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3 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA

3.4 Medida socioeducativa

O ordenamento jurídico brasileiro, assim como na maioria dos países do ocidente, possui dois sistemas de responsabilização e sanção de crimes e contravenções. O sistema penal adulto, regido pelo Código Penal, Decreto-lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, é

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O termo faz referência ao Livro O Cidadão de Papel, 1993, do jornalista Gilberto Dimenstein, que retratou genialmente as contradições brasileiras e o distanciamento entre os direitos sociais e a sua concretização, em especial os direitos de crianças e adolescentes.

destinado a indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos. Já o sistema penal juvenil, regido pelo ECA, destina-se a adolescentes, ou seja, indivíduos com idade igual ou superior a 12 e inferior a 18 anos.

Essa distinção respeita a opção brasileira insculpida nos artigos 228, principalmente, e 227 da Constituição Federal de 1988, aqui apresentados nessa ordem:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

[...]

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,

igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado,

segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

[...]

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (grifo

nosso)

Embora receba severas críticas, essa distinção é plenamente justificada e análoga ao código penal dos adultos: adolescentes vivem a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. E, bem acompanhadas por seus orientadores e respeitadas em seu direito à educação, profissionalização, dignidade, convivência familiar e comunitária, ou seja, não excluídas, podem responder por seus atos integradas à sociedade, maximizando a reconstrução dos seus projetos de vida. De outra forma, encarceradas, marginalizadas, poderiam mais facilmente se constituir em ameaça perpétua à sociedade, potencializado pelo aumento da expectativa de vida da população brasileira.

Foucault (1987) tece as seguintes considerações sobre medidas privativas de liberdade:

A ideia de uma reclusão penal é explicitamente criticada por muitos reformadores. Porque é incapaz de responder à especificidade dos crimes. Porque é desprovida de efeito sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva: é cara, mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhes o vício.

Defende, portanto, o autor que as prisões, ao contrário do que se pensa, aumentam a criminalidade, provocam a reincidência, multiplicam e aperfeiçoam delinquentes, por esconder por trás das grades tratamentos desumanos, advindos do abuso de poder, da

corrupção, do medo, da insegurança, da incapacidade de dar uma resposta social efetiva e específica ao que se pretende coibir.

Os atos infracionais praticados pelos adolescentes decorrem de processos complexos, resultantes do contexto no qual estão inseridos, não podendo suas causas ser analisadas, mensuradas isoladamente.

Ao cometer ato infracional (crime ou contravenção), o adolescente é responsabilizado pessoalmente e sofre a devida sanção, em processo judicial, garantido o contraditório e a ampla defesa, no qual atuam o Ministério Público, de um lado, atribuindo-lhe a autoria do ato infracional e, de outro, o juiz, julgando e, sendo o caso, aplicando-lhe a medida socioeducativa cabível, proporcional à conduta e ao seu grau de envolvimento no evento.

Assim, a medida socioeducativa é a sanção restritiva de direito e, por vezes, de liberdade imposta pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei, dentro dos limites legais e concretos impostos pela natureza jurídica da própria medida, ou seja, dentro dos limites jurídicos que autorizam o Estado a intervir na vida e na liberdade dos réus julgados e responsabilizados por seus atos.

Conhecer essa natureza jurídica é essencial ao bom desempenho das atribuições legais dos profissionais incumbidos de acompanhar o cumprimento da medida aplicada, analisando sua pertinência, correição, proporcionalidade e harmonia com a legislação, pois é o elemento essencial a considerar-se na relação sociopedagógica que se estabelecerá (MENDEZ, 2005, p. 10).

É pacífico entre os melhores doutrinadores o aspecto predominante do conteúdo pedagógico na execução da medida socioeducativa, apesar do seu caráter jurídico, sancionatório e restritivo. Assim, como visto na CF/88, art. 227, o adolescente não pode ser reduzido às circunstâncias da infração praticada, nem pode ver reduzidos nem negligenciados seus direitos, pois, como vive a “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (grifo nosso), tem na medida socioeducativa a oportunidade de se apropriar da sua realidade pessoal e social, ressignificar conceitos e a própria identidade, a começar pela responsabilização, que é uma forma de, (re)apresentado a limites mais concretos, auxiliá-lo a reorganizar seu referencial de convivência social e reelaborar seu projeto de vida.

Desse modo a medida pressupõe um Plano Individual de Atendimento – PIA, pactuado entre adolescente, equipe técnica e família, para que se cumpram seus objetivos, definidos na Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE):

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

[...]

§ 2º Entendem-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos:

I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato

infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;

II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. (grifo nosso).

Portanto, a medida socioeducativa objetiva responsabilização do adolescente, integração deste, a partir do cumprimento do PIA e desaprovação da conduta infracional, mediante processo judicial e sentença privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

Pelo exposto, para melhor compreender o sistema jurídico juvenil, faz-se necessário destacar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), Lei 12.594/2012, que reúne regras e critérios para a execução das medidas socioeducativas para programas de atendimento ao adolescente autor de ato infracional, ganhando estatura legislativa semelhante à do ECA, somente podendo ser mudado a partir de um novo projeto de lei. Anteriormente a essa aprovação, o SINASE fora instituído sob formato de resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), podendo ser alterado pelos seus conselheiros e membros.

Quanto ao financiamento, houve inovações no que tange às novas fontes de financiamento, sendo incluído o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate ao Abuso de Drogas e o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação.

Vale ressaltar que o SINASE também abrange os procedimentos gerais e os atendimentos individuais, referentes aos aspectos de proteção integral do adolescente, incluindo a atenção especial e especializada à saúde do jovem em cumprimento de medida socioeducativa, aos casos de adolescentes com transtorno mental, psicopatia e dependência de substância psicoativa, considerando, assim, as peculiaridades de cada jovem, recomendando sempre a individualização do plano das ações corretivas, através da efetivação do PIA. Consolida também os princípios referentes à pessoa humana, evidenciados na constituição pátria de 1988, proibindo sob qualquer forma a discriminação étnico-racial, de gênero, de nacionalidade, de classe social, de orientação religiosa, política e sexual, em todas as ações socioeducativas disciplinadas pela lei do SINASE.