• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II O NOVO PANORAMA JURÍDICO-PENAL

2.10. MEDIDAS ACESSÓRIAS

O n.º 3 do artigo 154.º-A do CP indica que, nos casos da prática efectiva do crime de perseguição, e não em casos de tentativa, “podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição”. Esta previsão normativa não estatui um dever-ser, mas somente uma hipótese, a ser considerada casuisticamente pelo julgador. Entendemos que, considerando a enorme carga lesiva dos direitos de personalidade e do bem-estar da vítima, que decorre do comportamento do stalker,

não deveria o legislador tem consagrado somente uma possibilidade de emprego de medidas acessórias, mas sim um dever de aplicação a todos os casos de perseguição consumados, uma vez que, daquele modo, nada impede o perseguidor de, mesmo condenado, continuar a arreliar e assediar a vítima.

Para além do mais, o legislador entendeu precaver determinados locais mais próximos da vítima, como o são a sua residência e local de trabalho, por serem aqueles em que esta permanece mais frequentemente no quotidiano, com a inclusão do n.º 4 do mesmo artigo – na hipótese de ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, ocorre o dever de afastamento da residência e local de trabalho e fiscalização do cumprimento da obrigação através de meios técnicos de controlo à distância.

Ora, os meios que constituem a vigilância electrónica encontram-se regulados na Lei n.º33/2010 de 02 de Setembro (LVE), que é aplicável ao caso sub judice por remissão do seu artigo 1.º alínea e) para o artigo 35.º da Lei n.º112/2009 de 16 de Setembro (Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas). Ocorre que este último diploma não faz referência à sua aplicabilidade ao crime de perseguição, com certeza por lapso, não obstante ter sofrido alterações ainda no decurso do presente ano de 2017. A vítima de perseguição tem, no nosso entendimento, o direito de ser protegida, nos mesmos termos que os explanados no artigo 20.º do RJAPVD, nomeadamente pelos meios técnicos de teleassistência indicados na Portaria n.º 220-A/2010 de 16 de Abril. Faria sentido, até mais no que concerne ao comportamento a adoptar após a queixa da vítima de perseguição, que a mesma usufruísse das medidas protectivas do artigo 29.º-A do RJAPVD. A letra da lei deveria ser tão explícita como o foi no artigo 35.º do RJAPVD que, no seu n.º 2, menciona que “o controlo à distância é efectuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados.”

Então, a vigilância electrónica pode ser efectuada essencialmente de duas formas: através de monitorização telemática posicional ou verificação por voz, admitindo ainda o uso de outros meios tecnológicos que se mostrem idóneos, conforme o disposto no artigo 2.º da LVE. Este tipo de vigilância deve respeitar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana vertido no artigo 1.º da CRP, o qual tem uma maior expressão na necessidade de consentimento do condenado ou arguido, consoante haja ou não decisão judicial. Devido ao carácter

eminentemente pessoal desta supervisão, não é de ânimo leve que o visado pode autorizá-la: deve prestar consentimento de vigilância pessoalmente, perante um juiz e na presença do seu defensor, sendo aquele reduzido a escrito, todavia isso não obsta à sua revogabilidade a todo o tempo.

A monitorização telemática posicional funciona com o auxílio da tecnologia de rádio frequência, a qual permite, após a circunscrição do arguido/condenado a um local determinado, controlar a sua permanência no mesmo. Para tal, o visado portará uma pulseira electrónica / dispositivo de identificação pessoal, que procederá à transmissão de sinais codificados em rádio frequência com um delimitado intervalo de tempo; os sinais são depois recepcionados por uma unidade de monitorização local instalada na habitação do visado que analisa se este está a respeitar o perímetro determinado ou não.

Como, no presente caso, estamos perante uma proibição de contacto com a vítima, afastamento da sua habitação e local de trabalho, não existirá, em princípio, obrigação de permanência na habitação: o sistema localiza vítima e arguido/ condenado, sinaliza como locais interditos a casa e emprego da vítima e o sistema alertará para situações de incumprimento sempre que haja uma aproximação a tais sítios, através do sistema de rastreio por satélite ou geo-localização. Este método é o mais apropriado para fiscalizar a proibição de contactos entre dois ou mais alvos e é conseguido através do uso, pelo agressor, de equipamentos que, estando conectados às redes de comunicações móveis, permitem descobrir a sua localização no espaço; assim, se o agressor se deslocar a zonas interditas previamente inseridas no sistema, como o local de trabalho da vítima, a sua habitação, ou mesmo se se encontrar perto da própria vítima, a qual também poderá ter na sua posse um pequeno dispositivo (pager) capaz de detectar o equipamento do agressor, soará um alarme, emitido para o dispositivo da vítima e da Direcção Geral de Reinserção Social, que por sua vez alertará as autoridades. A grande vantagem da geo- localização pauta-se pelo conhecimento, em tempo real, dos posicionamentos de agressor e vítima, o que permite não só dissuadir investidas, mas também actuar mais rapidamente em casos de aproximação e conferir à vítima protecção e segurança acrescidas. Por estar em causa, em certa medida, uma restrição da liberdade do arguido no que concerne à fiscalização através de meios electrónicos, a proibição de contacto com a vítima deve ser uma medida absolutamente indispensável para garantir a protecção dos direitos desta.