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5. O MEDIADOR CULTURAL E A CANÇÃO URBANA

5.2 O MEDIADOR CULTURAL NA RÁDIO

Algumas músicas apresentadas por Vidal em seus programas eram

músicas de origem rural, outras de domínio público, religiosas, e também consideradas como eruditas brasileiras, coletadas por musicólogos como, por exemplo, Curt Lange ou folcloristas como Luiz da Câmara Cascudo. No entanto, a grande maioria das canções eram as gravações de compositores urbanos, com arranjos dos maestros e artistas das rádios e gravadoras que exploravam temas não originários do cancioneiro popular, e se enquadram na categoria de “canção de massa”, conforme será discutido a seguir. Independentemente da origem destas canções, todas elas estão em formato de discos vinis e foram gravadas por grandes gravadoras das décadas de 50 até os anos 80.

Os livros Canção de massa (1975) de JAMBEIRO e Informação no rádio184 (1985) de ORTRIWANO nos demonstram com dados, que o mercado

184

Ver livro: Informação no Rádio: Os Grupos de Poder e a Determinação dos Conteúdos, 1985.

cultural musical surgiu juntamente com o início da radiofonia, e se desenvolveu

de acordo com o sistema capitalista, transformando ideologicamente185 as

relações sociais, dentre elas as culturais, em bens de consumo. Podemos entender, aqui, como bens de consumo os aparelhos receptores, os fonogramas e até os artistas, intérpretes, músicos, com suas performances e estilos. De acordo com estes livros, o objetivo dentro deste sistema é, principalmente, econômico onde o produto cultural precisa ser vendido e o ideológico transmitido para os consumidores. Sendo assim, ocorre a manipulação na produção do conteúdo a ser transmitido, gerando consequentemente a manipulação dos trabalhadores das mídias - os radialistas, jornalistas, os artistas, músicos e maestros - e a fabricação de ídolos e propagandas para despertar o consumo cultural.

A partir das memórias de um desses interlocutores, a história ganhou dimensões diferentes daquelas desenvolvidas nas bibliografias dos anos 70 e 80, ganhando nomes de músicas, de rádios e de produtores. O radialista Vidal se empenhou, durante todos os dias de nossa pesquisa de campo, em firmar essa visão sobre o mercado cultural complexo.

Para vender o produto ‘cultural’, entre eles, a música ou as festas típicas, como o carnaval, há o empenho de personalidades situadas nos diversos setores sociais. J. da Silva Vidal afirma: “o radialista não tem opinião própria

dentro da rádio”186 e os seus afazeres e escolhas estão sob a direção da

gravadora ou dos diretores comerciais. A rádio, portanto, na visão do radialista, está submetida ao complexo sistema da indústria cultural e para se sustentar precisa de uma minuciosa pesquisa dos diretores para decidirem qual programa vai ao ar em determinado horário, quais notícias, quais músicas e artistas serão divulgados, através de quais meios e para qual público, formando assim, o perfil da emissora.

Neste cenário, podemos relacionar o radialista com os “indivíduos que agem como mediadores culturais e mediadores de espaços sociais. Segundo VIANNA, (1995), eles foram essenciais para a disseminação de estilos musicais, compositores e artistas populares” (VIANNA, 1995, p. 41). No

185

Ver livro: O que é ideologia (1989).

186

“Mistério do Samba”, VIANNA, (1995) cita um dos encontros peculiares entre artistas e intelectuais, que foi registrado na Revista da Semana na coluna social “Noticiário Elegante” e que retrata essa mediação cultural. De um lado, a intelectualidade e a arte erudita, todos provenientes de “boas famílias

brancas”187, e, de outro, músicos negros e mestiços de camadas sociais mais

baixas188. De um lado os escritores de Casa Grande e Senzala (1933) e Raízes

do Brasil (1936), segundo o autor, fundamentais para a definição do que seria ”ser brasileiro”, e de outros músicos que fariam, também, a partir da década de 30, o que existe de mais brasileiro: o samba. (VIANNA, 1995, p. 41)

Com o fenômeno das rádios, esses mediadores continuaram existindo na figura dos produtores culturais, dos pesquisadores e locutores das rádios. No entanto, eles nunca foram totalmente livres para expressarem as suas idéias, pois tinham a função de veicular o que lhes era, de certa forma, imposto pela construção política ideológica local, pelos patrocinadores dos programas e finalmente pelos próprios proprietários das rádios. Com tantas imposições veladas, sobrava muito pouco espaço para que as expressões contrárias aos interesses vigentes emergissem nos discursos dos radialistas e dos artistas.

Na função de radialista, Vidal teve este papel, intermediando e difundindo valores musicais, compositores e intérpretes regionais como referências nacionais. Como locutor conceituado no seu meio, ele era constantemente abordado por artistas que queriam divulgar os seus trabalhos. Ele também se interessava em divulgar trabalhos que considerava importantes para valorizar o que ele chamava de “autenticidade” da “música brasileira”, discutida aqui no capítulo anterior.

No entanto, ele também assumiu o papel de transmissor da ideologia do governo militar. Podemos analisar a situação de Vidal como apresentador dos programas comparando-a com a reflexão que ROLDÃO E TREVISAN fizeram sobre o contexto da criação de uma rádio no interior de São Paulo:

187

O historiador Sérgio Buarque de Holanda, o promotor Francisco de Paula Prudente de Morais Neto e o antropólogo pernambucano, Gilberto Freyre. Os músicos “eruditos” Heitor Villa-Lobos e Luciano Gallet.

188

Concordamos com BOURDIEU (1997: 65), quando considera que os apresentadores de jornais televisivos, tornaram-se pequenos diretores de consciência, porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno- burguesa, que dizem o que cada cidadão deve pensar sobre ‘os problemas da sociedade’. A opinião de Bourdieu encaixa-se perfeitamente aos locutores de programas de rádio, AMs e FMs que se consideram “acima do bem e do mal” conduzindo os ouvintes, não a uma reflexão, mas sim a crença cega em suas informações que se misturam com idéias e opiniões. (ROLDÃO E TREVISAN, 2004, p. 06).

Numa perspectiva bem ampla o radialista pode ser considerado como uma pequena peça no sistema da mídia mundial que envolve a economia e a política. Mas ele pode ser também considerado, de outro ângulo, como a voz que dissemina a verdade numa veiculação local. No primeiro caso, os ouvintes, tanto quanto o radialista, são conduzidos “a aceitar os interesses de uma minoria legitimando o poder de quem já o tem: políticos, empresários e os

próprios dirigentes dos meios de comunicação de massa.”189 Dentro das

propostas destes dirigentes eles podem enaltecer alguns dos gêneros de programas radiofônicos em detrimento de outros.

Num outro ângulo, ele é visto como aquela pessoa que veicula o fazer musical local da rádio com seus ouvintes, expressando suas opiniões e críticas a partir de seus scripts. Como exemplo, algumas denuncias foram expressas por Vidal contra o consumismo nos programas natalinos, contra as canções

“imorais” em relação às canções “autênticas”190 da sátira, dos pregões. Estas

críticas do radialista ficaram mais acentuadas em seus depoimentos durante o trabalho de campo, onde ele procurava complementar o que ele estava dizendo no programa. Além disso, ele disse sobre as conseqüências destas críticas para ele no seu ambiente de trabalho e no retorno dos ouvintes.

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