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CAPÍTULO 1: ENSINO E PRÁTICA DA MEDICINA

1.3 Medicina Contemporânea

A partir da Idade Contemporânea se percebem mais mudanças no movimento médico; a figura do médico ocidental mais ou menos da forma como se percebe hoje vem dessa época, de um médico que baseia as suas práticas dentro de um arcabouço científico bastante sólido. Tal argumento científico vem impulsionado pelas mudanças no cenário cultural, político, econômico e social impostas pela revolução Industrial. Em funções científicas mais específicas, aspectos basilares que regem o funcionamento do corpo humano, métodos para combate às enfermidades ou o estabelecimento de uma nova ordem e perspectiva de medicina – medicina preventiva –, tanto a prática quanto o ensino de medicina fora modificado; argumentos científicos passam a fazer parte da educação do jovem

médico, que se coloca no papel de investigador das patologias, mais do que meramente um observador de suas consequências (GARGANTILLA MADERA, 2011).

A partir de 1801 há o aprofundamento dos avanços detectados no período anterior, que faz com que o saber médico sofra um processo cada vez mais crescente de especialização, o que vem de certa forma a atender uma necessidade de mercado, de conhecimento específico e de elaboração de procedimentos específicos, além de sofrer a influência de uma apropriação pública de saberes científicos e de se beneficiar de forma mais crescentes de saberes de outras ciências, como física, química e biologia. A criação do estetoscópio por um acadêmico de medicina ilustra um pouco essa fase (GARGANTILLA MADERA, 2011).

Também pode ser mais creditada a essa nova fase da medicina o surgimento da chamada Medicina Social por Virchow, uma vez que ele associava firmemente que as condições de vida dos cidadãos tinham por consequência o adoecimento, forma de pensamento que por um período de 20 anos (1830-1850) estabeleceu-se como dominante na Europa, mantendo-se assim em terras inglesas, prussianas, francesas e austro-húngaras até o século seguinte. A descoberta de bacilos, vacinas para doenças relativamente comuns e de tratamentos limitados, comprovação da relação entre algumas patologias e a ação de micro-organismos, microbiologia de maneira mais específica e o advento da genética foram muito bem vindas dentro da perspectiva do saber e ensinar médico. Esses avanços fizeram com que a Medicina Social perdesse cada vez mais espaço na Europa, especialmente pela associação cada vez mais verídica de que micro-organismos causam doenças.

Entre os anos de 1870, atentando para o desenvolvimento de vários campos do conhecimento aparentemente sem nenhum nexo como patologia, histologia, química, fisiologia e, principalmente, microbiologia, vem a eclodir o que se considera uma verdadeira revolução no chamado conhecimento médico. Independente das motivações, tanto por conta do interesse do capital e desenvolvimento das indústrias que englobam as necessidades e organizações médico-industriais, ou por conta do conhecimento na área dá origem a um processo de fragmentação ou especialização,

pelas derrotas sociais das mais variadas formas de transformação social, ou mesmo por todos esses motivos, a partir desse momento histórico um entendimento de saúde como sendo uma questão socialmente determinada começa a perder adeptos, espaço e força, na Europa.

Esses movimentos todos proporcionaram com que o enfoque médico – prática, pesquisa e ensino – se dirigisse em atividades específicas de intervenção baseadas na ação no paciente, sejam em intervenções cirúrgicas ou medicamentosas. O processo de adoecimento como um fato social, enfocando a pessoa que adoece e os processos físicos, pessoais (genéticos e habituais) e sociais que contribuíram para um desequilíbrio foram sistematicamente deixados de lado, preferindo centrar esforços na rapidez de se estabelecer um alvo orgânico e externo a esse sujeito, tratando-o na prescrição medicamentosa (BUZZI & DOISENBANT, 2008). A partir do momento que a hegemonia bacteriana foi estabelecida na prática e pensamento médicos, deu-se agora um trabalho a fim de se perpetuar essa hegemonia no campo acadêmico e, uma vez que a teoria bacteriana dominou o cenário médico, precisava se apropriar de campos afins, de maneira mais fundamentada do que fora até aquele momento.

Dentro dessa perspectiva, em 1910, Flexner, que na época dava aulas na Johns Hopkins University – que recebia financiamento do Rockefeller Foundation – foi contratado para que se fizesse uma investigação acerca das formas de se ensinar medicina nos Estados Unidos, que na época contava com aproximadamente 150 faculdades de medicina, com as mais variadas formas de ensino e qualidade. Desse grupo, aproximadamente vinte delas ensinava focando a homeopatia. O relatório produzido pela equipe de Flexner a respeito dessas faculdades, vai apontar que essas faculdades não obedecem a um padrão e sugere que esse modelo mais apropriado para as faculdades seria o modelo da John Hopkins University. Se para a época esse tipo de padronização fosse considerado algo avançado, muitos anos depois essa realidade padronizada foi percebida negando a diversidade das mais várias formas de conceber social e psicologicamente a realidade de cada pedaço do país e de suas instituições (GARGANTILLA MADERA, 2011).

Ainda segundo os autores, a reforma Flexneriana dá uma ênfase do ensino médico que deve ter duas vertentes, uma delas em um estado básico (mais

estruturado dentro do laboratório) e outra profissionalizante (focada dentro do hospital). A forma com o qual sua pesquisa delineou a prática americana e influenciou a medicina ocidental como um todo faz com que práticas alternativas, como a homeopatia, sejam consideradas seitas e sejam perseguidas e desencorajadas. Também colabora com a discriminação de negros e mulheres na aprendizagem médica, sejam alunos e profissionais, permite uma supervalorização do ensino da anatomia, não menciona nem estimula a aprendizagem em saúde mental, ciências sociais ou saúde pública, assumindo uma preferência por aprendizagem por especialidades. A mesma reforma aponta que as bases dos diagnósticos sejam apenas físicas e biológicas, fazendo de sua concepção de ciência médica ter ares manifestadamente positivista. (PAGLIOSA & DA ROS, 2008).