forma apriorística chegam ao processo de ensino-aprendizagem da Dança com o dom de dançar. É desta perspectiva inatista que surgem célebres e tristes frases, como “a dança não te escolheu” [sic]. O professor-mediador precisa perceber todos os corpos como corpos capazes de fazer-viver a Dança, além de criar um espaço pedagógico que conduza o mediando a ter, também, esta percepção sobre si. A este respeito, Lenira Rengel (2011, p. 7) nos diz que:

planejamento e busca por objetivos; 9. Mediação da procura pelo novo e pela complexidade; 10. Mediação da consciência da modificabilidade; 11. Mediação da escolha pela alternativa positiva; 12. Mediação do sentimento de pertença.

[...] se ensinarmos nossos alunos a terem uma visão crítica e proporcionar-lhes (e a nós próprios) uma atitude emancipatória e negarmos a postura vigente que permite a interferência de certos aspectos da mídia na educação, deixará de existir por completo uma ditadura que imponha “tipos de corpos”. É de extrema importância que o aluno saiba que todos os corpos dançam.

Posso dizer que a crença na modificabilidade cognitiva, inclusive, é um dos pilares que sustentam a prática de uma avaliação mediadora. Olhar para um corpo-que-dança e perceber que o aprendizado que se mostra naquela mídia é um recorte arbitrário, portanto, transitório, ajuda- nos a não recorrer a modelos de avaliação que são taxativos, sentencivos e que visam cristalizar processos. É a crença na modificabilidade cognitiva que respalda o trabalho de mediação, pois me parece que a mediação só faz sentido quando se percebe que o outro é um sujeito competente e capaz de ajustar-se ao conhecimento por ora defrontado. Feuerstein (1980, p. 2) nos fala que:

[...] nós selecionamos o termo “modificabilidade cognitiva” para exprimir a ideia de um processo voltado à autonomia do sujeito [...] há um produto específico de experiências de aprendizagens superiores [...] para responder não a um ambiente constante e estável, mas a situações e circunstâncias que estão em constante modificação.

A modificabilidade cognitiva da qual nos fala Feuerstein é o que nos encoraja à inclusão do ainda em nossas falas, enquanto professor, sobre os processos de aprendizagem do aluno, pois ao dizer que o sujeito ainda não aprendeu, estou depositando no mediando a esperança de que ele vai se modificar a ponto de conseguir adaptar-se ao conhecimento em questão. Sem dúvida, tal perspectiva promove no mediado um outro olhar sobre si no processo de aprendizagem, pois, como nos sinaliza Rengel (2010, p. 8), “se ao aluno for ensinado a respeitar as diferenças existentes nos corpos, ele cuidará e aceitará o seu corpo, com a sua própria peculiaridade e individualidade. Inexiste um modelo de corpo. O que existe é um diálogo do/com o corpo e outros corpos”.

A crença na modificabilidade cognitiva pode auxiliar o campo dos processos educativos em Dança a expurgar de uma vez por todas a tendência à homogeneização dos corpos. Cada corpo é um estado de corporalidade. Traz suas idiossincrasias para o processo pedagógico e as coloca em diálogo com toda a gama de especificidades que os outros corpos trazem. Os resultados estéticos serão, sempre, diferentes! Afinal, estamos lidando com corpos diferentes que

habitam o mesmo espaço-tempo, justamente, pela diferença que os constitui. Neste sentido, ao avaliar o processo de ensino-aprendizagem o professor mediador deve apurar as vistas e se habituar a lidar com a multiplicidade de resultados, percebendo que a sua atuação pedagógica pôr-se-á em diálogo com esta realidade que se apresenta.

A modificabilidade é uma condição de existência e, por assim ser, é comum a todos os sujeitos, no entanto os seus níveis, tempo e possibilidades são distintos, intransponíveis, personificados. Uma avaliação mediadora na Dança precisa dar conta desse panorama. Não adianta procurar incessantemente a igualdade nos corpos-que-dançam como resultado exitoso da prática pedagógica desenvolvida. Aliás, aqueles que desejam insistir com esta prática, que aqui considero como uma prática-cega, não conseguem enxergar para além das suas crenças.

Ao mediador em Dança cabe captar o estado-transitório desse corpo-que-dança e, por conseguinte, oferecer subsídios para que a modificação prospectiva aconteça, pondo o sujeito cognoscente em diálogo com o seu próprio processo de aprendizagem. Afinal, como nos fala Neide Turra (2007, p. 300), “O critério da modificabilidade cognitiva percebe que a modificabilidade do sujeito é, necessariamente, a modificação da relação do sujeito consigo próprio no – e com o – seu entorno”.

Inúmeros são os fatores que transversalizam o critério da consciência da modificabilidade em uma prática pedagógica. Porém, aqui, enfatizo a ideia de que a consciência acerca deste processo contínuo de modificação deve arborescer no mediador, mas, também, no mediando. Penso que se práticas mediadoras em Dança tivessem ocorrência contínua, e no lugar de ser uma exceção fosse uma regularidade, dezenas de educandos não teriam desistido de dançar por não se crerem capazes. Sem falar dos tantos outros que timidamente não se dispuseram para tal. Para Feuerstein (apud MEIER; GARCIA, 2009, p. 160):

[...] através da auto-avaliação é possível auxiliar o aluno na percepção de que é capaz de produzir e processar informações e tomar conhecimento de seu potencial e de suas dificuldades, passando a ter consciência do que deve ser modificado. A partir daí a organização de seus processos cognitivos desencadeando mecanismos de interiorização, autocontrole e regulação passará a ser exercida por ele mesmo.

A consciência deste critério que aponta Feuerstein em muito colabora com uma prática avaliativa mediadora em Dança. Ao compreender a modificabilidade cognitiva penso que o professor poderá se colocar em diálogo com os resultados obtidos em cada etapa do processo,

percebendo-os enquanto ponto de partida para novas aprendizagens. Apresento, então, os cinco axiomas da Teoria da Modificabilidade Cognitiva que devem ser considerados ao mediar a consciência da modificabilidade:

 Todos os seres humanos são modificáveis;

 Esta criança específica que estou educando (qualquer uma que poderíamos talvez duvidar da modificabilidade) pode ser ajuda a modificar-se;

 Eu próprio sou um mediador capaz de, efetivamente, ajudar essa criança a modificar-se;

 Eu mesmo sou modificável;

 A sociedade, a opinião pública, na qual estou inserido, pode ser modificada por mim ou por qualquer outro indivíduo inserido nela (FEUERSTEIN, 1997, p. 5).

Posto em prática o critério da consciência da modificabilidade cognitiva abrem-se as portas para a abordagem de uma avaliação mediadora. Os outros critérios dependem dessa consciência, pois, paralelo a ela, vem a perspectiva de que inteligência se aprende. Aqui o jogo que se estabelece é o de pensar que a aprendizagem precede o desenvolvimento. O sujeito aprende para se desenvolver. Assim, penso que a avaliação na Dança não pode preceder o ato de aprender, tampouco se resguardar para um suposto ponto final do processo. A avaliação é uma instância do processo pedagógico, ela se entremeia entre o mediar e o aprender a todo o tempo.